Uma Vida no Nosso Planeta – O meu testemunho e a minha visão para o futuro de Sir David Attenborough, publicado pela Temas e Debates, acompanha o documentário com o mesmo título disponível na Netflix. Mas não se tome este livro como um balanço da vida deste naturalista, pois este senhor, um dos rostos mais conhecidos da televisão, toma o seu mediatismo como uma responsabilidade acrescida de, aos 94 anos, nos dar um retrato do declínio numa vertiginosa espiral da biodiversidade como consequência da sobre-exploração dos recursos naturais do nosso planeta.
Dividido em três partes, o autor passa em revista, na primeira parte, os últimos 80 anos, de 1937 a 2020 (ano em que o livro foi terminado e publicado), começando quando aos 11 anos vagueava em busca de fósseis como amonites. Passando por diversos anos cruciais na sua vida, do seu percurso de estudante de Ciências Naturais a produtor da BBC, o autor cinge-se sobretudo à sua relação com o mundo natural, no que foi observando nas suas várias expedições, enquanto testemunha de um mundo que se tornou cada vez mais pequeno e menos selvagem, conforme o ser humano continuou a assumir que este era o seu planeta e podia explorar os seus recursos ilimitadamente. Na segunda parte, a mais breve, é feita uma projecção da evolução do nosso impacto no mundo nas próximas décadas, se não encontrarmos forma de aligeirar a nossa pegada. Na terceira parte, e a mais cativante, revela como podemos ajudar a repor a biodiversidade do planeta, de modo a alcançar uma estabilidade autosustentável, num período em que começámos finalmente a perceber que existe uma associação entre vírus emergentes e a morte do Planeta (p. 132). Com exemplos fascinantes de diversos países, como a Nova Zelândia, e com dados precisos e actuais de vários relatórios, o autor deixa-nos neste livro, de leitura fácil e acessível, um derradeiro apelo. Depois de anos a falar em sítios como as Nações Unidas ou o Fundo Monetário Internacional, o autor dirige-se directamente a cada um de nós numa chamada final à consciência que ainda podemos revelar nos mais pequenos passos de forma a salvar não o mundo mas a nós mesmos, pois o mundo, esse, é certo que encontrará forma de nos sobreviver, regenerando-se, como já aconteceu nas anteriores 5 extinções.
Uma nota final para este livro enquanto objecto. Um belíssimo livro, pesado, em papel reciclado, de páginas densas, olorosas, enriquecido por belíssimas fotografias coloridas e diversas outras ilustrações. Ver artigo
A Vida Extraordinária do Português que Conquistou a Patagónia, de Mónica Bello, publicado pela Temas e Debates e Círculo de Leitores, livro de não-ficção que tem mais de romance do que de biografia, é a reescrita de uma vida, com a poética inventiva e a prosa pujante próprias da literatura. Ainda que suportada por documentos oficiais, cartas, relatos, fotografias, biografias de seus contemporâneos e entrevistas de viva voz com aventureiros que ainda se terão cruzado em vida com José Nogueira, Mónica Bello reinventa a seu bel-prazer a vida do (segundo) português mais conhecido na Patagónia, terra de fim do mundo a que Fernão de Magalhães emprestou o seu nome ao atravessar o estreito.
Como tantos portugueses desta e de outras épocas, José, nascido em 1845, parte (aos 12 anos) um pouco por acidente pelo mundo fora, e era (até à publicação deste livro) mais conhecido no Chile do que em Portugal, como um dos fundadores da Patagónia. Neste documento historiográfico – pontuado por «Terá sido», «Pode ser», «Pode até ser», «Talvez» – «todas as hipóteses e outras ainda podem ser verdadeiras» (p. 45). Indiscutivelmente verdade é que, após anos em alto-mar, terá desembarcado em 1866 «para assentar casa a meio-caminho entre dois oceanos, nove minutos a sul do paralelo 53, na margem norte do estreito de Magalhães – Punta Arenas, então o lugar mais austral do Planeta habitado em permanência» (p. 52).
O nosso explorador instala-se nessa colónia penal, dominando a caça de lobos-marinhos no Pacífico Sul por mais de 15 anos, com uma média anual de 4 mil peles que exportará para Londres; às peles, junta o negócio ocasional de salvados e fretes-marítimos, constituíndo uma frota que o torna o primeiro armador da zona; abre um pequeno armazém que se converte na casa de comércio mais próspera de Punta Arenas; descobre ouro; e quando o governo chileno lhe entrega um milhão de hectares na Terra do Fogo, área deserta e gelada onde nada cresce, mas que José Nogueira teria de pôr a produzir sob risco de a perder, lembra-se de criar ovelhas – que se transformam numa «fonte inesgotável de lã pura que a Europa pagava a bom peso de ouro» (p. 19).
Alternando entre o presente e o passado, a autora perde-se muitas vezes nas malhas de outras histórias que com esta se cruzam, fazendo deste livro o testemunho de vida de um extraordinário lusitano, mas também um relato fundacional da Patagónia, num amplo quadro dessa desolada terra de estrangeiros, aventureiros, índios, deserdados, marinheiros e caçadores.
«Os homens que vivem no Sul dizem que para lá do paralelo 40 não há lei. E que para além dos 50 graus, nem Deus existe.» (p. 51) Ver artigo
O Sexo da Música – As surpreendentes ligações entre música e sexualidade, de Étienne Liebig é uma obra original e única, que procura evidenciar uma relação extremamente pessoal mas também universal – procedendo a uma abordagem científica, histórica, psicológica e antropológica – e tão intemporal quanto o tempo de vida da humanidade: «A música, tal como o sexo, é um assunto de corpo e coração; a música, tal como o sexo, é universal.» (p. 11)
O maestro Miguel Graça Moura tomou a iniciativa da tradução, cuja edição foi acolhida pela Temas e Debates e o Círculo de Leitores, e pontua as notas do autor com os seus próprios contributos, ciente da «crescente incultura geral», nomeadamente entre as gerações mais novas, como os estudantes universitários.
Étienne Liebig afirma que a música «é uma vibração que sacode o meio ambiente pondo as moléculas em movimento, como todos os sons.» (p. 13) e que acciona «uma aparelhagem complexa nos nossos ouvidos. Estes transformam a vibração em impulsos elétricos para que diferentes áreas do nosso cérebro os recebam, os leiam e os interpretem segundo diferentes parâmetros para nos dar o sentimento da música.» (p. 17)
Sentimos a música antes de a ouvir e essa sensação é tão cerebral quanto física, como sucede quando de súbito a pele do braço se arrepia e os pêlos se eriçam. O prazer que sentimos com a música vem da identificação da sua complexa estrutura, mas também de dois elementos tão antagónicos quanto centrais à música: a antecipação e a surpresa.
«Os compositores conhecem muito bem este fenómeno da espera que deixa o auditor em estado de transe auditivo («vem, não vem?») e um certo tipo de satisfação quando por fim se ouve o refrão, o chorus, a entrada da orquestra, o ritmo tão esperado.» (p. 18)
A música pode ser um catalisador da memória, como a madalena de Proust, pois como se explica que quando ouvimos certas músicas somos transportados para a idade em que as ouvimos pela primeira vez?
«Esta necessidade de reescutar, seja a mesma coisa, seja algo de semelhante, está ligada à nossa memória auditiva que armazena os timbres, os ritmos, as vozes, as tonalidades que nos deram prazer e que procuramos durante toda a vida com o objetivo de “curtir” de novo. (p. 19)
A ligação entre música e sexo parece natural, mas Étienne Liebig – nascido em Montreuil (França) em 1955, músico, musicoterapeuta de crianças com autismo, animador social, membro de um quarteto de jazz, autor de várias obras e ensaios – é um dos poucos que se dedicou a estudar o assunto: «quando se vê no cinema uma cena erótica, escuta-se um certo tipo de música e não outro. Se se recorda um lugar de sedução e de encontros amorosos, ouve-se mentalmente o baile, a orquestra ou a aparelhagem sonora. As canções falam de amor, de desejo. As estátuas gregas apresentam flautas ou liras na nudez branca do mármore, e quando se lê biografias de músicos de rock (e não só), quase nem é surpresa descobrir nelas apetites sexuais insaciáveis!»
Dividido em três partes, o livro começa por analisar a afinidade fisiológica e psicológica entre o prazer sexual e sensorial de ouvir música, em que o nosso corpo pode ser tocado como um instrumento musical; percorre a história da música desde os primórdios da humanidade, de um ponto de vista antropológico e histórico, procurando demonstrar como em todas as épocas e culturas a música e o sexo estiveram intimamente ligados; e termina com um esboço de um estudo (deixando pontas soltas para futuras leituras) sobre todas as formas de arte – pintura, escultura, dança, teatro, literatura, cinema, ópera, etc. – em que a música exprime a sexualidade. A obra contém ainda breves biografias de músicos e compositores, com revelações e curiosidades surpreendentes, e imensas referências – do erudito ao popular, dos videoclips aos filmes – onde a cultura e o humor são parceiros. Ver artigo
Em O Sexo da Música – As surpreendentes ligações entre música e sexualidade, publicado pelas Temas e Debates, Étienne Liebig afirma que a música «é uma vibração que sacode o meio ambiente pondo as moléculas em movimento, como todos os sons.» (p. 13); «uma vibração que vai acionar uma aparelhagem complexa nos nossos ouvidos. Estes transformam a vibração em impulsos elétricos para que diferentes áreas do nosso cérebro os recebam, os leiam e os interpretem segundo diferentes parâmetros para nos dar o sentimento da música.» (p. 17)
Sentimos a música antes de a ouvir. Recordo-me que quando vivia na Beira sentia no próprio corpo uma espécie de vibração, como se o ar começasse a chegar em ondas, até que efectivamente o som se começava a discernir, vindo de longe, até que, subitamente, como um trovão que estalava no seio da casa, o vidro de uma das janelas (uma das paredes da casa era toda em vidro) começava a estremecer ao som da música, o que significava que ia haver um concerto nessa noite nalgum bairro vizinho e eu teria de conseguir dormir apesar do barulho. A música chega-nos em ondas de som, como quando certos carros passam por nós e o nosso carro estremece e vibra com o som, apesar de quase não conseguirmos ouvir a música com as janelas fechadas.
O prazer que sentimos com a música vem da identificação da sua complexa estrutura, mas também de dois elementos tão antagónicos quanto centrais à música: a antecipação e a surpresa.
«Os compositores conhecem muito bem este fenómeno da espera que deixa o auditor em estado de transe auditivo («vem, não vem?») e um certo tipo de satisfação quando por fim se ouve o refrão, o chorus, a entrada da orquestra, o ritmo tão esperado.» (p. 18)
Em suma, também a música pode ser um catalisador da memória, como a madalena de Proust…
Jonah Lehrer, em Proust era um neurocientista – Como a arte antecipa a ciência (Lua de Papel), num misto de biografia, ensaio e escrita científica, procura demonstrar como a arte antecipou a ciência, através da obra de 8 artistas, designadamente de Proust e a sua famosa madalena, feita de açúcar, farinha e manteiga, que espoleta no narrador a rememoração de todo o seu passado ao longo de 7 volumes. E sabe-se hoje que Proust estava certo, pois está provado que o paladar e o olfacto são os únicos sentidos que se ligam directamente ao hipocampo, o centro da memória de longo prazo do cérebro.
Contudo, se assim é, como se explica que quando ouvimos certas músicas somos transportados para a idade em que as ouvimos talvez pela primeira vez? Aconteceu-me uma vez, com o Concerto para Piano n.º 1 de Tchaikovsky, em que quando um dia o ouvi por acaso num CD que meti no carro, senti-me projectado para a primeira vez que o ouvi, mais de 20 anos antes… Ou hoje, quando ao ouvir um álbum de êxitos de Elton John me lembrei de uma música que não ouvia há mais de 10 anos, sem exagero: Believe… e a forma como, apenas pelos primeiros segundos, consigo reconhecer de imediato e a pele dos meus braços se arrepia e os pêlos se eriçam…
«Esta necessidade de reescutar, seja a mesma coisa, seja algo de semelhante, está ligada à nossa memória auditiva que armazena os timbres, os ritmos, as vozes, as tonalidades que nos deram prazer e que procuramos durante toda a vida com o objetivo de “curtir” de novo. (p. 19) Ver artigo
As questões de género e de sexo continuam (in)felizmente a dar que falar, o que apenas comprova que ainda há mitos a desmentir e asserções a destruir. Se for homem, é possível que já tenha ouvido algo como “Tu pensas como uma mulher!” ou inclusive dito a outro “Não sejas menina!”. Pelas redes sociais pululam ainda (pseudo)artigos que comprovam como as mulheres trabalham mais com o hemisfério direito ou gerem tarefas de forma múltipla enquanto que os homens não conseguem sequer ouvir alguém ao seu lado quando estão focados num jogo de futebol…
Publicado pela Temas e Debates, este manifesto de Daphna Joel, neurocientista de renome internacional, e de Luba Vikhanski, redactora especializada em ciência, procura contribuir para um mundo sem estereótipos de género, desmontando uma série de verdades impostas por uma ciência essencialmente dominada por homens até muito recentemente. Daphna Joel procede a uma revisão de diversos estudos conduzidos por terceiros, onde confluem pequenas histórias e episódios conhecidos, e explica, na primeira pessoa, de forma acessível e divertida, como chegou às inovadoras descobertas, conduzidas no laboratório que dirige em Telavive, de que o cérebro de cada ser humano se revela como um mosaico único de características tanto masculinas como femininas: «a descrição da estrutura cerebral humana como um mosaico, ao invés de um conjunto de características só «masculinas» ou só «femininas», condiz na perfeição com a ideia de que cada um de nós tem traços femininos e masculinos, e que é raro os seres humanos serem completamente femininos ou completamente masculinos.» (p. 90)
A autora começa por analisar a história, feita de factos distorcidos, em que se tomou o tamanho supostamente inferior do cérebro de indivíduos do sexo feminino para comprovar como os homens seriam cognitivamente mais desenvolvidos.
«Segundo uma versão popular da história, o cérebro feminino tem um grande centro de comunicação e um grande centro de emoções, e está programado para a empatia. O cérebro masculino, por seu lado, tem um grande centro de sexo e um grande centro de agressão, e está programado para construir sistemas.» (p. 12)
Mas diversos estudos que abrangeram comportamentos e actividades altamente estereotipados por género chegam a conclusões surpreendentes, em que menos de 1 % dos indíviduos revelou ter características apenas masculinas ou femininas. Isto tem, naturalmente, óbvias consequências práticas para a maneira como ainda hoje se entende o mundo que nos rodeia, fundamentado em mitos culturais tratados como verdades. A própria noção de género pode muito bem ser um dos maiores mitos de toda a História – o que não significa que não exista: «Claro que existe, não como um conjunto intrínseco de qualidades, mas como um sistema social que atribui significado ao sexo, conferindo diferentes papéis, estatutos e poderes aos homens e às mulheres. Tal sistema exerce uma influência preponderante nas nossas vidas, impondo uma divisão binária a uma população de mosaicos humanos.» (p. 107)
Não se pense, contudo, que rapazes e homens não podem ser igualmente prejudicados por constituírem o grupo do género dominante do sistema num mundo generizado de forma binária… Ver artigo
À Mesa com os Filósofos é um fascinante tratado de Normand Baillargeon, filósofo canadiano, sobre a aparentemente improvável relação entre a comida e a filosofia, publicado pela Temas e Debates.
Na Grécia Antiga, um banquete ou simpósio reunia amigos para uma «reunião de bebedores», onde o mestre de cerimónias, além das libações, assegurava o encadeamento das conversas. Para o demonstrar, o autor serve-se de um diálogo platónico, em que Platão (428 a.C.) convive com Kant (1724), Khayyãm (1048), poeta persa apreciador de vinho, e Veblen (1857), economista e sociólogo americano. Menos de mil anos mais tarde, Tomás de Aquino disserta sobre a gula como pecado capital, num ambiente monástico em que à mesa não se fala e se faz do jejum um acto virtuoso. Kant, mais tarde, advoga que não se pode celebrar a cozinha como uma experiência estética, pois depende do gosto subjectivo de cada um, enquanto Brillat-Savarin explana que apesar de o prazer de comer satisfazer uma necessidade básica existe uma arte de comer e de degustar. Afinal, «o prazer da mesa é convivial e, como qualquer experiência estética, convida à partilha, à troca e à conversa, nomeadamente sobre os méritos dos pratos» (p. 203).
Este livro, que se pode degustar como um vinho leve, vai encorpando até se tornar adstringente, pois o que começa como uma evocação dos primórdios clássicos da filosofia, em que a comida e especialmente o vinho tiveram um papel central, rapidamente se actualiza numa arguta reflexão sobre a sociedade de hoje… dominada pela ilusória noção de que a enologia é uma ciência, quando as suas conclusões são subjectivas e manipuláveis; em que os supermercados estão concebidos para incitar a comprar tudo aquilo de que não precisamos ou nos é nocivo, pelo que se recomenda ao leitor exercitar o cepticismo e o estoicismo nas compras; em que proliferam programas de culinária e concursos a chef que advogam a cozinha como arte; onde as redes sociais inundadas por fotos de comida disputam protagonismo com corpos secos, cujo músculo, nos homens, ou magreza, nas mulheres, raiam a anorexia atlética; por discussões em torno dos benefícios de ser vegetariano ou vegan; por artigos que se contradizem em torno das propriedades milagrosas ou dietéticas de tal alimento; quais as vantagens e consequências de numa lógica económica se optar entre o locavorismo ou o libertarismo, ou seja, comprar produtos locais e da época num mercado local ou recorrer ao hipermercado onde as estações do ano se suspendem e o mundo inteiro está ao alcance da nossa barriga? Ver artigo
O movimento new age e a literatura de auto-ajuda foram substituídos nas duas últimas décadas por uma nova indústria da felicidade e do desenvolvimento pessoal, avaliada em mais de 4 biliões de dólares, que abrange uma ampla gama de serviços e produtos, como a autoajuda, o coaching, o mindfulness, cursos de inteligência emocional, aconselhamento psicológico positivo, medicação que potencia boa disposição, aplicações para o telemóvel, livros de auto-ajuda. A felicidade é hoje um indicador de progresso nacional, social e político. Devo confessar que considerei urgente a leitura de A Ditadura da Felicidade, de Edgar Cabanas e Eva Illouz, publicado pela Temas E Debates, não por ser um descrente da literatura que vende a felicidade como um produto (que não é novo, mas que se vende agora como legítimo – cientificamente comprovado – e premente), mas justamente por ser um curioso.
A dimensão e o impacto da investigação académica sobre a felicidade e temas afins, como emoções positivas ou bem-estar, decuplicou, envolvendo a psicologia mas também áreas como a saúde, a economia, a educação, a gestão. Conceitos que antes eram vistos com desconfiança ou como charlatanice, e que continuam a padecer da «falta de um núcleo de conhecimento rigoroso e comum», são agora relançados num novo embrulho compósito, numa «mistura mal corroborada e eclética de fontes heterogéneas», de psicanálise, religião, behaviourismo, medicina, neurociência, ocultimos, etc. (p. 43).
A felicidade é hoje um indicador de progresso nacional, social e político. E é vendida como «o mais valoroso investimento pessoal a fazer» (p. 183), pois pessoas mais felizes significa que são mais saudáveis, mais produtivos, melhores cidadãos. As sociedades modernas proporcionam aos seus cidadãos maior auto-consciência, mais liberdade, mais oportunidades de escolha e de seguirem os seus sonhos. Mas todos os anos há milhões de pessoas que recorrem a terapias, serviços e produtos da psicologia positiva, pois, como este livro demonstra, a psicologia positiva criou um círculo vicioso: «Há sempre uma dieta a seguir, um vício a largar, um hábito mais saudável a adquirir, (…) uma falha a corrigir» (p. 216). E as panaceias que se vendem não resolvem os problemas, antes os agravam, pois geram uma frustração constante; culpabilizam o eu por não ser feliz, uma vez que todas as ferramentas estão em si próprio; criam uma necessidade de autovigilância permanente para não termos pensamentos negativos que nos tornam infelizes; dão novas vestes ao individualismo neoliberal, gerando maior egotismo e auto-absorção (basta fazer um passeio pelas redes sociais em que a maior parte dos jovens influenciadores parecem extáticos de felicidade). Mais flagrante ainda é a análise de como a psicologia positiva se tornou uma forma de controlo social, pois desvia o foco das condições em que o cidadão vive, especialmente no contexto empresarial que faz livre uso destes serviços, com a pretensão de facilitar a adaptação eficaz dos trabalhadores a uma cultura neoliberal e a enganadora justificação de reduzir o stresse, que é criado, justamente, pelo actual espírito empresarial.
Edgar Cabanas é doutorado em Psicologia pela Universidade Autónoma de Madrid, professor na Universidade Camilo José Cela, em Madrid, e investigador associado no Max Planck Institute for Human Development, em Berlim.
Eva Illouz é professora de Sociologia e Antropologia na Hebrew University of Jerusalem e na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, colunista do diário israelita Haaretz e autora de diversos livros. Em 2018, recebeu o prémio EMET, o maior galardão científico de Israel, e foi condecorada com a Legião de Honra de França. Ver artigo
Diário de viagens, ensaio antropológico e registo zoológico, onde não faltam fotos, as Aventuras de um Jovem Naturalista – As Expedições Zoológicas são contadas em 448 páginas de puro deleite, neste livro publicado pela Temas e Debates. David Attenborough está na sua sétima década de carreira televisiva e é uma voz inconfundível que acompanhou muitos de nós desde a tenra infância em que às manhãs de domingo de desenhos animados se seguiam os programas de vida animal. Estudou Ciências Naturais em Cambridge, começou a trabalhar na BBC em 1952 como produtor estagiário, até que aos 26 anos, com a sua licenciatura em zoologia e dois anos de experiência como produtor de televisão novato, concebe o plano de recolher animais, numa expedição conjunta organizada pela BBC e pelo Zoo de Londres, e filmar a sua captura e recolha, para por fim mostrá-los em estúdio. Em Março de 1955 parte para a Guiana Britânica e desde aí desenvolve o hábito de escrever as suas experiências nessas expedições, cujo relato das três primeiras nos chega agora, actualizado e abreviado, onde se encontram animais para todos os gostos (como uma pitão, uma preguiça, um tamanduá, uma cria de urso, um orangotango, dragões-de-komodo e tatus). Este método de captura de animais poderá parecer ultrapassado e gerar controvérsia no revisionismo constante que vivemos na actualidade, contudo o maravilhamento e o respeito do autor pela vida animal e pela sua preservação são inegáveis, bem como o interesse pelos povos que vai conhecendo e a importância da preservação do seu meio – se bem que, ao longo dos relatos, sentimos que a ocidentalização já tinha chegado, com maior ou menos impacto, às mais remotas comunidades visitadas. E curiosamente perceberemos como é comum estas pessoas terem animais domesticados, como as duas capivaras que foram criadas juntas com duas crianças e só entram no rio quando estão todos juntos.
Tão inconfundível quanto a voz de David Attenborough, é a ironia e sentido de humor que transparece nestas páginas que, a certa altura, se afigura uma recriação do episódio bíblico da Arca de Noé:
«A viagem de regresso pelo rio abaixo começou bem. Tínhamos construído uma caixa grande para o pecari com troncos finos de árvores jovens atados com tiras de casca, e colocámo-la na proa da canoa. Houdini [um porco] portou-se muito bem na primeira meia hora; o mutumporanga, de patas amarradas com um pedaço de fita, estava calmamente empoleirado na lona que cobria o nosso equipamento; as tartarugas passeavam pelo fundo da canoa, papagaios e araras guinchavam amigavelmente aos nossos ouvidos e os macacos-capuchinhos estavam sentados todos juntos numa caixa de madeira, catando afetuosamente o pelo uns dos outros.» (p. 98) Ver artigo
O livro Talento Rebelde – com o subtítulo Porque vale a pena quebrar as regras no trabalho e na vida –, de Francesca Gino, professora na Harvard Business School, uma investigadora premiada e consultora de várias empresas, como a Disney ou a Goldman Sachs, é uma súmula de um estudo feito durante mais de uma década, publicado pela Temas e Debates.
São cinco os elementos nucleares do talento rebelde: «O primeiro é a novidade, procurar o desafio e o que é novo. O segundo é a curiosidade, o impulso que todos temos, em crianças, para perguntar constantemente «porquê?». O terceiro é a perspetiva, a capacidade de que os rebeldes dispõem de expandir constantemente a visão que têm do mundo e de vê-lo como os outros. O quarto é a diversidade, a tendência para pôr em causa papéis sociais predeterminados e procurar quem possa parecer diferente. E o quinto é a autenticidade, algo que os rebeldes abraçam em tudo o que fazem, mantendo-se abertos e vulneráveis, de modo a estabelecer ligações com os outros e aprender com eles.» (p. 18)
Em tempos conturbados, a nível económico e de valores morais, em que a competitividade pode ser brutal, a autora defende que a rebeldia não é necessariamente fonte de conflitos mas sim uma necessidade premente para a inovação e o sucesso das empresas, e dos profissionais, desafiando a convenção e a rotina de processos muitas vezes obsoletos. A rebeldia é aliás sinónimo de empenho.
«A maioria dos negócios segue regras, sem as quebrar. Nas organizações encontramos regras um pouco por toda a parte, sejam elas os procedimentos normais para desempenhar uma tarefa, uma hierarquia pormenorizada ou até o código de vestuário. Se ignorarmos as regras vai haver problemas. O caos. Os rebeldes são tolerados com relutância. Caso se tornem demasiado incómodos, são convidados a sair.» (p. 15)
Francesca Gino apresenta casos retirados da Pixar, da Disney, do melhor restaurante italiano ou mesmo do mundo, de companhias aéreas e de uma cadeia de fast food em ascensão. Em vez de incorrer numa prosa fastidiosa e técnica, a autora perde-se aliás nestes casos de estudo, apresentando exaustivamente, provalmente pelo seu entusiasmo, as histórias de como estas empresas vingaram, apostando no diferente, e das pessoas que as levaram ao sucesso. Ver artigo
Em resposta a esta pergunta, Mary Midgley escreve um manifesto em que analisa e entretece algumas das questões mais prementes da actualidade, como o papel das humanidades na educação, o aquecimento global, e em particular as consequências da evolução científica e tecnológica.
Procurando responder aos materialistas que alegam que só a máquina e a ciência interessam à vida, a autora demonstra como até os escritores de ficção científica foram capazes de antever os perigos da supremacia constantemente atribuída à matéria, como no caso dos cientistas que apregoam as virtudes da inteligência artificial e da superioridade do computador ao homem mas são incapazes de perceber que passar da confiança em Deus para um mundo regido por máquinas é passar ao lado do poder da nossa mente e do nosso livre-arbítrio como a única forma de encontrar respostas e tomar decisões sensatas.
A primeira parte do livro, apesar da linguagem clara, é um pouco mais vaga, talvez porque a autora se aproxima do tema que lhe interessa numa circunvolução, e só a partir de metade do livro é que une as pontas das várias ideias que foi colocando como pistas. Ela própria parece reconhecer esse método de abordagem quando a certa altura afirma: «As pessoas perguntam-me por vezes qual é o tópico sobre o qual investigo e eu respondo que não faço a mínima ideia» (p. 23). Começando por alertar para os perigos da crescente especialização e compartimentação do saber, a autora procura depois defender como a filosofia, ciência que levanta mais perguntas do que respostas, é essencial à formação do ser humano, sendo a sua tarefa central «lidar com problemas que são radicalmente irresolutos» (p. 64): «A filosofia olha para as diferentes maneiras de pensar e tenta mapear a sua relação. É uma forma de dar sentido ao todo. (…) Assim, a razão pela qual alguns filósofos acabam por ser recordados não é por terem revelado novos factos, mas por terem sugerido novas formas de pensar que implicam novas formas de viver» (p. 73).
Recorrendo às palavras da escritora Iris Murdoch, Mary Midgley procura explanar como é insuficiente pensarmos que o mundo se cinge ao visível e palpável, quando afinal somos seres modelados social e culturalmente: «cada um de nós tem um mundo com um grande enquadramento que a nossa cultura nos fornece já pronto» (p. 69). E nessa compreensão do mundo em que emergimos e imergimos a literatura tem, a par da filosofia, um papel crucial para «figurar e compreender situações humanas» (p. 70), além de que a própria ciência se subsume em conclusões, tecidas com palavras, cuja influência na nossa saúde e sanidade mental é tão poderosa como a nossa dieta e capaz de enraizar hábitos profundos.
Este livro é uma análise lúcida de uma mente brilhante, com a capacidade de clarificar o complexo e de não se deixar desviar das questões verdadeiramente essenciais à vida, ao contrário dos materialistas que reivindicam a era da tecnologia e da máquina (um “escravo sem mente”) como o único e desejável futuro: «As confusões que agora afligem a vida humana não são sobretudo devidas a falta de inteligência, mas a causas humanas vulgares, como a ganância, o preconceito, a parvoíce, a avareza, a ignorância, a ira, a falta de bom senso, a falta de interesse, a falt de sentimento público, a falta de trabalho em equipa, a falta de experiência, a falta de consciência e talvez devido sobretudo à ausência de reflexão.» (p. 210)
Mary Midgley foi professora de Filosofia na Universidade de NewCastle entre 1962 e 1980. Escreveu profusamente sobre a natureza humana, a ética, a ciência, o ambiente, e faleceu o ano passado, no mesmo ano em que este livro foi publicado, agora traduzido e lançado entre nós pela Temas e Debates. E porque escreveu a autora este livro – ou porque se defende aqui a sua leitura essencial?
«O que faz com que escreva livros é em geral a exasperação contra todo o credo redutor, cienticista, mecanicista e fantasista que continua a distorcer constantemente a imagem do mundo da nossa era. Esse credo (…) continua a ostentar o lisonjeiro nome de mentalidade “moderna”.» (p. 211) Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
Arquivo
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016