A Casa Eterna, originalmente publicada em 1991 pela Dom Quixote (sendo a obra da autora actualmente publicada pela Relógio d’Água) marca uma cisão na escrita da autora, pois incorre-se aqui numa tentativa de biografia ficcionada, como acontecerá depois em Adoecer ou mesmo em Lillias Fraser. Além da natureza da obra, importa referir que nestas obras a voz narrativa é claramente assumida na primeira pessoa e na voz de uma mulher que se pode confundir com a autora. É um romance de estrutura circular, e por isso se defendeu que a autora recria o mito do eterno retorno, em que um poeta volta à sua terra-natal para morrer: «Ele tentava encontrar o fim da circunferência, o ponto no vazio de onde nascera» (p. 184). O próprio título da obra parte de uma passagem apresentada em epígrafe, retirada do livro do Eclesiastes, que dá conta dessa casa eterna como a morada final à qual o homem regressa. Não é por acaso que se descreve como o poeta Álvaro Baião Roíz terá morrido encostado a uma árvore na margem de um rio, como quem regressa ao útero materno ao largo do rio do tempo que a narradora procurará percorrer às arrecuas: «quero apenas juntar o fim com o princípio para que um ilumine o outro e o esclareça» (p. 126).
A narradora parte para Amorins, aldeia onde nasceu e cresceu o poeta, e aonde regressou para morreu, para tentar perceber o que realmente aconteceu com o poeta Álvaro Roíz cuja morte ocorreu em circunstâncias obscuras. Mais próximo do final da narrativa, encontramos indícios de que o poeta pode ter sido amante da narradora, que aliás ficou com o seu gato azul, Zaratustra.
O livro tem ainda uma natureza fortemente metaficcional que impede o leitor de esquecer que lida com uma biografia ficcionada: «Transformá-lo agora em personagem é não o encontrar e tecer uma espécie de glosa à sua volta» (p. 25).
Talvez eu esteja e errado e em literatura uma biografia ficcionada também se pode criar em torno de personagens fictícias, pois em Lillias Fraser não me parece que esta tenha algo de real, apesar de muitos dos acontecimentos à volta serem acontecimentos históricos.
Lillias Fraser de facto tem mais de ambiência ou contexto, do que propriamente de rigor histórico. Mas lê-se muito bem e não perde a magia e sedução de uma história de outros tempos.