Regresso a este novo género tão em voga actualmente e que cruza ensaio com autoficção.
Daniel Mendelsohn (Nova Iorque, 1960) é doutorado em Estudos Clássicos pela Universidade de Princeton, professor de literatura clássica no Bard College, tradutor de poesia, ensaísta e crítico literário. Quando o autor se prepara para leccionar um seminário no Bard College sobre a Odisseia, é surpreendido com a decisão do seu pai de 81 anos, Jay Mendelsohn, se decidir inscrever também. O autor revisita o clássico homérico, com todo o rigor e erudição, mas em linguagem escorreita, enquanto disserta sobre as suas próprias memórias, especialmente em torno do pai. Ver artigo
Quando Mary acorda num hospital de Londres – sabemo-lo porque a contracapa acaba por o explicar, pois na verdade o leitor apenas encontra sugestões –, começa um périplo pela cidade em que percebemos que, primeiro, Mary se depara com as outras pessoas, através das quais tenta perceber o mundo que a rodeia, como se o visse pela primeira vez, e, segundo, tenta recuperar a memória da sua vida anterior, pois Mary afinal é uma «amnésica», num mundo que parece estar em chamas.
A perseguição da memória de Mary Lamb, aliás Amy Hide, surge como uma alegoria e reflexão da vida, feita de parâmetros ditos normais (um emprego significa vender o tempo), feita da rotina, feita de pessoas, e feita substancialmente de livros (para Mary e para grande desconcerto dos que a encontram): «Uns quantos livros estavam mortos – estavam vazios, não tinham realmente nada dentro. Mas alguns estavam vivos: expandiam-se para nós parecendo conter todas as coisas, como oráculos, como alefes. E quando ela se orientava para acordar cedo, eles estavam ainda abertos na mesa, bem conscientes do seu poder, aguardando friamente.» (pág. 133)
Há ainda laivos de distopia neste livro, como acontece, por exemplo, com os corpos dessas outras pessoas com que Mary se vai cruzando: «Havia muitos corpos realmente maus à volta de onde viviam, com falta de bocados ou bocados acrescentados, ou torcidos, ou esticados. Portanto, Mary estava satisfeita com o seu; e era tudo muitíssimo interessante.» (pág. 66)
Martin Amis faz ainda, como não podia deixar de ser, uma crítica subtil ao mundo na era do capitalismo, um mundo que vive essencialmente de sexo e de dinheiro, os principais bens a oferecer: «Pensava que era a vida que era pobre. Agora sabe que não precisa de ser – pobre, pobre, não, nesse sentido. Pensava que o dinheiro só acontecia nos livros. (…) A vida é interessante, a vida tem muito que se lhe diga, mas a vida pode ser tremendamente pobre. Agora Mary sabe isso. Viu o suficiente das pessoas abastadas, mal-encaradas nas lojas e nos carros. Não quer o dinheiro delas; só quer o tempo delas. E a mudança da luz diz-lhe qualquer coisa sobre os pobres e o inverno.» (pág. 182-183)
Intrigante, enigmático, desconcertante, são muitos os adjectivos que se podem aplicar a este livro também rotulado de «thriller metafísico», mas é certo que cativa e seduz o leitor, mantendo-o preso. Ver artigo
A ingressar num género que leio muito pouco, o policial, este livro, de peso, promete ainda assim ser uma leitura leve e ágil, pois os capítulos são curtos e a intriga é veloz, em capítulos que se sucedem inclusivamente numa contagem decrescente, a começar 33 dias antes da estreia do 21.º festival de teatro da (outrora) pacata cidade de Orphea.
Jesse Rosenberg é um ainda jovem capitão, com apenas 45 anos mas a poucos dias de se reformar com uma taxa de 100% de sucesso, quando é confrontado pela jornalista Stephanie Mailer de que um dos seus primeiros casos foi mal resolvido…
Fico sempre com a sensação que estou a ler um mero argumento de filme – o que retira grande prazer da leitura, apenas contrabalançado pelo ritmo frenético em que a escrita nos leva.
Joël Dicker, publicado pela Alfaguara, tornou-se um fenómeno literário global de sucesso de vendas com A verdade sobre o caso Harry Quebert (2013). Este é o seu quarto romance e tem criado grande burburinho (em Barcelona lembro-me que invadiu todos os escaparates). Ver artigo
Nascido em Nápoles, em 1943, foi professor e escreveu para um suplemento cultural, autor de vários romances e contos, alguns adaptados a filmes e séries televisivas. Laços foi distinguido como melhor livro do ano por vários jornais internacionais (The New York Times, Kirkus Reviews, The Sunday Times) e venceu o Prémio Bridge de melhor romance.
São 141 páginas, numa história repartida em três partes, ou livros. No primeiro livro, que parece constituir um breve prólogo, é a mulher abandonada e traída que se lamenta e apela ao marido uma explicação. É no fundo o discurso na primeira pessoa que compôs diversas cartas escritas ao marido, e às quais percebemos que ele foi respondendo. No segundo livro, curiosamente bastante mais extenso, é o marido que discorre sobre aquilo que foi para ele o casamento e como deu por si a “estar com outra mulher” ainda antes de “se apaixonar” por essa mulher, num tempo (quarenta anos antes) em que o divórcio era ainda inconcebível, apesar do adultério e de os homens deixarem mesmo a sua mulher e filhos para começar de novo com outra. No terceiro livro, fala-nos um dos filhos deste casal.
Aldo, agora um «senhor falsamente distraído de setenta e quatro anos», casado com Vanda «uma senhora falsamente enérgica de setenta e seis anos», regressam de férias a uma casa que foi vandalizada, apesar de nada existir para roubar (uma metáfora de um casamento vazio onde tudo foi destruído). Ao arrumar os destroços espalhados pela casa, Aldo dá por si a relembrar o que aconteceu no seu casamento, que dura há cinquenta e dois anos, «um longo fio de tempo encolhido», e relembra o tempo em que era um «assistente sem futuro de Gramática Grega» e se apaixona por Lidia, uma estudante de Economia (p. 32).
Este livro, publicado pela Alfaguara, reflecte sobre os frágeis laços de família e heranças que se transmitem ou inventam, como forma de confortar e aproximar entes tão distintos, mesmo quando partilham o mesmo sangue. Um retrato sublime de uma história banalizada, quando um homem sai de casa para se juntar com uma mulher, ao mesmo tempo que traça uma história do casamento e do adultério ao longo das últimas décadas, e do que se tornou comum ou aceitável, mesmo quando contra a norma: «Estar casado, ter família própria numa idade novíssima, tornara-se um sinal não de autonomia, mas de atraso. Com menos de trinta anos, sentia-me velho, e parte – à minha revelia – de um mundo, de um estilo que, no ambiente político e cultural a que aderia, era considerado iminentemente acabado. Pelo que, embora tivesse uma relação forte com a minha mulher e as duas crianças, depressa me deixei fascinar por modos de vida que programaticamente suprimiam todos os vínculos tradicionais.» (p. 63) Ver artigo
Este é o mais recente romance da autora de As Viúvas das Quintas-Feiras, sucesso aclamado por José Saramago e Rosa Montero. A autora, nascida em Buenos Aires em 1960, é escritora, dramaturga e guionista.
A primeira parte do livro alterna, capítulo a capítulo, entre um discurso na primeira pessoa, depois de a narradora hesitar justamente se deve ou não narrar na primeira ou na terceira pessoa a história que nos revela, até porque entretanto ela própria se tornou uma outra, e uma memória recorrente, que vai sendo desfiada gradualmente, até termos um quadro completo ou, melhor dizendo, a cena completa do que se passou há vinte anos na vida de Marilé Lauría. A mulher que Marilé foi antes, na Argentina, chama-se agora Mary Lohan, identidade que assumiu quando fugiu para Boston. Essa mulher, que também foi outrora María Elena Pujol, perdeu peso, mudou de penteado e usa agora lentes de contacto, para ocultar a sua verdadeira cor de olhos. Mas as lentes castanhas que Mary Lohan usa estão constantemente a resvalar, sempre que entra em confronto com o passado ao qual decidiu regressar, numa atitude optimista, mas muito a medo, de o poder resolver. E algo tão simples pode ser uma ameaça à revelação da sua verdadeira identidade, se bem que no final não é pelos seus olhos azul-celeste que a identificam…
Há uma trama de thriller psicológico que lembra Hitchcock, ao mesmo tempo que nos são dadas pistas para o que se passou na vida da protagonista, como quando esta invoca títulos de livros que por algum motivo captaram a sua atenção, como As Horas, de Michael Cunningham.
Neste romance, dividido em três partes (sendo que a segunda parte constitui uma anamnese), a autora consegue de forma magistral abordar o profundamente doloroso, com a sensibilidade certa para tratar assuntos que, indevidamente abordados, resvalariam no ridículo ou na apatia por parte do leitor. Note-se aliás como em toda a narrativa, a autora passa qualquer hipótese de julgamento ou opinião crítica para o leitor, sem nunca se tecer juízos de valor em relação à escolha efectuada pela protagonista, pois afinal Mary Lohan apenas tem uma pequena sorte na vida, que se revela em pequenas benesses, talvez porque teve já um grande azar…
É ainda um livro fortemente metaficcional, conforme a narradora, professora de Espanhol e Literatura, parece reflectir ao mesmo tempo que ganha coragem para narrar, pois é aliás por escrito que tanto a protagonista como o seu filho acabam por se desvelar e aproximar: «Não vou a correr procurá-lo, não vou a correr abraçá-lo, nem chorar com ele, nem sequer para que ele me insulte. Antes disto, devo-lhe uma explicação. E uma explicação não pode ser dada no meio de choros ou de insultos, nem de abraços. Uma explicação, ou pelo menos esta, precisa de muitas palavras, demasiadas, de todas as que eu não disse durante os anos de ausência que ocorreram entre nós. Por isso, faço o que tenho de fazer: fechar-me em casa a escrever.» (p. 104) Ver artigo
Paolo Cognetti nascido em Milão em 1978 é um dos escritores italianos mais aclamados pela crítica e apreciado pelos leitores. As Oito Montanhas (2016) foi o primeiro romance do autor publicado em Portugal, no ano passado. Escrito com «o fólego de um clássico», esse livro tem ecos de outros grandes que subiram a montanhas para se tornarem maiores do que a vida, e talvez por isso esteja também dividido em três partes mais ou menos correspondentes às três fases de vida de um homem. Em O rapaz selvagem, o segundo romance do autor, um relato da sua vida na montanha entre o autobiográfico e o romanceado, Paolo, que nunca se designa, embora narre na primeira pessoa, tem trinta anos e sente-se sem rumo ou esperança quando decide partir para a montanha, inclusive na esperança de voltar a escrever. O autor cita recorrentemente outros escritores modelos, como Walden, de Thoreau, que optaram por abandonar a civilização para se poderem encontrar a si próprios.
A montanha neste livro é portanto mais do que a neve onde se pode esquiar, as escarpas que alpinistas desafiam, que os caminhantes trepam ou onde alguns pastores ainda sobrevivem no seu modo de vida. Há no ar rarefeito, frio e árido das montanhas, onde nem o solo é cultivável, quem encontre um modo de vida e prefira viver no silêncio e na solidão do recato de uma maneira de ser perdida nos tempos.
É também na montanha que se dá o desencontro e o reencontro com o pai e com os que serviram de figura tutelar a Paolo, enquanto ele procura descobrir o sentido da sua própria vida, mesmo quando esse destino implica virar costas a tudo o que se conheceu, ou acabar por se perder irremediavelmente…
Um belíssimo livro, de escrita leve e intimista, que nos mostra ainda como há lugares que vivem apenas na nossa infância e de como as memórias que ficam são demasiado aguçadas para serem confrontadas com as realidades que desmoronam face ao brilho de um passado que não volta mas está sempre vivo no nosso íntimo. Ver artigo
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