Se Os Memoráveis encerrava um ciclo, iniciado com a obra de estreia sobre a Revolução de Abril, O Dia dos Prodígios, e fechado com esse trabalho de reconstrução ou resgate da memória da Revolução em Os Memoráveis, então este Estuário pode bem marcar uma nova fase na escrita da autora, como se pode ler na passagem: «Então, alguém teria de escrever esse livro, um livro que fosse, ao mesmo tempo, o último do passado e o primeiro do futuro.» (p. 15) Ver artigo
Morrem Mais de Mágoa, de Saul Bellow, é relançado agora, em edição revista e com nova capa, onze anos depois da sua primeira edição pela Quetzal Editores. Um dos grandes romances de Saul Bellow, Prémio Nobel da Literatura em 1976. Ver artigo
“Livro de Vozes e Sombras”, o mais recente romance de João de Melo, editado pela Dom Quixote, é um dos mais importantes romances de 2020. Um livro que acredito ter sido escrito ao longo de vários anos, até pela sua arquitectura complexa. Uma prosa torrentosa, ainda barroca e hiperrealista, mas onde a linguagem sempre poética é mais depurada.
Cláudia Lourenço, jornalista, é enviada de Lisboa à ilha de São Miguel ao serviço do jornal “Quotidiano” para entrevistar um conhecido ex-operacional da Frente de Libertação dos Açores. A partir dessa narrativa condensa-se gradualmente a história da Ditadura, do fim das guerras em África, a descolonização, a diáspora portuguesa e o «retorno» a casa, quase sempre intranquilo.
Cláudia Lourenço, jornalista, é enviada de Lisboa à ilha de São Miguel ao serviço do jornal “Quotidiano” para entrevistar um conhecido ex-operacional da Frente de Libertação dos Açores. A partir dessa narrativa condensa-se gradualmente a história da Ditadura, do fim das guerras em África, a descolonização, a diáspora portuguesa e o «retorno» a casa, quase sempre intranquilo.
1 – A jornalista Cláudia Lourenço, mais confidente do que protagonista, pertence a uma nova geração pouco conhecedora da história não muito remota de Portugal. É um ajuste de contas com o passado, mas também parece constituir um final de um ciclo na sua obra para, naturalmente, abrir novo ciclo.
R – Quando olho para trás, para os livros que até hoje escrevi, nunca vejo ciclos nem outros caminhos programáticos da minha escrita. O meu passado decide-se entre boa ou má literatura. Daí ter repudiado os primeiros livros: de quando absorvia o mundo dos outros através da leitura. Só me senti “escritor” a partir de O Meu Mundo Não é Deste Reino, um romance que Você conhece muito bem. Porquê? Se descobrimos uma linguagem dentro de nós, associamos-lhe uma geografia íntima e uma possibilidade existencial para o mundo dos outros. Este de agora é um livro que se explica e justifica a si mesmo: tinha de ser escrito, só eu podia fazê-lo. Não o concebo de outra maneira. Nem faço ideia, ainda, do que irei escrever a seguir.
2 – Este é também o seu romance mais metaficcional, aliado à reflexividade da história, que cruza Açores, Portugal e África colonial. Não será por acaso que a jovem jornalista vem da metrópole, capaz de oferecer um olhar crítico externo às ilhas.
R – Concordo. Houve a preocupação de contextualizar no mesmo tempo narrativo a memória de três lugares distintos entre si, todos eles complementares em relação à “crónica” e à recuperação da memória histórica ainda recente. Açores, Lisboa e África são geografias muito próprias, ainda que tangidas pela mesma vitalidade da mudança política. O golpe de Estado e a Revolução de Lisboa abriram portas às “independências contraditórias” dos Açores e das Colónias africanas. Se me tivesse cingido ao caso da FLA, haveria a ilusão de pensar-se que tudo acontecera como por geração espontânea, não como causa e consequência do fim da Ditadura e do Processo Revolucionário. Da mesma forma que se concertam três geografias narrativas, também pretendi opor duas gerações no conhecimento desse passado ainda tão recente, porém ignorado pela nova juventude portuguesa. Aproveito para acrescentar o seguinte: este livro abre-se a todas as gerações de leitores. Só elas o podem entender e completar à sua maneira e à medida de cada uma.
3 – A escrita deste livro representa um acto de coragem, o risco de confundir a ironia com a sua opinião dos factos. Nomeadamente quando tece toda uma crítica à guerra colonial pela óptica de um branco colonizador que a defende (p. 51), ou na pessoa de Mariano, que por lá combateu, quer na de Custódio, latifundiário, explorador colonialista com características próximas do animalesco (descrito como “touro” na pág. 156). Este é um ponto de vista que se reparte entre vencedores e vencidos, uma visão crítica dicotómica a apontar a complexidade histórica da mudança: «a história mudava de uma margem para outra da razão» ( pág. 360).
R – Podemos, antes, falar de uma espécie de “jogo”. O jogo da ficção sobre as verdades históricas, em que ambas (ficção e realidade) se invocam e provocam com frequência. Mas eu pertenço a uma ideia ou escola de literatura quase sempre motivada na ousadia social e na ética do compromisso com o mundo. Gosto dos livros que suscitam diversas leituras. Não me interessa a unanimidade. Uma das coisas que mais me atrai na literatura é, como no meu caso, criar narradores. Que se contradigam, que sejam como que um inventário de ideologias opostas.
4 – Como o título indica, as vozes têm um peso imenso neste romance polifónico. O lexema vozes é recorrente na narrativa: as vozes do povo, dos Açores, etc. A perspectiva muda diversas vezes entre a primeira e a terceira personagem, temos diversas personagens que em algum momento se tornam centrais e a perspectiva da voz narrativa oscila de acordo com o ponto de vista de cada uma dessas personagens, recorrendo ao discurso indirecto livre e acedendo à sua voz interna. Temos ainda um narrador que de vez em quando fala directamente com o leitor (p. 83), ao mesmo tempo que percebemos como a entrevista de Cláudia a Mariano dará origem a um livro feito a partir das histórias deste mosaico.
R – A minha ideia era justamente acordar as vozes portuguesas que tudo viveram até ao 25 de Abril e depois, e que aos poucos foram recuando no meio de nós, a ponto de se calarem. Este livro quer provocar o clamor, trazer de volta a palavra, a dor e revolta. E a justiça, também. Refiro-me a um processo português global. Não se trata de um livro “açoriano” strictu senso, mas de uma paisagem protegida da nossa vida colectiva – em Lisboa, na África e nos Açores ao tempo em que conceberam um sonho independentista à direita de toda a política. Qualquer leitor que entre no livro entra também nesse jogo narrativo. Creio que a linguagem flui, que não se ocorre no obscurantismo nem num mero exercício de estilo. Concorda?
5 – Claro. Tanto que a própria entrevista rapidamente se torna uma conversa, uma narrativa com vida própria e cronologia desfasada, em que, como convém, a voz da jornalista se silencia. Apenas sabemos das suas questões através da voz de Mariano.
R – Quem é Mariano? Quem é a jornalista Cláudia Lourenço? Podia dizer, como Flaubert disse da sua Madame Bovary, “sou eu”. Esses os ingredientes e mistérios da ficção. Tal como eu, cada um pode ir buscar a este Livro de Vozes e Sombras a voz e a sombra da própria pessoa.
6 – Não só volta ao Rosário (p. 79), como retoma a atmosfera do seu romance sobre o Rosário. Ele representa aqui, uma vez mais, o arquipélago?
R – A povoação do Rosário pode ser, tanto neste como noutros livros que escrevi, o meu Macondo (salvo seja); ou o masculino simbólico de Achadinha, a terra açoriana em que nasci, para melhor se identificar com Portugal (nome masculino). Será sempre um lugar inserido na corrente contínua do tempo histórico. Nessa medida, já o referi como “Rozario”, “Rozário” e na sua grafia actual. A sua descrição não é muito distinta de outras aldeias açorianas. Interessa é que a sua representação seja endossada ao leitor. Não tenho nenhum sentido de posse sobre os lugares da minha ficção.
7 – Nova Roma parece ser igualmente um cenário atópico, entre a ficção e o real, ao jeito do Rosário. Ou mesmo Munakala. A África colonialista, uma África nunca nomeada (porque será?) mas que se toma por Angola (na referência aos musseques).
R – Tem razão. Aparentemente, Nova Roma não existe, mas pode intuir-se sob outros nomes: como a “Nova Lisboa” de Angola, por exemplo. Por outro lado, talvez que Munakala seja o eco perdido de Calambata, o aldeamento em que se situava o quartel da minha guerra colonial. Assim sendo, não me escondo daquilo que escrevo; mas só em parte o revelo em termos pessoais. Nunca pretendi ser um autor autobiográfico. Sou apenas uma peça e um enigma do jogo. Acrescento: no livro nunca se menciona o nome de “Angola”; é sempre a Colónia. O propósito era identificar o colonialismo português. Mariano, sim, conta a sua paixão pela Guiné-Bissau: esse capítulo é fulcral para a caracterização ideológica dele.
8 – Além dos temas que lhe são recorrentes, e do léxico que lhe é caro, este livro parece subsumir anteriores títulos seus… quase como um mosaico do conjunto da sua obra. A começar pelo Rosário, passando pela guerra colonial, temos ainda o vinho como estimulante da verdade, os anjos, os vencidos.
R – Isso pode ser claro como água corrente; ou ser uma parte fictiva da chamada “unidade da obra”. Tenho formação em Filologia Românica, fui professor da hermenêutica textual. Podia muito bem escrever uma tese em sede própria. A quem interessaria? Nem ao próprio eu. Já estou numa fase da vida em que cada vez me interessam mais as leituras múltiplas dos outros. Fico-me com a minha pequena, quem sabe se inútil, “mitologia” literária. Só isso me pode individualizar entre outros escritores e ser eu próprio “uma voz” literária.
9 – Uma das personagens, combatente da guerra colonial, tenta purgar-se do trauma da guerra transferindo a sua memória para «cinco cadernos escritos à mão» (p. 57). Foi isso que de certa forma deu origem aos seus dois primeiros romances, depois reescritos em “Autópsia”?
R – Não, nada. A personagem Mariano deste livro oscila entre o linear pessoal e a complexidade do ser, do carácter e sobretudo da ideologia colonialista. Quanto a mim, o chamado “stress pós-traumático de guerra” levou-me a escrever tudo o que vivi em tempo de guerra em Angola. Vim de lá desiludido, cheio de mágoa e muito perturbado. Só a literatura me pôde valer. Costumo dizer, aliás, que nós, o da geração da guerra colonial, fomos para África uns e voltámos outros, diferentes de nós mesmos. Nesse sentido, foi um privilégio assumir a condição da escrita e regressar à vida verdadeira depois da guerra. Trago-a ainda na pele e nos ossos, pois como disse o poeta René Char, “há guerras que não acabam nunca”.
10 – Ângela Mendes Pinto parece ser a personagem central ou fio condutor destas histórias. Uma espécie de anjo cego da História, que nos guia pelo livro, mesmo quando parece desaparecer dele para depois regressar. É esta cega – de visão clarividente e sentidos sobreapurados – uma metáfora da necessidade de olharmos mais para dentro face ao ruído dos tempos?
R – Ora aí está! O nosso povo diz que “a verdade vem da boca dos inocentes”. Também eu quis acreditar na cegueira de Ângela como mecanismo de uma visão outra do nosso mundo. A cegueira dela é, simultaneamente, a sua inocência e a descoberta de novas formas de verdade. Lembra-se de quando, ao abandonar Nova Roma com a família de regresso a Portugal, ela jura ver milhões de mortos espalhados pela cidade? Essa é a Ângela histórica a falar. A consciência e a culpa. Fala pelo lado avesso da epopeia portuguesa. Só ela “vê” a derrocada histórica de um império que afinal nunca existiu.
11 – Para um leitor mais atento, o apelido Mendes Pinto é claramente um piscar de olhos que reforça este livro como uma antiepopeia da história portuguesa das últimas décadas, a partir da descolonização e da revolução de Abril. E tal como Fernão Mendes Pinto que procura contar o reverso da expansão portuguesa, este seu livro é dedicado à sua neta para quando ela o poder ler e compreender.
R – Nós, portugueses, precisamos de sair de “Os Lusíadas” heróicos e assumir o pícaro da nossa “Peregrinação”, dentro e ao redor de nós mesmos. É por complexo de inferioridade que nos exaltamos no heroísmo do passado; nunca por nunca nos referimos à nossa condição de piratas do mar e da terra; nem nos penitenciamos da feroz Inquisição que tanta gente torturou brutalmente e mandou arder nas suas fogueiras; nem do tráfego de escravos de África para o Brasil, aos milhões. Na minha ideia, cabe à literatura nomear a vítima e resgatá-la do esquecimento. Faço-o por sistema, de livro para livro. Também tenho uma ideologia histórica.
12 – A certa altura Mariano diz à jovem jornalista: «– É muito jovem, vive num mundo novo, não tem obrigação de o saber. O seu tempo português resulta dos fardos que nós carregámos, para que a sua geração se risse dos excessos de memória e de uma experiência que a geração seguinte julga ser coisa de taralhoucos: velhos a matutar em utopias que já não servem para nada.» (p. 52)
Partilha desta visão desencantada?
R – À minha maneira sim, nunca à de Mariano. Acontecem perdas contínuas entre nós, de geração para geração. Refiro-me ao caso português. Os nossos jovens não têm consciência dos sacrifícios que marcaram a vida dos avós e dos pais. E não fazem ideia de como Portugal subiu da miséria miserável e da exploração laboral para a libertação do 25 de Abril, para um talvez notável progresso económico, a liberdade individual e a democracia social. Conheço os novos problemas da nossa juventude, com a qual sou sempre solidário. Mas gostaria de ver nela mais cultura, mais livros, um sentido crítico e sobretudo auto-crítico do seu inconformismo.
13 – Em jeito de conclusão, qual é hoje a sua relação com os Açores? É um local onde ainda regressa por imperiosa necessidade ou sente que nunca de lá saiu?
R – Os Açores são o que sempre foram para mim. O lugar que me completa. O sítio do regresso perfeito. Devo a essa idealização a fonte de onde mana o meu desejo de criação pela literatura. O propósito foi sempre o mesmo: impor as ilhas como imaginário da Literatura Portuguesa, não como regionalismo, antes como simbologia do humano universal. Se olhar para um planisfério, verá que todo o Mundo é um arquipélago, sendo os continentes ilhas muito grandes e as outras fragmentos verdadeiros da mesma natureza. O humano não tem de ser geográfico, e sim global, ontológico, no sentido em que todo o ser apenas tem sentido quando visto à escala ou à medida do planeta Terra. Daí para baixo, é o chão, o barro, a pedra, a contingência da nossa passagem por aqui. Muito obrigado.
João de Melo
(Lisboa, 27 de Dezembro de 2020)
Uma Vida no Nosso Planeta – O meu testemunho e a minha visão para o futuro de Sir David Attenborough, publicado pela Temas e Debates, acompanha o documentário com o mesmo título disponível na Netflix. Mas não se tome este livro como um balanço da vida deste naturalista, pois este senhor, um dos rostos mais conhecidos da televisão, toma o seu mediatismo como uma responsabilidade acrescida de, aos 94 anos, nos dar um retrato do declínio numa vertiginosa espiral da biodiversidade como consequência da sobre-exploração dos recursos naturais do nosso planeta.
Dividido em três partes, o autor passa em revista, na primeira parte, os últimos 80 anos, de 1937 a 2020 (ano em que o livro foi terminado e publicado), começando quando aos 11 anos vagueava em busca de fósseis como amonites. Passando por diversos anos cruciais na sua vida, do seu percurso de estudante de Ciências Naturais a produtor da BBC, o autor cinge-se sobretudo à sua relação com o mundo natural, no que foi observando nas suas várias expedições, enquanto testemunha de um mundo que se tornou cada vez mais pequeno e menos selvagem, conforme o ser humano continuou a assumir que este era o seu planeta e podia explorar os seus recursos ilimitadamente. Na segunda parte, a mais breve, é feita uma projecção da evolução do nosso impacto no mundo nas próximas décadas, se não encontrarmos forma de aligeirar a nossa pegada. Na terceira parte, e a mais cativante, revela como podemos ajudar a repor a biodiversidade do planeta, de modo a alcançar uma estabilidade autosustentável, num período em que começámos finalmente a perceber que existe uma associação entre vírus emergentes e a morte do Planeta (p. 132). Com exemplos fascinantes de diversos países, como a Nova Zelândia, e com dados precisos e actuais de vários relatórios, o autor deixa-nos neste livro, de leitura fácil e acessível, um derradeiro apelo. Depois de anos a falar em sítios como as Nações Unidas ou o Fundo Monetário Internacional, o autor dirige-se directamente a cada um de nós numa chamada final à consciência que ainda podemos revelar nos mais pequenos passos de forma a salvar não o mundo mas a nós mesmos, pois o mundo, esse, é certo que encontrará forma de nos sobreviver, regenerando-se, como já aconteceu nas anteriores 5 extinções.
Uma nota final para este livro enquanto objecto. Um belíssimo livro, pesado, em papel reciclado, de páginas densas, olorosas, enriquecido por belíssimas fotografias coloridas e diversas outras ilustrações.
Dividido em três partes, o autor passa em revista, na primeira parte, os últimos 80 anos, de 1937 a 2020 (ano em que o livro foi terminado e publicado), começando quando aos 11 anos vagueava em busca de fósseis como amonites. Passando por diversos anos cruciais na sua vida, do seu percurso de estudante de Ciências Naturais a produtor da BBC, o autor cinge-se sobretudo à sua relação com o mundo natural, no que foi observando nas suas várias expedições, enquanto testemunha de um mundo que se tornou cada vez mais pequeno e menos selvagem, conforme o ser humano continuou a assumir que este era o seu planeta e podia explorar os seus recursos ilimitadamente. Na segunda parte, a mais breve, é feita uma projecção da evolução do nosso impacto no mundo nas próximas décadas, se não encontrarmos forma de aligeirar a nossa pegada. Na terceira parte, e a mais cativante, revela como podemos ajudar a repor a biodiversidade do planeta, de modo a alcançar uma estabilidade autosustentável, num período em que começámos finalmente a perceber que existe uma associação entre vírus emergentes e a morte do Planeta (p. 132). Com exemplos fascinantes de diversos países, como a Nova Zelândia, e com dados precisos e actuais de vários relatórios, o autor deixa-nos neste livro, de leitura fácil e acessível, um derradeiro apelo. Depois de anos a falar em sítios como as Nações Unidas ou o Fundo Monetário Internacional, o autor dirige-se directamente a cada um de nós numa chamada final à consciência que ainda podemos revelar nos mais pequenos passos de forma a salvar não o mundo mas a nós mesmos, pois o mundo, esse, é certo que encontrará forma de nos sobreviver, regenerando-se, como já aconteceu nas anteriores 5 extinções.
Uma nota final para este livro enquanto objecto. Um belíssimo livro, pesado, em papel reciclado, de páginas densas, olorosas, enriquecido por belíssimas fotografias coloridas e diversas outras ilustrações.
A Cultura Moderna, uma obra polémica de Roger Scruton, publicada pelas Edições 70, representa uma defesa da alta cultura contra os ataques do desconstrutivismo e outras correntes dos Estudos Culturais (desautorizando figuras como Derrida). Mas é, sobretudo, um livro em que o autor «pretende explicar o que a cultura é, e por que motivo ela é importante» (p. 11), demonstrando, especialmente, que «a cultura tem uma raiz religiosa e um sentido religioso» (p. 13).
O autor, um dos mais controversos pensadores da nossa época, começa por discernir entre a alta cultura e a cultura comum, e procura desvelar como a alta cultura se tornou no substituto da fé no mundo descrente produzido pelo Iluminismo: «Desde o Iluminismo, os filósofos têm-se debruçado sobre o valor da alta cultura (nem sempre utilizando esse termo para a designar): o que é que aprendemos, em rigor, quando estudamos arte, literatura, história e música?» (p. 33)
Scruton distingue três tipos de saber: saber que, saber como e saber o que, argumentando que a cultura comum nos diz como sentir e o que sentir, enquanto que a alta cultura, tal como a religião antes, «trata a questão que a ciência deixa sem resposta: a questão de o que sentir» (p. 35).
Scruton está ciente da controvérsia que os seus argumentos irão gerar, de que o acharão absurdo e que a sua visão é muito pouco pós-moderna. O autor considera até as críticas tecidas à primeira edição do livro, por fazer pouca menção à fotografia, cinema e televisão (áreas fortes da cultura popular moderna), e responde com humor que fez a devida pesquisa, descobrindo o que dizer sobre televisão, sendo agora capaz de «discorrer com erudição sobre comida de plástico, bonés de basebol e Cadillacs platinados» (p. 11). E sempre com humor, e não poupando críticas à cultura moderna, em particular à música pop, Scruton ajuda-nos a enxergar como a «nossa existência é transfigurada pela arte» (p. 62) e como a (alta) cultura nos ensina a ética de viver «como se as nossas vidas importassem para a eternidade»: «Devemos ser inteiramente humanos e, ao mesmo tempo, respirar o ar dos anjos; naturais e, simultaneamente, sobrenaturais.» (p. 31)
Passo a passo, o autor tenta não deixar nenhuma ponta solta, e cada uma das suas ideias se encadeará perfeitamente num raciocínio lúcido e transparente, não deixando de focar questões bem prementes no ensino hoje, em particular na área dos estudos literários (até porque é especialmente sobre a literatura que o autor se debruça). O exemplo paradigmático de como alta cultura e religião se entrelaçam reside sobretudo na literatura, havendo lugar a uma apologia do cânone: «Se é esperado que os estudantes leiam e analisem textos literários, certamente deverá existir algum acordo que defina quais os textos que devem ser estudados. Se qualquer texto servir, nenhum texto servirá. (…) Porém, quando os jovens crescem sem um texto sagrado, têm dificuldade em compreender que o segredo da vida se possa encontrar numa coisa inanimada, como um livro; sobretudo, se for um livro escrito há milhares de anos e numa língua que já não se fala.» (p. 38)
Roger Scruton é filósofo e escritor. Foi Professor de Estética no Birkbeck College, Londres, e Professor Visitante no Boston College, nos EUA.
O autor, um dos mais controversos pensadores da nossa época, começa por discernir entre a alta cultura e a cultura comum, e procura desvelar como a alta cultura se tornou no substituto da fé no mundo descrente produzido pelo Iluminismo: «Desde o Iluminismo, os filósofos têm-se debruçado sobre o valor da alta cultura (nem sempre utilizando esse termo para a designar): o que é que aprendemos, em rigor, quando estudamos arte, literatura, história e música?» (p. 33)
Scruton distingue três tipos de saber: saber que, saber como e saber o que, argumentando que a cultura comum nos diz como sentir e o que sentir, enquanto que a alta cultura, tal como a religião antes, «trata a questão que a ciência deixa sem resposta: a questão de o que sentir» (p. 35).
Scruton está ciente da controvérsia que os seus argumentos irão gerar, de que o acharão absurdo e que a sua visão é muito pouco pós-moderna. O autor considera até as críticas tecidas à primeira edição do livro, por fazer pouca menção à fotografia, cinema e televisão (áreas fortes da cultura popular moderna), e responde com humor que fez a devida pesquisa, descobrindo o que dizer sobre televisão, sendo agora capaz de «discorrer com erudição sobre comida de plástico, bonés de basebol e Cadillacs platinados» (p. 11). E sempre com humor, e não poupando críticas à cultura moderna, em particular à música pop, Scruton ajuda-nos a enxergar como a «nossa existência é transfigurada pela arte» (p. 62) e como a (alta) cultura nos ensina a ética de viver «como se as nossas vidas importassem para a eternidade»: «Devemos ser inteiramente humanos e, ao mesmo tempo, respirar o ar dos anjos; naturais e, simultaneamente, sobrenaturais.» (p. 31)
Passo a passo, o autor tenta não deixar nenhuma ponta solta, e cada uma das suas ideias se encadeará perfeitamente num raciocínio lúcido e transparente, não deixando de focar questões bem prementes no ensino hoje, em particular na área dos estudos literários (até porque é especialmente sobre a literatura que o autor se debruça). O exemplo paradigmático de como alta cultura e religião se entrelaçam reside sobretudo na literatura, havendo lugar a uma apologia do cânone: «Se é esperado que os estudantes leiam e analisem textos literários, certamente deverá existir algum acordo que defina quais os textos que devem ser estudados. Se qualquer texto servir, nenhum texto servirá. (…) Porém, quando os jovens crescem sem um texto sagrado, têm dificuldade em compreender que o segredo da vida se possa encontrar numa coisa inanimada, como um livro; sobretudo, se for um livro escrito há milhares de anos e numa língua que já não se fala.» (p. 38)
Roger Scruton é filósofo e escritor. Foi Professor de Estética no Birkbeck College, Londres, e Professor Visitante no Boston College, nos EUA.
Publicado em Janeiro de 2020, pela Relógio d’Água (à semelhança da restante obra da autora), O Atelier de Noite reúne dois contos (ou breves novelas), a acrescentar ao universo muito próprio que tem vindo a construir ao longo das suas intrigantes narrativas.
«Talvez seja o que distingue as boas histórias: começam uma e outra vez, mesmo depois de já termos ido embora.» (p. 14)
O Atelier de Noite e Sete Rosas Vermelhas são as duas histórias que compõem o presente volume e que se interligam subtilmente. A de O Atelier de Noite é narrada por uma protagonista feminina um pouco diferente das vozes usuais, pois gradualmente perceberemos que nos é desvendado o que terá acontecido a Agatha durante os 11 dias em que terá permanecido desaparecida (situação factual). Espalha-se até o rumor de que teria sido assassinada, ou de que teria montado o cenário para que pensassem isso, e quando Agatha reaparece a melhor história a adoptar é a de que terá tido amnésia.
«Eu sonhava ser actriz, pianista profissional. Não escritora (…). E então surgiu a ideia de escrever um romance policial. E aquele horrível homenzinho entrou na minha vida.» (p. 25)
É mais ou menos neste passo da narrativa que o leitor confirma que Agatha é (pode ser?), afinal, a escritora de policiais Agatha Christie, até porque a narrativa por vezes oscila entre a primeira e a terceira pessoa. E da mesma forma que em tempos se tornou (dir-se-ia que involuntariamente) autora de Poirot, Agatha deseja agora recriar-se numa nova personagem: Teresa – ironicamente (ou não) o segundo nome da autora.
Sete Rosas Vermelhas, a segunda história, mais breve, traz ainda ecos da primeira narrativa. Uma jovem, que se casara com um professor mais velho, acalenta também, desde sempre, «o desejo de ir embora, de desaparecer» (p. 79) – e as duas histórias interligam-se de diversas outras formas, a começar pelas várias referências à autora tornada personagem da primeira história.
«Tinha vinte e poucos anos. Vivia num estúdio num sótão. Ia à faculdade de vez em quando. Embora tivesse desistido de ser dançarina, ainda praticava todos os dias.» (p. 70)
Quando começa a receber uns pacotes que a relembram da sua vida anterior, quando ainda pintava. Um livro, um CD, um quadro seu, fotos a preto-e-branco que revelam «um atelier de um pintor de noite» (p. 79), a jovem rende-se ao desejo e desaparece na noite. A vida convencional, sem cor, desta jovem mulher, uma escritora dispersa, que em tempos respondera pelo nome de Dylan, abre-se para um novo mundo: «sentia-se cada vez mais longe do mundo em que vivia, já nem vivia lá, era omo um outro estado de consciência» (p. 79).
Entre um conto e outro, há frases que parecem emitir um lampejo fugaz sobre a prosa da própria autora: «Era isso que queria fazer. Encontrar ligações. Escrever contos que se pareciam com ovos, fechados em si mesmo, que nem ela mesma compreendia.» (p. 90)
«Talvez seja o que distingue as boas histórias: começam uma e outra vez, mesmo depois de já termos ido embora.» (p. 14)
O Atelier de Noite e Sete Rosas Vermelhas são as duas histórias que compõem o presente volume e que se interligam subtilmente. A de O Atelier de Noite é narrada por uma protagonista feminina um pouco diferente das vozes usuais, pois gradualmente perceberemos que nos é desvendado o que terá acontecido a Agatha durante os 11 dias em que terá permanecido desaparecida (situação factual). Espalha-se até o rumor de que teria sido assassinada, ou de que teria montado o cenário para que pensassem isso, e quando Agatha reaparece a melhor história a adoptar é a de que terá tido amnésia.
«Eu sonhava ser actriz, pianista profissional. Não escritora (…). E então surgiu a ideia de escrever um romance policial. E aquele horrível homenzinho entrou na minha vida.» (p. 25)
É mais ou menos neste passo da narrativa que o leitor confirma que Agatha é (pode ser?), afinal, a escritora de policiais Agatha Christie, até porque a narrativa por vezes oscila entre a primeira e a terceira pessoa. E da mesma forma que em tempos se tornou (dir-se-ia que involuntariamente) autora de Poirot, Agatha deseja agora recriar-se numa nova personagem: Teresa – ironicamente (ou não) o segundo nome da autora.
Sete Rosas Vermelhas, a segunda história, mais breve, traz ainda ecos da primeira narrativa. Uma jovem, que se casara com um professor mais velho, acalenta também, desde sempre, «o desejo de ir embora, de desaparecer» (p. 79) – e as duas histórias interligam-se de diversas outras formas, a começar pelas várias referências à autora tornada personagem da primeira história.
«Tinha vinte e poucos anos. Vivia num estúdio num sótão. Ia à faculdade de vez em quando. Embora tivesse desistido de ser dançarina, ainda praticava todos os dias.» (p. 70)
Quando começa a receber uns pacotes que a relembram da sua vida anterior, quando ainda pintava. Um livro, um CD, um quadro seu, fotos a preto-e-branco que revelam «um atelier de um pintor de noite» (p. 79), a jovem rende-se ao desejo e desaparece na noite. A vida convencional, sem cor, desta jovem mulher, uma escritora dispersa, que em tempos respondera pelo nome de Dylan, abre-se para um novo mundo: «sentia-se cada vez mais longe do mundo em que vivia, já nem vivia lá, era omo um outro estado de consciência» (p. 79).
Entre um conto e outro, há frases que parecem emitir um lampejo fugaz sobre a prosa da própria autora: «Era isso que queria fazer. Encontrar ligações. Escrever contos que se pareciam com ovos, fechados em si mesmo, que nem ela mesma compreendia.» (p. 90)
Madeline Miller regressa aos mitos clássicos em Circe, publicado pela Minotauro. Não fosse o anterior sucesso de O Canto de Aquiles (publicado pela Bertrand Editora e vencedor do Orange Prize) e ter sabido deste livro numa entrevista a Juliet Marillier (publicada no Cultura.Sul), provavelmente também me teria passado despercebido.
Circe é filha de uma ninfa e do Deus-Sol Hélio, o mais poderoso dos titãs, capaz de destronar Zeus. Não possui a beleza da mãe nem o brilho do pai, e sente-se deslocada mesmo entre os seus irmãos. Considerada feia, com os seus olhos amarelos e a sua voz incómoda, «guinchenta como a de um mocho» (p. 15), porque é afinal a voz dos mortais, procura calor junto do pai e cedo sente atracção pela fragilidade dos humanos.
«Pensei que era assim que os mortais encontravam a fama. Através da prática e da diligência, tratando das suas competências como de jardins até florescerem sob o sol. Mas os deuses nasceram para o icor e o néctar, pois as excelências irrompiam sem esforço das pontas dos seus dedos. Assim, encontravam a fama provando que conseguiam causar danos: destruindo cidades, começando guerras, criando pragas e monstros. Todo aquele fumo e sacrifícios delicadamente oferecidos nos nossos altares. Só deixam cinzas atrás de si.» (p. 152)
Conforme descobre acidentalmente possuir capacidades fantásticas, capaz de transformar um comum mortal num Deus, ou a ninfa Cila num monstro marinho temível, Circe torna-se receada pelos próprios deuses, e é confinada na ilha de Ea, onde irá apurando os seus dotes.
«Deixem que diga o que a feitiçaria não é: não é um poder divino que se exerce com um pensamento e um piscar de olhos. A feitiçaria tem de ser feita e trabalhada, planeada e procurada, desenterrada, secada, partida e moída, cozinhada, falada e cantada. E mesmo depois de tudo isso pode falhar, ao contrário dos deuses. Se as minhas ervas não forem suficientemente frescas, se a minha atenção se dispersar, se a minha vontade for fraca, as poções ficam estragadas e rançosas nas minhas mãos.» (p. 95 – 96)
Madeline Miller narra prodigiosamente esta efabulação cheia da maravilha dos mitos ao mesmo tempo que humaniza as personagens, capaz de prender o leitor da primeira à última página, especialmente quando por elas vão desfilando personagens da mitologia sobejamente conhecidas, mas aqui recriadas e relacionadas de modo inédito. Sabemos que Circe transformava marinheiros de Ulisses em porcos, que se envolveu amorosamente com Ulisses, mas é-nos ainda revelado como Circe conhece o inventivo Dédalo e o seu filho Ícaro, como ajudou Medeia e Jasão do velo de ouro, como assiste ao parto do abominável Minotauro, no mesmo dia em que conhece Ariadne ainda criança, e como depois da morte de Ulisses acolhe Telémaco e Penélope.
«Raiva e dor, desejo perverso, luxúria, autocomiseração: estas são emoções que os deuses conhecem bem. Mas culpa, vergonha, remorso e ambivalência são territórios estranhos à nossa espécie, que têm de ser cartografados pedra a pedra.» (p. 176 – 177)
Circe nasce neste livro despida do mal e da perfídia, imbuída de uma natureza profundamente feminina (e feminista), revelando-se sobretudo como uma mulher perdida no limbo que medeia a humanidade e a imortalidade, terrivelmente consciente de todos os seus actos, enquanto sente os séculos se escoarem como dias, e os seus dotes mágicos de metamorfose são-nos revelados, afinal, como um acto de autodefesa – não é, afinal, por mero acaso, que esta feiticeira transformará os homens que chegam à sua ilha, cobiçosos e violentos, justamente em porcos.
«Chamava-se noivas às ninfas, mas não era verdadeiramente assim que o mundo nos via. Éramos um banquete infinito posto na mesa, belo e sempre a renovar-se. E tão más a fugir.» (p. 220)
Madeline Miller cresceu em Nova Iorque e em Filadélfia. Frequentou a Brown University, onde obteve o grau de Master of Arts em Estudos Clássicos.
Circe é filha de uma ninfa e do Deus-Sol Hélio, o mais poderoso dos titãs, capaz de destronar Zeus. Não possui a beleza da mãe nem o brilho do pai, e sente-se deslocada mesmo entre os seus irmãos. Considerada feia, com os seus olhos amarelos e a sua voz incómoda, «guinchenta como a de um mocho» (p. 15), porque é afinal a voz dos mortais, procura calor junto do pai e cedo sente atracção pela fragilidade dos humanos.
«Pensei que era assim que os mortais encontravam a fama. Através da prática e da diligência, tratando das suas competências como de jardins até florescerem sob o sol. Mas os deuses nasceram para o icor e o néctar, pois as excelências irrompiam sem esforço das pontas dos seus dedos. Assim, encontravam a fama provando que conseguiam causar danos: destruindo cidades, começando guerras, criando pragas e monstros. Todo aquele fumo e sacrifícios delicadamente oferecidos nos nossos altares. Só deixam cinzas atrás de si.» (p. 152)
Conforme descobre acidentalmente possuir capacidades fantásticas, capaz de transformar um comum mortal num Deus, ou a ninfa Cila num monstro marinho temível, Circe torna-se receada pelos próprios deuses, e é confinada na ilha de Ea, onde irá apurando os seus dotes.
«Deixem que diga o que a feitiçaria não é: não é um poder divino que se exerce com um pensamento e um piscar de olhos. A feitiçaria tem de ser feita e trabalhada, planeada e procurada, desenterrada, secada, partida e moída, cozinhada, falada e cantada. E mesmo depois de tudo isso pode falhar, ao contrário dos deuses. Se as minhas ervas não forem suficientemente frescas, se a minha atenção se dispersar, se a minha vontade for fraca, as poções ficam estragadas e rançosas nas minhas mãos.» (p. 95 – 96)
Madeline Miller narra prodigiosamente esta efabulação cheia da maravilha dos mitos ao mesmo tempo que humaniza as personagens, capaz de prender o leitor da primeira à última página, especialmente quando por elas vão desfilando personagens da mitologia sobejamente conhecidas, mas aqui recriadas e relacionadas de modo inédito. Sabemos que Circe transformava marinheiros de Ulisses em porcos, que se envolveu amorosamente com Ulisses, mas é-nos ainda revelado como Circe conhece o inventivo Dédalo e o seu filho Ícaro, como ajudou Medeia e Jasão do velo de ouro, como assiste ao parto do abominável Minotauro, no mesmo dia em que conhece Ariadne ainda criança, e como depois da morte de Ulisses acolhe Telémaco e Penélope.
«Raiva e dor, desejo perverso, luxúria, autocomiseração: estas são emoções que os deuses conhecem bem. Mas culpa, vergonha, remorso e ambivalência são territórios estranhos à nossa espécie, que têm de ser cartografados pedra a pedra.» (p. 176 – 177)
Circe nasce neste livro despida do mal e da perfídia, imbuída de uma natureza profundamente feminina (e feminista), revelando-se sobretudo como uma mulher perdida no limbo que medeia a humanidade e a imortalidade, terrivelmente consciente de todos os seus actos, enquanto sente os séculos se escoarem como dias, e os seus dotes mágicos de metamorfose são-nos revelados, afinal, como um acto de autodefesa – não é, afinal, por mero acaso, que esta feiticeira transformará os homens que chegam à sua ilha, cobiçosos e violentos, justamente em porcos.
«Chamava-se noivas às ninfas, mas não era verdadeiramente assim que o mundo nos via. Éramos um banquete infinito posto na mesa, belo e sempre a renovar-se. E tão más a fugir.» (p. 220)
Madeline Miller cresceu em Nova Iorque e em Filadélfia. Frequentou a Brown University, onde obteve o grau de Master of Arts em Estudos Clássicos.
Os Vivos e os Outros é o novo romance do autor angolano José Eduardo Agualusa que pode, e deve, ser lido no seguimento do anterior A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, publicado em maio de 2017 também pela Quetzal. Três anos depois o autor regressa uma segunda vez a uma personagem sua, o Daniel Benchimol de Teoria Geral do Esquecimento, jornalista que investiga desaparecimentos, e que foi também o protagonista do romance A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, onde o autor explora o papel dos sonhos na vida das pessoas. Entre estes dois romances, Os Vivos e os Outros e A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, há pontos em comum ainda que não imediatamente reconhecíveis.
Em Os Vivos e os Outros abandona-se o tom satírico e a questão política, e há uma divertida – mas nada leviana – exploração da literatura e do seu papel na vida dos leitores e na vida dos escritores, dos temas (por vezes saturados) que hoje são caros à crítica e à moderação de tertúlias literárias, a mesa dos escritores negros, etc.
Há ainda, claramente, como que uma elegia a diversos autores, ora mencionados, ora indirectamente evocados: «Camões, Alberto de Lacerda, Rui Knopfli, Luís Carlos Patraquim, Nelson Saúte» (p. 88)
A própria escritora Cornelia lembra a autora nigeriana Chimamanda (p. 88)
Tal como no romance anterior, mas de forma ainda mais complexa, esta narrativa encaixa diversas histórias, a começar pelo facto de o próprio livro ter tido origem num conto do autor, «O construtor de castelos» publicado em 2012 e que terá continuado a crescer dentro do autor – esta explicação surge numa nota do autor no final do livro, se bem que um leitor atento estranhará as várias páginas que essa história efectivamente ocupa dentro do romance. E com as várias histórias entram no romance várias personagens, a começar por Moira Fernandez, artista plástica que usava (no romance anterior) os seus sonhos como principal matéria-prima, e que Daniel já conhecia em sonhos.
Este romance é também um memorial da ilha de Moçambique, da sua história e riqueza cultural, e dos ilhéus que lá vivem e que acolheram o autor – Agualusa vive há alguns na ilha. Penso que se não fosse assim também não teria feito uma crítica tão feroz à política angolana no seu anterior romance.
Em Os Vivos e os Outros abandona-se o tom satírico e a questão política, e há uma divertida – mas nada leviana – exploração da literatura e do seu papel na vida dos leitores e na vida dos escritores, dos temas (por vezes saturados) que hoje são caros à crítica e à moderação de tertúlias literárias, a mesa dos escritores negros, etc.
Há ainda, claramente, como que uma elegia a diversos autores, ora mencionados, ora indirectamente evocados: «Camões, Alberto de Lacerda, Rui Knopfli, Luís Carlos Patraquim, Nelson Saúte» (p. 88)
A própria escritora Cornelia lembra a autora nigeriana Chimamanda (p. 88)
Tal como no romance anterior, mas de forma ainda mais complexa, esta narrativa encaixa diversas histórias, a começar pelo facto de o próprio livro ter tido origem num conto do autor, «O construtor de castelos» publicado em 2012 e que terá continuado a crescer dentro do autor – esta explicação surge numa nota do autor no final do livro, se bem que um leitor atento estranhará as várias páginas que essa história efectivamente ocupa dentro do romance. E com as várias histórias entram no romance várias personagens, a começar por Moira Fernandez, artista plástica que usava (no romance anterior) os seus sonhos como principal matéria-prima, e que Daniel já conhecia em sonhos.
Este romance é também um memorial da ilha de Moçambique, da sua história e riqueza cultural, e dos ilhéus que lá vivem e que acolheram o autor – Agualusa vive há alguns na ilha. Penso que se não fosse assim também não teria feito uma crítica tão feroz à política angolana no seu anterior romance.
Entrevista a Lídia Jorge
Em Todos os Sentidos, uma compilação de crónicas da autora, foi publicado em Abril deste ano, pela Dom Quixote. A propósito desses 41 textos, entre o conto e o testemunho, entrevistámos a autora que foi também agraciada entretanto com o Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara para Línguas Românicas. Nada mais merecido, além de que se assinala este ano os 40 anos de vida literária de Lídia Jorge, cujo romance de estreia foi publicado em 1980 e marca uma cisão na literatura portuguesa pós-25 de Abril.
No primeiro texto, «A Caminho do Bosque», leva tempo até chegar à questão fulcral. Será o ritmo calmo desta primeira crónica próprio de quem tenta encontrar o seu tempo de escrita?
R – Essa é uma observação curiosa, relacionar o ritmo espaçado na descrição do movimento das árvores com a busca de um modelo de construção da crónica. Mas a questão é ligeiramente diferente. Estas crónicas são construídas a partir de uma imagem, um tema, em geral anódino ou quase, que depois se desenvolve e alcança um outro sentido no final. Foram-me chamando a atenção para isso, e acabei por verificar que era assim. Suspeito que seja a contaminação da estrutura narrativa, a fórmula do conto emprestada à crónica.
A ordem de publicação das crónicas respeita a ordem pela qual foram transmitidas?
R- Sim, respeita. Além das poucas alterações que vêm mencionadas na nota final do livro, as crónicas publicadas seguem a ordem e o texto que lhes deram origem.
A Casa do Bosque, rodeada pelas árvores de frutos, que refere diversas vezes corresponde à casa da sua mãe, o seu refúgio predilecto de escrita?
R – De facto, corresponde. Um título alternativo para estas crónicas seria “Crónicas da Casa do Bosque”. Foram escritas no ambiente desta casa. Uma casa no meio do mato, como aqui lhe chamam. Uma floresta de árvores de sequeiro, uma floresta esparsa. Ao longo dos anos este local tem permitido concentrar-me.
Teve receio de que lhe acontecesse o mesmo do que a Clarice Lispector, despedida por não saber escrever crónicas?
R – Claro que sim, mas não foi isso que aconteceu. João Almeida, director da Antena 2 da Rádio Pública parece ter achado graça a estas crónicas. Falámos algumas vezes sobre elas. Entendemo-nos bem. Acabámos por colaborar com gosto. O título “Em Todos os Sentidos” foi o João Almeida quem o criou. Acabámos até por fazer um audiolivro em colaboração. Mas é preciso ser justo, as minhas crónicas são longas, descritivas, narrativas. Clarice era genial, bastavam-lhe duas linhas ou pouco mais para criar um monumento.
Existem vários temas recorrentes, mas nenhum tão presente como o tempo ou uma sensação de espanto, ou cautela, face aos novos tempos.
R – Claro que sim. Estamos no fundo da vaga que faz o nosso tempo. Não vemos o cimo da ondulação, não sabemos onde estamos. A nossa geração passou por uma revolução digital e encaminha-se para uma outra, a revolução da inteligência artificial. São mudanças rápidas que apresentam ganhos formidáveis para a Humanidade. Ao mesmo tempo, trazem consigo não só a perturbação que todos os saltos civilizacionais desencadeiam como albergam riscos que contradizem o progresso criado pelo desenvolvimento tecnológico. O princípio grego do homem como medida de todas as coisas está em risco de desaparecer. Quando os jovens clamam nas ruas de que não há Planeta B, eles estão a expressar o receio de que embarquemos não só na exploração assassina da Terra, mas também o medo de que a vida humana em vez de melhorar, deixe simplesmente de o ser. Implicitamente, também estão a dizer que não há Humanidade B.
Atendendo ao ofício da escrita como acto de natureza solitária, ter os seus textos difundidos na rádio permitiu-lhe ter retorno dos ouvintes?
R – A participação em rádio ou televisão desencadeia uma comunicação imediata muito interessante. O diálogo torna-se mais rápido, a opinião e o juízo de valor faz-se sobre o momento. As pessoas podem trocar experiências entre si a propósito dos temas e dos casos relatados. Depois da crónica «A Rapariga dos Fósforos», que relata um caso de burla nunca bem explicado, muitos amigos me contaram outros casos semelhantes. O conto de Hans Christian Andersen estava sempre como pano de fundo.
Reencontramos personagens e histórias, em especial do seu primeiro livro O Dia dos Prodígios. Algumas já conhecidas como José Jorge Júnior (seu avô) ou as vítimas que se fundiram na porteira do conto Marido. Mas a de Manuel Gertrudes é uma completa novidade ou a do Grande Hotel que se metamorfoseou no Stella Maris de A Costa dos Murmúrios.
R – Os livros têm histórias paralelas que constituem o seu substrato. Milan Kundera diz evitar falar da sua biografia porque os seus dados pessoais são apenas os tijolos do edifício da sua obra. Mas sobre “A Insustentável Leveza do Ser” Kundera contou como lhe surgiu a ideia, e como a transfigurou. Nem ele nem o livro ficaram diminuídos, pelo contrário. O soldado Manuel Gertrudes teve importância de vários modos na minha vida e a sua história pessoal entrou de várias formas para o interior dos meus livros. “A Costa dos Murmúrios” foi escrito porque a casa onde esse antigo soldado da Grande Guerra tinha morado ia ser transformada para sempre. Eu tive a ideia de que o derrube das paredes era o último murmúrio da sua história. Tinham acabado as palavras. Esse facto levou-me a escrever esse livro e além do mais sugeriu-me o próprio título. A escrita é uma aventura entre seres humanos. De certa forma, em cada livro, há muita gente de mãos dadas.
Fala-nos ainda de um menino chamado Guilherme, que tal como Jesuína Palha agarrou uma serpente com as mãos para a matar: «Não avaliava a imagem que haveria de criar para sempre em alguém que tinha estado presente. Ainda hoje, ele não sabe que a sua imagem permaneceu como uma imagem inapagável em quem viria a escrever O Dia dos Prodígios, tão inapagável que se mantém como a base dessa história, e a partir de então pinta a portada de todos os seus livros.»
A serpente alada de O Dia dos Prodígios é um símbolo que é também a sua imagem de marca, o que já vem da primeira edição da obra na Europa-América, e se manteve na Dom Quixote (aparece em todas as suas obras). Sabemos que é a serpente do seu primeiro romance mas há aí outra história por detrás… E porquê a cobra como símbolo?
R- Foi acontecendo. O Dia dos Prodígios está construído em torno desse mito. O mito ofídico estava muito vivo no Algarve, quando eu era criança. Pelo menos no centro do Algarve. A ideia que se passava era de que, quando as serpentes tinham muita idade, criavam asas e voavam. Passei a infância com receio de que não fossem pássaros as aves que vinham beber nas pias da nossa casa mas serpentes voadoras. Depois, a edição da Europa-América apresentava a cobra voadora, a olhar para nós, bem assanhada, terrível. Eu gostei. Achei que olhava para ela e a vencia. Depois a serpente foi-se estilizando e tornou-se anémica. Agora é já só um arabesco. Mas eu sinto-me sempre diante do bicho feroz e a figura do Guilherme defende-me.
Nas suas crónicas parece sempre preferir problematizar em vez de apontar e opinar. A certa altura, refere «Não me quero intrometer em assunto tão delicado…».
R – Não me eximo a dar opinião, mas gosto de ouvir a opinião dos outros. A ficção deu-me a capacidade de escutar, julgo. A leitura e a prática da ficção ajudam a deslocar-nos do nosso ponto de vista para o ponto de vista dos outros. O que não significa fraqueza de opinião, bem pelo contrário. O contraditório é o nervo que estimula e sustenta a opinião própria.
Há outros momentos em que a ironia predomina, como quando fala do Brexit remetendo-nos para a imagem de A Jangada de Pedra de Saramago. Até porque também cabe à literatura iluminar a realidade…
R – A megalomania resulta sempre num triste espectáculo, quando não em tristes situações como as que estão a acontecer no mundo de hoje. Os Estados Unidos, o Reino Unido, o Brasil, a Turquia, e muitos mais, padecem dessa doença infernal que é o infantilismo. O slogan do Great Again que se espalhou pelo mundo anglo-saxónico é a reprodução do pensamento de Hitler que galvanizou a Alemanha para a trágica aventura da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. O momento delicado que atravessamos ora nos faz chorar, ora nos faz rir. Por vezes, eu gosto de sorrir.
Serve-nos alguns pormenores da sua vida mais privada, como a referência ao Carlos. Foi uma partilha arriscada ou uma espontaneidade consciente?
R – Foi para brincar com o Ignácio de Loyola Brandão, amigo do Carlos. Foi o Carlos Albino quem me apresentou o Ignácio há muitos anos. Nunca mais deixámos de estar próximo. O Ignácio é um grande escritor e um bom amigo. Na crónica “Tempestade”, eu quis descrever-lhe a situação climática do Algarve e ao mesmo tempo celebrar a sua obra.
Sei que passou um momento difícil recentemente, à semelhança de muitos portugueses. Não sei se quer falar-nos sobre isso.
R – A minha mãe faleceu com Covid 19. Estava muito débil, o vírus entrou nela e levou-a. Foi muito duro. Ao contrário da Gripe Espanhola que atingia os jovens saudáveis, este vírus atinge os mais frágeis. Estamos perante a força da Natureza que não olha a quem. E nós somos débeis, soberbos mas débeis. Este é um momento de tomada de consciência da nossa vulnerabilidade. Deveria juntar-nos.
Houve uma onda calorosa de felicitações a propósito do prémio que lhe foi recentemente atribuída, por parte dos leitores e dos escritores. Temos uma geração jovem que lhe está reconhecida. Como vive essa boa nova?
R – Cada geração traz a sua luz muito própria. Como dizia o Eduardo Lourenço, as gerações mais novas sempre são parricidas, matricidas. Por isso, em geral, os mais velhos leem mais os mais novos do que o seu contrário. É natural. Mas quando nos encontramos e nos reconhecemos, com propostas diferentes, porque saídas de tempos diferentes, e nos respeitamos mutuamente, temos mais possibilidades de fazer vingar uma Literatura. Eu gosto de ler os jovens e de falar deles. Obrigada àqueles que por acaso já tenham lido uma página minha, e que estejam contentes com o significado do Prémio FIL de Guadalajara.
Sei que já falámos noutra entrevista sobre isto, mas anos depois não resisto a perguntar. Ainda sente que Estuário marca uma nova fase na sua escrita? Imagino aliás que deve estar para sair um novo romance…
R- Quando um livro sai, se acreditamos nele, sentimo-nos em estado de êxtase durante um tempo. Uma tendência para se ser fanfarrão, como dizia o John Sheever. Em relação a Estuário ainda estou nessa fase. Mas ela vem sobretudo de Os Memoráveis. Nesses dois livros a subversão do plano real é o seu suporte. O que estou a escrever vai de novo por aí. Magritte dizia que só pintava sobre o além. Posso não o conseguir, mas é o que tento fazer.
Na sua crónica sobre a Beira, não tenho uma pergunta mas uma possível resposta. Quando escreve: «Agora, vêem‑se as imagens e não se consegue acreditar. A cidade, os arredores da cidade, todo o rio Buzi, todo esse espaco geográfico raso, ficou em convulsão». Percebemos que a passagem do ciclone Idai foi algo que a tocou particularmente até porque viveu na Beira. Refere depois «A cada dia que passa, o que acontece lá é como se acontecesse aqui, o que acontece aos outros é o mesmo que pode acontecer na nossa rua. A Terra é um só espaço, e todos os países estão unidos pelo mesmo traço de convivência necessária. (…) Que palavra temos para chamar a isto?»
A minha resposta é cooperação. Portugal reagiu tão prontamente à tragédia que os próprios beirenses acolhiam-nos com um sorriso imenso. Foi palpável a sua gratidão pela ajuda que procurámos dar naqueles momentos críticos.
R – O seu comentário dá razão ao que penso. A palavra que utiliza está certa, cooperação. Cooperação é mais forte do que solidariedade. A solidariedade ainda mantém a conotação de que passa da mão que tem para a mão que recebe. Cooperação fala do que também se recebe em troca quando se dá. E do que se dá quando se recebe. Fala da dádiva recíproca, e da responsabilidade mútua. Como se fôssemos só um povo. Não se trata de palavras piedosas, mas de puro resgate. Ao mal e ao bem assiste o dever de partilha. A Literatura, disciplina de beleza por excelência, criada para júbilo do poder das palavras, promove esse encontro. Se isto não for assim, então não sei nada sobre este mundo.
A música de Max Richter é um oxímoro. Se, por um lado, parece inconfundível, com acordes e um minimalismo gradativo facilmente reconhecível, é, por outro lado, sempre desafiante, inovando de álbum para álbum.
Em Recomposed adapta Vivaldi numa espécie de versão em loop (o que não deixa de ser fabuloso).
Em Sleep criou um álbum de oito horas que intenta proporcionar um estado de relaxamento profundo, indutor de sono (eu chamo-lhe a minha música de avião, quando nas viagens intercontinentais tento obrigar-me a dormir).
Em Three Worlds – Music from Woolf Works, não só resgata a voz de Virginia Woolf como ainda cria uma banda sonora para 3 dos seus principais romances (Mrs. Dalloway; Orlando; The Waves).
No seu mais recente álbum, Voices, Max Richter dá agora voz à Declaração dos Direitos Humanos, em várias vozes, nas mais diversas línguas.
«All human beings are born free and equal»
Assim começa este álbum… e perguntamo-nos, conforme a voz se silencia e a música se propaga nas suas usuais ondas de som, onde é que este senhor quer chegar desta vez… E conforme, ao longo dos vários movimentos, continuamos a ouvir cada um dos artigos da Declaração dos Direitos Humanos, percebemos que, afinal, essa é a pergunta que o compositor nos está a colocar: vejam o mundo a que chegaram e pensem para onde querem ir agora a partir daqui…
Em Recomposed adapta Vivaldi numa espécie de versão em loop (o que não deixa de ser fabuloso).
Em Sleep criou um álbum de oito horas que intenta proporcionar um estado de relaxamento profundo, indutor de sono (eu chamo-lhe a minha música de avião, quando nas viagens intercontinentais tento obrigar-me a dormir).
Em Three Worlds – Music from Woolf Works, não só resgata a voz de Virginia Woolf como ainda cria uma banda sonora para 3 dos seus principais romances (Mrs. Dalloway; Orlando; The Waves).
No seu mais recente álbum, Voices, Max Richter dá agora voz à Declaração dos Direitos Humanos, em várias vozes, nas mais diversas línguas.
«All human beings are born free and equal»
Assim começa este álbum… e perguntamo-nos, conforme a voz se silencia e a música se propaga nas suas usuais ondas de som, onde é que este senhor quer chegar desta vez… E conforme, ao longo dos vários movimentos, continuamos a ouvir cada um dos artigos da Declaração dos Direitos Humanos, percebemos que, afinal, essa é a pergunta que o compositor nos está a colocar: vejam o mundo a que chegaram e pensem para onde querem ir agora a partir daqui…
A minha parte favorita é, de longe, o movimento Chorale. A primeira vez que o ouvi não deixei de sorrir quando de repente ouço a Declaração lida em português… mas a música que a partir daí se prolonga é absolutamente deslumbrante… é como libertar a alma e deixá-la voar sobre o mar até tocar um horizonte inatingível.
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
Arquivo
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Alfaguara
Ana Teresa Pereira
Antígona
ASA
Bertrand Editora
Caminho
casa das Letras
Companhia das Letras
Círculo de Leitores
David Machado
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições ASA
Edições Tinta-da-china
Elsinore
Gradiva
Haruki Murakami
Hélia Correia
Ian McEwan
Isabel Allende
Joanne Harris
John Williams
José Eduardo Agualusa
João de Melo
Juliet Marillier
Kate Atkinson
Kazuo Ishiguro
Leya
Livros do Brasil
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Meg Wolitzer
Objectiva
O Dia dos Prodígios
Patrícia Reis
Pergaminho
Planeta
Porto Editora
Quetzal
Relógio d'Água
Salman Rushdie
Série
Temas e Debates
Teorema
Thomas Mann