Guionista e produtor do filme A Teoria de Tudo (sobre o famoso físico Stephen Hawking), com o qual venceu dois Óscares, Anthony McCarten é um aclamado romancista e dramaturgo. Motivado pela admiração que o seu pai, combatente da Segunda Guerra Mundial, nutria por Winston Churchill, o autor decide perceber melhor o homem e menos a figura no pedestal.
A Hora Mais Negra procura dar a conhecer um dos maiores líderes do século XX, com as suas fragilidades e angústias, nos primeiros dias da sua inesperada ascensão a primeiro-ministro, justamente num período histórico, Maio de 1940, em que se viveu uma grande incerteza, com a Grã-Bretanha em guerra com a Alemanha, que vai derrubando democracias na Europa.
Com recurso ao Legado Churchill e aos Arquivos Churchill, há referências retiradas de obras históricas, cartas, discursos, bem como um arquivo fotográfico e conjecturas de como certas conversas terão decorrido – e aí inicia a magia da realidade ficcionada, do como poderia ter sido… Mas este livro não se trata de um romance mas sim de um documento histórico, resultante da investigação pessoal do autor, enquanto preparava o filme. Pode até surpreender pela forma como se considera como Winston Churchill teria mesmo considerado fazer um pacto com Hitler, entregando de forma definitiva a Europa Central e a França ao domínio nazi e a devolução de colónias alemãs arrestadas durante a Primeira Guerra.
Para quem viu a série The Crown (onde a rainha Isabel II começa justamente o seu reinado quando Churchill, brilhantemente interpretado por John Lithgow, é primeiro-ministro) ou viu o filme Dunkirk, não pode deixar de ter curiosidade em ler esta obra, trazida ao público português pela Objectiva, que se foca entre a promoção improvável deste homem ao poder, a 10 de Maio de 1940, e a evacuação do ameaçado exército britânico em Dunquerque, acontecimento que assinalou a queda da França.
O filme estreia esta semana nas salas de cinema portuguesas, realizado por Joe Wright (Expiação) e a interpretação do primeiro-ministro britânico está a cargo do fantástico Gary Oldman (esse autor quase sempre irreconhecível nos filmes em que entra) com a qual venceu o Globo de Ouro deste ano. Ver artigo
Este livro (originalmente publicado em 2009) cristaliza um diálogo que resulta de um encontro em Paris, entre o sobejamente conhecido Umberto Eco, autor cuja obra tem vindo a ser publicada pela Gradiva, e Jean-Claude Carrière, cineasta e ensaísta.
As questões são diversas, nesta conversa, ou conversas, tidas em vários momentos, conduzidas por Jean-Philippe de Tonnac, escritor, ensaísta e jornalista.
A Internet significa o desaparecimento do livro? Não representa o ebook uma maior comodidade, capaz de fazer transportar de forma mais ligeira e prática num só equipamento toda uma biblioteca?
«As variações em torno do objecto livro não lhe modificaram a função, nem a sintaxe, há mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não se pode fazer melhor.» (p. 16)
Ao contrário de outros suportes de armazenamento de memória que se tornam continuamente obsoletos, como os CD-ROM, as disquetes, as cassetes, defende Eco que o suporte do livro é insuperável, mais fácil de transportar e de abrir/ligar do que um computador, pois não requere nenhuma alimentação a não ser a vontade do leitor.
Num diálogo vibrante e culto, onde não falta humor, situações anedóticas e pequenas piadas que fazem também parte da cultura e da história humana, os autores revelam como o saber (e a idiotia, a par e passo) continua vivo, por muito que a tecnologia se supere a si própria, e o conhecimento nunca ocupa espaço, desde que haja naturalmente uma selecção em função daquilo que nos dá prazer. Um pouco como os colecionadores que uma vez reunida a colecção ou encontrado o objecto tão desejado acabam por descartar logo de seguida o fruto dessa demanda, pois ficou saciada essa sede de descoberta e aventura.
«A cultura é um cemitério de livros e outros objectos desaparecidos para sempre. Existem, hoje, trabalhos sobre esse fenómeno que consiste em renunciar tacitamente a certos vestígios do passado, e, logo, a filtrar, e por outro lado colocar outros elementos dessa cultura numa espécie de câmara frigorífica, para o futuro. Os arquivos, as bibliotecas, são essas câmaras frias em que armazenamos a memória, de modo que o espaço cultural não esteja atravancado de toda essa aglomeração, sem contudo renunciar a ela. Poderemos sempre, no futuro, recuperá-la, se o coração assim no-lo ditar.» (p. 60) Ver artigo
Juliet Marillier, autora de culto do fantástico, tem agora a sua primeira obra relançada pela Planeta, numa novíssima edição da obra A Filha da Floresta. Este livro originalmente publicado em 1999 marcou a estreia da autora e o início da trilogia Sevenwaters, que teve ainda, mais tarde, outras obras que se podem enquadrar neste ciclo como A Vidente de Sevenwaters e A Chama de Sevenwaters.
A autora recupera nas suas obras mitos e lendas da tradição céltica, sendo que o cenário das suas obras remonta quase sempre à antiga Irlanda. Desta vez, a autora não se baseia numa história da Escócia ou da Irlanda, mas sim numa história alemã, «Os seis cisnes», recolhida pelos irmãos Grimm.
Sorcha é a sétima filha de um sétimo filho, o Lorde Colum. Todos os outros seis irmãos são rapazes. Lady Oonagh consegue seduzir Lorde Colum com a sua beleza mas não ilude completamente os seus sete filhos. Frustrada e furiosa por ver que os seus planos podem fracassar, acaba por enfeitiçar os irmãos de Sorcha, transformando-os. Cabe a Sorcha desfazer a maldição, enfrentando temíveis provas com determinação e amor, para que os seus seis irmãos possam recuperar a forma humana e sobreviver à maldição.
Conforme ao espírito dos contos populares, existe uma madrasta malvada, uma transformação, e uma maldição a ser resolvida com a ajuda de intervenientes mágicos, pois Sorcha conta com a ajuda das Criaturas Encantadas do Outro Mundo, que a tomam sob a sua protecção, pois Sevewaters é um espaço mágico no coração da Bretanha:
«A nossa casa tinha o nome dos sete riachos que desciam dos montes para o grande lago cercado de árvores. Era um lugar remoto, calmo, estranho, bem vigiado por homens silenciosos que deslizavam pelos bosques vestidos de cinzento e que mantinham as armas bem afiadas.» (p. 18)
Neste recanto isolado, no centro da floresta, num anel formado pelos montes, os habitantes de Sevenwaters estão a salvo de salteadores, reis, assaltantes, dos nórdicos ou dos pictos. Mas não estarão completamente a salvo da magia de Lady Oonagh. Ver artigo
Escrito em 1961, este é um romance belo, melancólico, perturbante, em que se realiza uma meditação sobre a sexualidade e a morte.
Eguchi é um senhor que ouve falar numa casa de prazer para «clientes no inativo», o que não é de todo o seu caso, como a personagem constantemente lembra o leitor, apesar de a narração ser feita na terceira pessoa, mas realizada a partir da corrente de consciência e da focalização do próprio Eguchi.
«O velho Eguchi, ao longo dos seus sessenta e sete anos de vida, tinha conhecido, evidentemente, noites bastante desagradáveis com mulheres. (…) Eguchi não sentia nenhuma vontade, com a idade que tinha, de experimentar uma nova sensação desagradável com uma mulher.» (p. 19)
Mas apesar de haver memórias indeléveis, Eguchi apenas parece lembrar boas recordações das mulheres que passaram pela sua vida, enquanto dá por si a entrar naquela casa, primeiro por curiosidade, depois por uma ânsia cada vez maior que não chega nunca a ser sexual.
As belas adormecidas são como «bonecas vivas»: «tinham feito dela um brinquedo vivo a fim de evitar qualquer sentimento de vergonha a velhotes que já nada tinham de homens.» (p. 25)
Durante o seu sono profundo, Eguchi pode observar estas jovens virgens, que serão quatro, uma por capítulo, ao longo das suas quatro espaçadas visitas a essa Casa, belas inconscientes que cheiram ainda literalmente a leite, pois são postas a dormir durante toda a noite, sem haver o risco de acordarem e testemunharem a companhia dos velhos que as procuram para as mirar ou dormir a seu lado.
A Casa das Belas Adormecidas inspirou Gabriel García Márquez, com o seu Memória das Minhas Putas Tristes.
Nascido em Osaka, em 1899, ficou órfão aos dois anos de idade. Formou-se em Letras pela Universidade Imperial de Tóquio, em 1924, e publicou o seu primeiro livro em 1927.
Yasunari Kawabata foi Prémio Nobel da Literatura em 1968. Suicidou-se em 1972, com 72 anos.
As suas obras mais populares estão publicadas pela Dom Quixote. Ver artigo
«O meu nome é Karim Amir, e sou inglês de nascimento e criação, ou quase. É frequente considerarem-me um tipo de inglês singular, estranho, uma espécie de raça nova, uma vez que sou fruto de duas velhas civilizações.» (p.9)
Assim inicia este retrato irreverente de um “indiano” nascido na Inglaterra e da sua entrada na vida adulta, numa Londres diversa étnica e culturalmente, de frenesim musical, de liberdade sexual, de devaneio artístico, onde o leitor acredita mesmo que Karim frequenta a mesma escola onde David Bowie estudou.
Karim tem dezassete anos e é um adolescente dos subúrbios do Sul de Londres na década de 1970. Além da sua própria ambivalência sexual, tão depressa atraído por Charles como envolvido com Jamila ou Eleanor, Karim, duplamente à margem, como suburbano e como fruto do casamento de um imigrante com uma inglesa, está desesperado por se mudar para o centro de Londres para poder pulsar nas suas veias e viver a vida no único meio que o cativa, o da arte do palco.
Um livro que conta uma vida de excessos, de descoberta e ascensão de classes, com uma linguagem cómica e enfeitiçante. Mas onde se sente também como o autor procura desfazer os próprios mitos criados em torno dos imigrantes, como acontece tão exemplarmente na personagem do pai que dá nome ao livro.
Hanif Kureishi, é ele próprio filho de pai paquistanês e mãe inglesa. Nasceu em Londres, cenário dos seus romances, contos, ensaios, peças de teatro e argumentos para cinema, como A Minha Bela Lavandaria, filme de Stephen Frears de 1985, filme em que um paquistanês beija um skinhead branco.
A obra do autor tem sido publicada na íntegra pela Relógio d’Água. Ver artigo
Constituído por onze capítulos, cada um subdividido em maneiras diferentes de melhorar a escrita nas mais variadas situações («Doze maneiras de evitar que o leitor o odeie» ou «Dez maneiras de melhorar o seu estilo»), inclusivamente quando não estamos a escrever.
Publicado pela Guerra & Paz, este livro «ensina o meu caro leitor a escrever melhores notas de resgate» e também «melhores cartas de amor, histórias, artigos de revista, cartas ao editor, propostas de negócio, sermões, poemas, romances, pedidos de liberdade condicional, boletins da paróquia, canções, memorandos, ensaios, trabalhos escolares, teses, grafitis, ameaças de morte, anúncios e listas de compras».
Fica claro logo desde as primeiras linhas da introdução o espírito irreverente do autor que torna aprazível e divertida uma leitura que poderia ser meramente técnica, enquanto se revê cuidados a ter com gramática, pontuação, estilo, ortografia, revisão, etc..
Com tradução de Marco Neves, autor de A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa, houve oncuidado em adaptar à língua portuguesa os cuidados a ter sobre gramática ou referências bibliográficas a consultar, ainda que possa parecer estranho a certa altura termos Gary Provost a citar Camões ou a remeter o leitor para a Gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra.
O escritor e professor norte-americano Gary Provost (1944-1995) percorreu a América à boleia durante um ano, terminado o secundário, e dedicou-se em seguida à ficção durante os próximos dez anos, para depois passar a escrever não-ficção, trabalhar como jornalista freelancer, e nos anos 80 e 90 dedicou-se ao ensino da arte da escrita, tendo publicado este livro em 1985.
Para Gary Provost, a escrita não é pintura, mas sim música, por isso nada como ganhar senso comum e seguir da melhor forma os conselhos deste livro para depois fazer soar as frases de modo a sentir a sua musicalidade. Ver artigo
Daphne du Maurier nasceu em Londres, em 1907, no seio de uma família de artistas e intelectuais. Filha de actores e neta de escritor, revelou-se desde tenra idade, não só uma leitora voraz, mas também possuidora de uma imaginação fértil. Começou a escrever artigos e contos em 1928 e publicou o seu primeiro romance, The Loving Spirit, em 1931. Foi no entanto Rebecca, o seu quinto romance, que a popularizou. Ao longo da sua carreira, continuou a escrever contos e escreveu igualmente peças e biografias.
Rebecca foi em boa hora relançado pela Editorial Presença, que publicou ainda outras obras da autora, como A Pousada da Jamaica e A Minha Prima Rachel.
A Minha Prima Rachel inicia quando Philip se recorda com nitidez de um momento da sua infância em que viu um homem de grilhetas enforcado nos Quatro Caminhos.
Philip sabe bem que «não se pode voltar atrás» mas é a partir dessa estranha lembrança que nos conduz pela história de como perdeu o seu pai adoptivo e encontrou a sua prima Rachel.
«Na vida não se pode voltar atrás. Não há recuo. Não há segunda oportunidade. Aqui sentado, vivo e na minha própria casa, é-me tão impossível retirar uma palavra proferida ou desfazer um ato realizado como o era ao pobre Tom Jenkyn a oscilar nas suas grilhetas.» (p. 13)
Passaram-se dezoito anos, e entretanto Philip tem vinte e cinco, mas é a partir da recordação nítida desse homem suspenso, com o rosto e o corpo cobertos de alcatrão, que se espoletam as memórias que constroem o fio da narrativa.
«O rapaz que estava debaixo da janela dela na véspera do seu aniversário, o rapaz que permaneceu à entrada da porta do quarto dela na noite da sua chegada, desapareceu, tal como desapareceu a criança que atirou uma pedra a um homem morto num patíbulo para criar uma falsa coragem.» (p. 13)
Quase como se um condenado à morte por ter morto a mulher estivesse na mesma condição humana de um desgraçado que se apaixona pela mulher errada. Como lhe vaticina o seu padrinho: «Há mulheres, Philip, boas mulheres, muito possivelmente, que, sem que a culpa seja sua, atraem a fatalidade. Tudo o que tocam se transforma em tragédia. Não sei porque te digo isto, mas sinto que devo dizê-lo» (p. 13).
Philip é criado pelo seu primo Ambrose, após a morte dos seus pais quando ele tinha cerca de dezoito meses, altura em que se muda para o solar do primo onde é criado inicialmente por uma ama que acaba por ser despedida quando esta dá umas palmadas no rabo de Philip, então com três anos, altura em que Ambrose toma definitivamente a seu cargo a educação e a criação da criança, começando por lhe ensinar o alfabeto usando a letra inicial de todos os palavrões.
Philip considera que ele era como o seu primo Ambrose: «dois sonhadores, pouco práticos, reservados, cheios de grandes teorias nunca postas à prova, e, como todos os sonhadores, adormecidos para o mundo real» (p. 12). Ver artigo
David Machado nasceu em Lisboa em 1978, e a sua obra tem sido publicada pela Dom Quixote.
O seu Índice Médio da Felicidade foi adaptado ao grande ecrã, com realização de Joaquim Leitão e participação do autor na elaboração do guião. O livro foi vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura, prémio aliás que abriu portas ao autor, pois levou a vendas de direitos para uma dezena de países, tradução dos seus livros anteriores, a premiação da edição italiana e a participação de David Machado em vários festivais e feiras do livro.
Um livro que levou cerca de três anos a ser escrito, conforme se sente na tessitura narrativa, mais burilada, e a procura de uma originalidade no estilo e na forma como tenta cruzar três narrativas diferentes, sem propriamente simplificar a história, cingindo-as a um enredo único. Na segunda parte do livro existe mesmo um jogo literário mais evidenciado, na forma como o autor inova e procura reflectir sobre o processo da própria escrita. Processo esse que «Custa tanto» conforme as suas personagens referem.
O autor inova ainda, particularmente na primeira parte, e naquela que é a narrativa mais forte e que mais marcas deixará certamente no leitor, ao adoptar uma voz narrativa feminina, pois as suas personagens anteriores são maioritariamente masculinas. Apesar de inicialmente a voz da personagem de Júlia nos parecer encaminhar para uma história de violência, pelo modo como deixa perceber, gradualmente e sempre de forma ambígua, como esta adolescente terá sido vítima de maus tratos ou de abuso há cerca de um ano, sem nunca se deter propriamente nesse episódio, para que o leitor o capte e veja na sua totalidade, esta jovem irá revelar como se convive com uma dor profunda, que se tenta camuflar na esperança que adormeça. A história desta adolescente de dezanove anos, emancipada, magoada, que sente repúdio de qualquer contacto físico ao mesmo tempo que, paradoxalmente, sente as lágrimas virem-lhe aos olhos assim que lhe tocam, é um desvelar de como se vive o trauma e a dor, a memória de um acto profundamente doloroso, físico ou emocional, que deixa marcas duradouras e impressões indeléveis, debaixo da pele. Pode até parecer um cliché a forma como uma das constantes da vida de Júlia, mesmo dentro do casulo do seu quarto, ser o barulho constante das discussões acesas do casal vizinho, como um ruído de fundo à história de Júlia, conforme lida com a depressão e o trauma do que lhe aconteceu, e da forma como isso a impele a querer salvar uma menina de cerca de cinco anos, a filha do casal do lado, cujo som de desamor atravessa as paredes e atinge o âmago da dor que Júlia procura disfarçar. Ver artigo
Docente de História na Sciences Po, em Paris, onde tem sido responsável por vários cursos, nomeadamente História da Europa e História de Portugal no século XX, doutorado com uma tese sobre o salazarismo e especialista em História Contemporânea de Portugal, Yves Léonard é publicado entre nós pela Objectiva.
O livro conta ainda com um prefácio de Jorge Sampaio, presidente da República Portuguesa entre 1996 e 2006.
Em cerca de 300 páginas, podemos percorrer o século XX desde a queda da monarquia até à actualidade, pós-Troika. Como escreve o autor: «Foi um século XX bastante longo na medida em que não começou em 1900, nem sequer em 1910 com o derrube da monarquia e a proclamação da República (…) mas sim com a crise provocada pelo Ultimato britânico em Janeiro de 1890.» (p. 21)
Desde a queda da monarquia até à actualidade, o autor apresenta o país numa «síntese em dez fotogramas do Portugal moderno, nascido com a proclamação da República», segundo o prefácio, através do «cruzamento de fontes diversificadas», como a antropologia, a política, a economia, a análise social, a cultura, e, em particular, a literatura.
Yves Léonard ressalva logo na «Introdução» do livro que, apesar dos lugares comuns como as proezas de Cristiano Ronaldo, os êxitos da Selecção Nacional, os nomes sonantes da literatura, mesmo que ainda apenas contemos com um único Nobel, o Portugal contemporâneo continua por descobrir enquanto «verdadeiro objecto de estudos e investigações, autónomo e de uma grande fecundidade, palco de uma história singular, a um nível semelhante ao da “idade de ouro” dos Descobrimentos» (p. 18).
O trabalho é extenso e complexo, mas apresentado de forma acessível, provavelmente tal como foi apresentado nos cursos assegurados pelo autor, e lê-se com prazer este documento histórico como se fosse uma epopeia. Numa dezena de capítulos organizados, naturalmente, por ordem cronológica, passam-se em revista, os momentos cruciais da nossa história no último século: «Quatro regimes políticos diferentes, quatro Constituições, quatro ditaduras», entre elas a mais longa da Europa Ocidental, a do Estado Novo salazarista, dois chefes de estados assassinados, uma «descolonização tardia» e uma «emigração endémica» (p. 21). Ver artigo
Ponta Gea é o mais recente livro de João Paulo Borges Coelho e provavelmente o mais corajoso, assumindo não somente uma narrativa feita na primeira pessoa como também uma perspectiva em que os acontecimentos narrados são filtrados a partir do espaço-memória de infância. O autor, muitas vezes enquanto criança, rememora os lugares que persistem, muitas vezes, apenas na memória e na imaginação de uma cidade inventada.
Não posso deixar de assumir eu próprio esta recensão como um levantamento topográfico feito na primeira pessoa, uma vez que quando a Caminho publicou esta obra e gentilmente ma enviou como oferta, estava longe de imaginar que uns meses depois eu próprio estaria a viver ao lado da Ponta Gea, na cidade da Beira, local que ainda recentemente foi notícia, pelas piores razões.
O título do livro tem origem no nome de um bairro da cidade da Beira, «com centro nas coordenadas 19º50’47.14”S e 34º50’25.91’E.
Composto por quinze textos que se interseccionam, e que podem ser lidos numa sequência cronológica, ou isoladamente, como se se tratassem de crónicas, as memórias do autor correm aqui o risco de ressurgir ficcionadas. Escreve o autor no «Preâmbulo»:
«A infância não é um lugar, nem tão-pouco um tempo. O que é ela, afinal?
Se tomássemos a imagem das ilhas, estaríamos neste livro face a um arquipélago de episódios em que o núcleo de cada um me fosse imposto com insistente nitidez, mas em que as margens, mais incertas, exigissem um esforço contrário ao de evocar – o esforço da partida.» (p. 11)
Para o autor, pelo menos assim se refere no livro, Ponta Gea não se trata de um livro de memórias da infância, mas de um exercício de ficção, de como o mundo era visto a partir dessa idade em que, como escreveu Proust, «se acredita que criamos aquilo que nomeamos». Na linha de autores que João Paulo Borges Coelho admira, como Thomas Bernhard ou W. G. Sebald, o deambular parece associado ao rememorar, e o recontar associado a um relembrar que se reinventa, mesmo que o autor nos apresente recortes de jornais e fotografias que procuram cristalizar essa memória fidedigna.
«Se evocar for trazer para a idade adulta, então talvez a infância seja, no seu sentido mais puro, aquilo de misterioso que se nos escapa por entre os dedos quando evocamos, a viagem que nunca chegou a ser feita e por isso resiste incólume à passagem do tempo. A potência daquilo que imaginamos poder ainda vir a ser.» (p. 12) Ver artigo
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