A Biblioteca Municipal de Loulé, Sophia de Mello Breyner Andresen, volta a receber a rubrica “Livros Abertos”, com a apresentação do romance Eliete, de Dulce Maria Cardoso. A sessão realiza-se no próximo dia 25 de novembro, quarta-feira, pelas 19:30 horas, conduzida por Sandra Boto, docente e investigadora auxiliar do CIAC/Universidade do Algarve. Ver artigo
Cada obra deste autor é uma deliciosa descoberta, em particular para aqueles que partilham o seu gosto pela leitura, pois como afirma Alberto Manguel: «A biologia diz-nos que descendemos de criaturas de carne e osso, mas, no fundo, sabemos bem que somos filhos e filhas de fantasmas de papel e tinta.» (p. 10)
Publicado pelas Edições Tinta-da-china, à semelhança de outras obras do autor, que têm vindo a ser traduzidas a um ritmo regular, como A Biblioteca à Noite ou Embalando a Minha Biblioteca, este livro é também uma proposta de glossário, à semelhança do belíssimo Dicionário de Lugares Imaginários. O autor reconhece que há personagens, esses fantasmas de papel e tinta, que sobrevivem aos autores e ganham uma vida exterior aos livros que os viram nascer: «Os leitores do mundo veneram escritores como Shakespeare e Cervantes, mas esses seres, imortalizados em retratos imaginários e solenes, são menos tangíveis que as suas criaturas mortais.» (p. 11)
Estes monstros fabulosos que assombram a vida de um leitor – e mais do que um erudito, um ex-director da Biblioteca Nacional da Argentina, um escritor, um dos maiores bibliófilos do mundo (a par de Umberto Eco), é como leitor que Alberto Manguel se identifica – não são todos eles criaturas temíveis, mas sim seres fantásticos em que nos revemos, que nos inspiram as mais diversas qualidades quando a vida nos falha, figuras que norteiam aqueles que se atrevem a manter vivo o sonho: «Ao contrário dos seus leitores, que envelhecem e nunca voltam a ser jovens, as personagens ficcionais são, ao mesmo tempo, quem eram quando lemos as suas histórias pela primeira vez e quem se tornaram no decurso das nossas sucessivas leituras.» (p. 13)
A magia que advém das mais variadas personagens que o autor aqui revisita (Drácula, Alice, Super-Homem e Outros Amigos Literários como o subtítulo do livro sugere, onde não falta inclusivamente o Mandarim de Eça de Queirós) permite ainda o regresso ao nosso eu da infância ou da juventude de quando conhecemos estas personagens e as incorporámos. Ver artigo
Um livro que se compõe de 13 histórias, o que atendendo ao epílogo do autor pode até não ser uma coincidência, pois, como se anuncia na contracapa, a Morte é o denominador comum destas micronarrativas (para simplificar toda a simbologia do 13, limito-me a referir que a carta XIII do Tarot é a Morte). Refere ainda a contracapa do livro que todos os protagonistas «infames» destas histórias «estão condenados a um único desenlace, sem redenção possível nem lugar no paraíso». Permitimo-nos discordar, como se lerá mais adiante, pois nem todos os contos são de facto sobre a morte e alguns deles interligam-se de forma magistral.
Jaume Cabré, um dos mais premiados escritores europeus da actualidade, nascido em Barcelona em 1947, autor de guiões cinematográficos e televisivos, declara numa nota final ao livro que por vezes no meio da escrita de um romance escreve um conto, «como quem para descansar atraca numa ilha desconhecida» (p. 243), impelido pelo projecto narrativo em curso ou justamente para dele se afastar, como quem procura nova perspectiva. Os 13 contos são relativamente breves, à excepção de «Os homens não choram» e «Ponto de Fuga». Não sei se é por isso mesmo que é com este conto que abre o livro, mas «Os homens não choram» é uma das histórias a destacar. É essa verdade universal que o pai profere ao seu filho quando o deixa num orfanato, poucos dias depois de a sua mãe se ter suicidado, prometendo que o visitará no domingo. Mas o pai nunca vem. E o protagonista desta narrativa opressiva e desesperançada, um rapaz sem nome, terá de aprender a conviver com os outros jovens, cada um com as suas taras e problemas, enquanto tem de evitar o Henricus, que gosta de os tocar e apalpar, a frieza distante das freiras que vogam como pássaros. E este rapaz sem nome, apenas conhecido como «Tu» vive de tal forma imerso na penumbra que congemina, como salvação, o plano de matar Henricus com outros 3 amigos, para que não acabe por ser sodomizado como aconteceu com Tomàs. A narrativa oscila entre um eu e um ele, como se Tu se tivesse dissociado em dois, como estratégia de sobrevivência à vida no orfanato até ao dia em que atinge a maioridade e sai. Apenas para se deixar enredar numa nova prisão, quando assolado por um desejo de vingança Tu acaba por matar. Apenas para voltar a matar.
No último conto do livro, «O Ebro», acontece o inverso. Numa viagem de carro, dá-se um diálogo desencontrado entre pai e filho, ao longo de 11 páginas. Enquanto o filho interpela e conversa directamente com o pai, procurando atender às suas necessidades imediatas, como urinar, mantê-lo confortável, comprar-lhe os croissants de que gosta pois sabe que o pai é guloso, mostrando-se sempre solícito e paciente, o pai discorre num discurso ininterrupto que evidencia claramente que está preso aos acontecimentos que viveu na batalha do Ebro (deduzimos nós pelo título do conto) que recorda de forma tão vívida que teme o aparecimento do Sargento Mayo para lhe dar um tiro, apesar de ele ter morrido à sua frente nas margens do Ebro, possivelmente às suas mãos. Cedo compreenderemos que, a fechar o livro, temos agora um filho a deixar o pai num lar. Embora o pai não chegue a viver um dia nessa nova casa, pois morre às mãos do monstro do Paraíso, o mesmo pedófilo que assassinou 5 crianças no conto «Paraíso», pois foi ele o juiz que condenara o criminoso a prisão perpétua: «Naquele momento, não teve discernimento suficiente para se perguntar por que motivo as histórias da vida acabam sempre com a morte, como se não houvesse mais nenhum final possível para todas as coisas.» (p. 242)
Todas as restantes histórias são igualmente atravessadas pela temática da morte, mas sempre de forma violenta. Praticada como vingança, ou como um negócio, no caso de assassinos a soldo, ou ainda como acto de criação, como é o caso do protagonista de «As mãos de Mauk» que leva mais longe o acto de criar e aniquilar as personagens das suas histórias: «se ele era o deus que governava as personagens que criava, porque não podia ser o deus das pessoas que o cercavam? Quando escreveu a história do jardim zoológico, não decidiu só porque sim que Irene devia morrer? Decidiu-o porque sim, não por uma qualquer razão narrativa. Escreveu aquilo e Irene palmou, sem sequer ter o direito de reclamar, porque eu sou Deus.» (p. 210)
Escreve o autor, voltando ao epílogo, que nesta colectânea, publicada pela Tinta-da-china, há contos resgatados à gaveta, outros já publicados em antologias, mas há ainda uns quantos que nasceram quando trabalhava na actual compilação: «A dinâmica do livro em construção desperta em mim o desejo de contar novas histórias que, sem grandes melindres, se colocam lado a lado com outras narrativas que esperavam há anos pela oportunidade de enfiarem o nariz de fora.» (p. 245) Parece ser esse o caso destas histórias que ressaltam e quase se impõem como narrativas autónomas numa galeria de personagens «sem redenção possível nem lugar no paraíso». Contudo esse paraíso parece ser vislumbrado em alguns dos contos, a começar por «Claudi» onde um homem entra num quadro como quem muda para outra dimensão – quadro esse que volta a surgir em «Nunc dimittis» e depois em «Ponto de Fuga» –, onde o tempo se esvanece, não há sentimentos nem obrigações, e se vive uma imensa liberdade, caminhando rumo ao sol nascente pela mão de uma camponesa. Ver artigo
A crónica é, como se sabe, um texto apresentado na primeira pessoa, apresentando a visão subjectiva do cronista sobre os mais variados eventos do quotidiano. De natureza interpretativa e reflexiva, são textos que surgem nos jornais ou revistas em que o cronista filtra o mundo em seu redor e as mais variadas situações. Mas num tempo de crise para a comunicação, em que o clickbait supera a veracidade das notícias, qual é o espaço que sobra para a crónica? E qual é o tempo que o leitor ainda se digna dispender, para ler a opinião de alguém que se acredita ser melhor informado, quando hoje a informação é cada vez mais facilmente acessível e todos têm direito à sua opinião, plasmando-a nos mais diversos meios, de redes sociais a blogues?
Esta antologia de crónicas jornalísticas, publicada em Abril de 2018 pela Tinta-da-china, reúne mais de 60 textos de Pedro Mexia, publicados, na sua maioria, no Expresso entre 2011 e 2017, outros tantos no Público, e algumas crónicas publicadas ainda noutras publicações, algumas delas inclusive já reunidas anteriormente em volume – Nada de Melancolia, também com a chacela da Tinta-da-china, em 2008.
Lê-se na contracapa, e a negar de alguma forma o título, que «Lá Fora não é um livro sobre viagens demoradas a lugares exóticos, passeios venturosos a altas montanhas ou selvas escuras, ou grandes temporadas em metrópoles sofisticadas». Pedro Mexia descreve «lugares por onde passou e que, de alguma forma, não esqueceu», como Maputo («O país dos outros») ou Londres («Londres chama»), cidade com a qual mais se identifica e que o reconcilia «com o facto de estar vivo». Redescobre Lisboa («Lisboa, cidade aberta») e a modernização do seu plano urbanístico por Ressano Garcia, entre 1879 e 1903, ou vê Portugal na época da ditadura pelos olhos de quem o visitou de fora («Cartas portuguesas»). Mas Pedro Mexia escreve sobretudo sobre lugares mentais e por isso escreve também sobre os «não-lugares» («Terminal de aeroporto»), pois estas crónicas não são somente viagens, mas sobretudo o olhar do cronista sobre o mundo lá fora e com o devido distanciamento, capaz de permitir uma autoironia. Aliás, Mexia opta, em diversos momentos, por deixar as suas interrogações, sem pretender arrogar-se como detentor de uma verdade imposta a outrem.
Numa prosa clara, com rasgos poéticos, em que as vozes da literatura ressoam, com citações e revisitações a autores (mas também ao cinema ou à música), este livro de crónicas é intemporal e merece o Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários da Associação Portuguesa de Escritores (APE), anunciado no passado dia 9 de Maio. O prémio de 12 mil euros será recebido pelo autor no próximo dia 30 de Maio em Loulé, uma vez que a Câmara Municipal é parceira deste galardão. Ver artigo
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