Depois de ler com tanto prazer e fascínio Tyll, publicado pela Bertrand Editora, e já aqui apresentado, além de ter descoberto que em 2020 estreou mais um filme baseado numa obra sua, Devias ter-te ido embora, igualmente publicada pela Bertrand, que conta com interpretação de Kevin Bacon, tive de procurar o seu anterior A Medida do Mundo. Bestseller internacional traduzido para mais de quarenta línguas, adaptado ao cinema (alemão), foi traduzido e publicado pela Editorial Presença em 2007. Existe ainda outra obra publicada pelo autor pela Editorial Presença que espero conseguir ler em breve: Fama – Romance em nove histórias.
A Medida do Mundo é um delirante romance (ao jeito de Kehlmann) que pode ser lido, de rajada, como uma fábula do Século das Luzes. Alternando entre os percursos de dois gigantes do Iluminismo alemão, Alexander von Humboldt e Carl Friedrich Gauss, a narração começa quando os dois eminentes sábios se encontram em Berlim, no ano de 1828. Na verdade, a narrativa centra-se mais em Humboldt, aristocrata e asceta, um dos fundadores da moderna geografia graças às suas incansáveis explorações pelo mundo:
«No caminho para Espanha, Humboldt mediu todas as colinas. Subiu a todas as montanhas. (…) Pessoas da terra, que o observaram a fixar o sol através da ocular do sextante, pensaram que ele era um pagão que adorava os astros e apedrejaram-no, de tal modo que foram obrigados a saltar para os cavalos e partir a galope.
(…) Uma colina cuja altitude não era conhecida deixava-o perturbado e inquieto. Uma pessoa não podia seguir sem determinar sempre a própria posição. Não se devia deixar ficar pelo caminho um enigma, por mais pequeno que fosse.» (p. 32-33)
Para Humboldt, cujas indagações o levam até aos confins da América do Sul e pela Rússia quase até à China, tudo no mundo tem de ser compulsivamente medido. A certa altura, o seu colaborador pergunta-lhe mesmo se ele tinha de «ser sempre tão alemão?» (p. 59)
Gauss, o Príncipe das Matemáticas, um génio desde criança, prefere ficar sentado a fazer cálculos. Apesar das diferenças que os separam, têm em comum o anseio de compreender o mundo através de fórmulas verificáveis pela Razão: «Sonda-se o universo com telescópios, conhece-se a formação da Terra, o seu peso e a sua órbita, a velocidade da luz já foi calculada, já se conhecem as correntes do oceano e as condições da vida (…) Já se divisa o fim do caminho, a medição do mundo está quase concluída.» (p. 173)
Uma deliciosa narrativa que com ironia e humor reflecte sobre a fugacidade da vida e o pouco que a ciência pode fazer para a dominar: «A árvore era gigantesca e contava vários séculos de idade. Já ali se encontrava antes dos espanhóis e dos povos antigos. Era anterior a Cristo e a Buda, a Platão e a Tamerlão. Humboldt aproximou o relógio do ouvido e escutou. Da mesma forma que este, com o seu tiquetaque, continha o tempo dentro de si, aquela árvore repelia o tempo: um recife contra o qual se quebrava este fluxo.» (p. 37) Humboldt, aliás, refere mesmo, a certa altura, que escrever um romance «parecia-lhe um caminho magnífico para agarrar a fugacidade do presente.» (p. 23)
Este romance pouco típico e nada convencional liderou durante um ano as tabelas de vendas na Alemanha, destronando Harry Potter e O Código Da Vinci. Traduzido em 34 países, Daniel Kehlmann – um autor jovem, nascido em 1975 – é considerado um renovador da literatura de ficção em língua alemã. Estudou Filosofia e Estudos Alemães, e hoje vive entre Nova Iorque, Berlim e Viena. Ver artigo
Lyra Silvertongue, outrora Lyra Belacqua, é conhecida no mundo dos espíritos. Ao contrário do mundo de Harry Potter não há uma profecia ou uma cicatriz distintiva, mas Lyra Silvertongue é reconhecida e demarca-se no mundo em que se move, com o novo nome que lhe foi concedido por Iorek Byrnison, rei dos ursos. Numa Inglaterra entre o clássico e o fantástico, Lyra, agora uma estudante em Oxford, ainda sem saber tudo aquilo que enreda o seu destino pouco comum, vê-se obrigada a partir agora em direcção ao deserto, em demanda do que lhe é mais precioso… Num mundo que é tão familiar como extraordinário, onde hordas de refugiados tentam chegar à Europa enquanto o mundo parece entrar em guerra por uma questão de rosas, pois há fundamentalistas que acreditam que os óleos e perfumes agradam ao Diabo e ofendem a Deus, a jovem Lyra persegue a miragem de uma cidade habitada apenas por génios e pretende desvendar o mistério do Pó.
Philip Pullman, nascido em Norwich, Inglaterra, em 1947, foi catapultado para o sucesso em 1995 com Mundos Paralelos (His Dark Materials no original), trilogia constituída pelos volumes Os Reinos do Norte, A Torre dos Anjos e O Telescópio de Âmbar, publicados pela Editorial Presença e relançados com novas capas em 2018, quando o autor decidiu regressar a este fantástico universo com La Belle Sauvage, primeiro volume da nova série intitulada O Livro Do Pó. O que surpreendeu na nova trilogia foi a acção reportar ao período em que Lyra era apenas bebé, sendo portanto anterior às aventuras de Mundos Paralelos, além de que se previa que os próximos livros poderiam saltar para outro tempo distinto. O leitor abre então a medo o Volume 2 de O Livro do Pó: A Aliança Secreta, sabendo que a intriga se situa agora quando Lyra tem 20 anos. Mas rapidamente se percebe que Philip Pullman consegue a dupla proeza de contar uma história tão cativante quanto imaginativa ao mesmo tempo que pega em algumas pontas soltas das narrativas anteriores. Reencontramos assim o jovem Malcolm de La Belle Sauvage, que aos 11 anos salvou Lyra num barco, agora com 30 anos, ainda um protector bem como um espião, como ainda ficamos a saber que a vida de Lyra e do seu génio Pantalaimon tem sido muito pouco pacífica desde a sua aventura, 10 anos antes, no Ártico, numa luta contra o mal que envolveu feiticeiras, espectros, crianças ciganas e ursos blindados.
Esta saga, traduzida em mais de 40 línguas, com vendas superiores a 18 milhões de exemplares, foi selecionada uma das 100 melhores obras de todos os tempos pela revista Newsweek. Houve uma adaptação cinematográfica com o título A Bússola Dourada que não teve o sucesso que se esperava. Entretanto a HBO e a BBC lançaram uma série que readapta, mais fielmente, os livros. His Dark Materials vai agora na segunda temporada – referente ao segundo volume da primeira trilogia – que estreou justamente esta semana.
Esta narrativa imaginativa, numa prosa límpida e erudita, agarra o leitor sem abrandar o ritmo por mais de 500 páginas, num livro que consegue a fabulosa proeza de apelar a leitores de todas as idades, em que Philip Pullman se revela exímio a contar uma história à criança em nós que queremos manter desperta. O escritor recebeu aliás, entre outras distinções literárias, o Prémio Whitbread, atribuído pela primeira vez a um autor de obras infantojuvenis. A própria linguagem é, por vezes, pouco adequada a crianças, talvez porque Pullman escreve, na verdade, para os leitores dos seus primeiros livros de há cerca de 20 anos, hoje adultos. A Bertrand Editora publicou também, recentemente, Contos de Grimm para todas as idades deste mesmo autor onde Philip Pullman reconta os seus cinquenta contos favoritos dos irmãos Grimm, obra que iremos apresentar em breve. Ver artigo
Satoru Miyawaki teve um gato em criança, a que chamou Hachi – oito, o número do infinito –
pois no seu pêlo quase todo branco tem duas manchas castanhas que parecem desenhar o símbolo do infinito, com uma cauda preta e torta. Hachi é o último ser vivo com quem Satoru partilhou momentos felizes, e quando perde os pais tem também de se separar do seu gato. Agora em adulto, Satoru encontra um gato de rua que foi atropelado e cuida dele até ficar bom. Mas no momento em que o gato se prepara para sair em liberdade, Satoru convida-o a ser o gato da casa. Até porque este gato lembra-lhe o outro, com a cauda torta para o lado oposto, e chama-lhe Nana (sete, o número da sorte).
Satoru revela-se um bom companheiro de casa de gato e Nana um bom companheiro de casa de humano, até que 5 anos depois Satoru o convida a fazer uma viagem pelo Japão para reencontrar amizades antigas e procurar um novo companheiro de casa que adopte o seu gato pois por questões «incontornáveis», nunca nomeadas, Satoru não poderá continuar a cuidar dele. Na viagem que os dois companheiros empreendem, Nana fica a conhecer a paisagem japonesa, o mar, as cidades onde o dono cresceu, enquanto Satoru visita o seu colega de natação no ensino básico, Kosuke Sawada, recentemente abandonado pela mulher; Daigo Yoshimine, um colega dos tempos de colégio, que travou amizade na altura em que os seus pais se divorciavam e ele foi viver com a avó; Shusuke Sugi e a mulher Chikako Sakita, colegas de Satoru no primeiro ano do ensino secundário, e que são agora donos de uma pousada pet friendly perto do monte Fuji onde não faltam as suas mascotes, uma gata e um cão que consegue farejar a hostilidade latente entre Shusuke e Satoru; e Noriko Kashima, a tia de Satoru, que o criou quando a sua mãe, irmã mais velha de Noriko, faleceu.
Este pequeno e belo livro, publicado pela Editorial Presença, narra uma história de amizade contada pela voz de um gato, criatura independente mas leal, que observa os humanos com deliciosa ironia do alto da sua superioridade e que, com o gancho da sua cauda torta, parece recolher as pequenas felicidades do quotidiano e dar sorte àqueles com que se cruza. Ver artigo
Deus ajude a criança conta a história, em modo alternado, de diversas personagens: Sweetness, a mãe que dá à luz uma criança negra como a noite; Lula Ann, que passa a adoptar o nome Bride, talvez por melhor condizer com a sua nova identidade; Booker, o namorado, que perdeu o irmão poucos anos mais velho ainda em criança, depois de o seu próprio gémeo ter nascido morto; Rain, uma criança de cor clara, que era prostituída pela própria mãe ainda em criança, depois expulsa de casa, e ser mais tarde resgatada por um casal.
A unir estas personagens está uma infância sofrida que pode deixar danos irreparáveis que as condenam a uma vida irreconciliável com a dádiva do amor ou a confiança da partilha. Lula Ann nasce com tez pálida como qualquer criança, mas de súbito a sua pele passa a um tom preto-azulado de forma tão inexplicável que a mãe, ironicamente chamada de Sweetness, quase a sufoca e o pai acaba por as abandonar. A partir daí a infância de Lula Ann é tão dolorosa que ela chega a desejar que a mãe a agrida apenas para poder sentir o seu toque, até que certo dia, para poder conhecer o amor que a mãe sempre lhe negou, vai ao ponto de mentir e arruinar a vida de uma pessoa apenas para conseguir que a mãe a olhe com orgulho e a segure pela mão, como quem a toca pela primeira vez. Bride, que assim decide passar a chamar-se, talvez por aprender a deixar de ter vergonha da sua cor e evidenciá-la ainda mais ao apenas vestir em tons de branco, tal como uma noiva, é agora uma mulher bem-sucedida, com a sua marca de cosmética. Mas o seu desejo de experienciar o amor mantém-se tão avassalador que ela dá por si a transformar-se, como quem encolhe, num ensejo de regressar à infância.
Deus ajude a criança não será certamente a obra mais emblemática de Toni Morrison, autora afro-americana nascida em 1931 no Ohio, a par de obras como Beloved (Amada), Tar Baby ou Song of Solomon, mas foi a sua última obra publicada em 2015 e traduzida e editada entre nós pela Editorial Presença logo no ano seguinte. Uma obra que mereceu críticas díspares, como a de que as personagens não tinham verdadeiramente densidade psicológica. Mas é, ainda assim, uma obra acima da média, sobre como a mácula da infância nos pode perseguir em adultos ou mesmo para toda a vida, onde ressoam ecos do realismo mágico ou fantástico da sua obra-prima Beloved, em torno da personagem Bride. Toni Morrison foi a primeira autora afro-americana a vencer o Prémio Nobel da Literatura em 1993, é sobejamente distinguida e aclamada, tendo recebido de Barack Obama a Presidential Medal of Freedom, a mais alta distinção civil dos Estados Unidos da América, e faleceu no passado dia 5 de Agosto, aos 88 anos, com uma obra que se distingue pela exaltação dos direitos humanos, nomeadamente sobre a condição de se ser mulher e de se ser negro/a.
«Desconfiava que a maioria das respostas autênticas relacionadas com a escravatura, linchamentos, trabalhos forçados, parcerias rurais, racismo, (…) trabalho na prisão, migração, direitos civis e movimentos de revolução negra se achavam todas ligadas ao dinheiro. Dinheiro retido, dinheiro roubado, dinheiro como poder, como guerra. Onde estava a palestra sobre como a escravatura catapultara sozinha o país inteiro da agricultura para a era industrial em duas décadas? O ódio dos brancos, a sua violência, era a gasolina que mantinha os motores do lucro a andar.» (p. 102)
O romance Beloved, vencedor do Pulitzer em 1988, foi adaptado ao cinema e conta com a interpretação de Oprah Winfrey e Danny Glover. Ver artigo
Este é o aguardado regresso do aclamado autor de A Rapariga Que Roubava Livros, publicado pela Editorial Presença.
Esta é a história dos cinco irmãos Dunbar: o Matthew, o Rory, o Henry, o Clayton e o Thomas. Cinco irmãos perdidos no mundo e conhecidos nas redondezas por preguejarem que nem uns condenados, lutarem como pugilistas e serem impiedosos uns com os outros em qualquer jogo, menos na vida.
Esta é a história do Assassino que certo dia lhes entra em casa. A história do seu pequeno catálogo de animais de estimação disfuncionais com nomes de heróis gregos e onde se destaca Aquiles, a mula que é teimosa que nem uma mula e persiste em entrar na cozinha.
Matthew, o irmão mais velho, é o que nos conta a história, num vagaroso desfiar de recordações, com alguns saltos, com graduais desvelamentos da verdade, permitindo ao leitor entrever os fragmentos principais que lhe permitirão reconstituir a tragédia que aconteceu aos cinco irmãos. Mas esta é principalmente a história de Clay (abreviatura de Clayton) e de como um dia deixou os irmãos para ir construir uma ponte: «Uma ponte sobre o passado que o levaria a um pai.» (p. 123).
O título original da obra é, aliás, Bridge of Clay, cujo trocadilho se perde com a tradução, e daí, provavelmente, a mudança radical de título pela editora.
Parece, contudo, que Matthew e Clay se confundem um pouco, mais do que os restantes irmãos, como se o irmão mais velho que conta a história do outro se confundisse afinal com ele: «Fisicamente, nós os dois éramos os mais parecidos, embora eu fosse uns bons quinze centímetros mais alto. Tinha o cabelo mais espesso e era mais desenvolvido, mas isso era por ser mais velho. Enquanto eu passava os dias ajoelhado às voltas com alcatifas, soalhos e cimento, o Clay ia à escola e corria quilómetros. Tocava-lhe sobreviver àquele seu regime de flexões e de abdominais; era um miúdo magro, mas rijo – via-se que tinha força. Acho que se pode dizer que éramos duas versões do mesmo, sobretudo os olhos. Um e outro tínhamos fogo no olhar e a cor era irrelevante, porque esse fogo que se via no olhar e a cor era irrelevante, porque esse fogo que se via nos olhos quer de um, quer de outro, era tudo.» (p. 89)
São quase 500 páginas de uma belíssima história de irmandade e sobrevivência, cheia de imagens imperdíveis, como a cadela, a cobra e a Remington desenterradas. A prosa de Markus Zusak, a forma como brinca com as palavras e com a linguagem enquanto constrói a sua própria ponte até ao leitor, é absolutamente arrebatadora e original, a começar pela forma como pensa os próprios títulos (Cidades + Águas + Criminosos + Arcos, em que cada capítulo acrescenta um motivo). Ver artigo
Num cenário pós-apocalíptico, milénios depois de a Terra ser devastada por terramotos, erupções vulcânicas e a descida para sul dos glaciares, a espécie humana deixou de viver sobre o solo terrestre e todas as cidades, mesmo as metrópoles como Londres, sobrevoam o planeta, numa perseguição incessante, alimentando-se umas das outras, propulsionadas por engenhos de tracção, devorando e desmantelando as suas presas sob a mastigação de enormes mandíbulas hidráulicas.
A trilogia está agora a ser reeditada pela Presença e o filme Engenhos Mortíferos de Peter Jackson estreia dia 6 de Dezembro. Ver artigo
Orhan Pamuk nasceu na Turquia em 1952 e em 2006 foi laureado com o Prémio Nobel da Literatura. Estudou Arquitectura e formou-se em Jornalismo, mas nunca exerceu. De todas as obras deste autor, publicado pela Editorial Presença, esta é possivelmente uma das suas obras de ficção mais bem conseguidas. Deixemos Istambul – Memórias de uma cidade no seu campo próprio da não-ficção ou guia de viagens, como livro de histórias e memórias dessa capital que faz a ponte entre o Ocidente e o Oriente.
A Mulher de Cabelo Ruivo é um romance dividido em três partes. Se na primeira parte o leitor pensa estar perante um romance de descoberta e crescimento, bem como de enamoramento por uma estranha mulher de beleza madura e exótica, na segunda parte deparamo-nos com a idade adulta de um homem que se afasta entretanto dos seus sonhos de juventude e paixões de adolescente, para finalmente na terceira parte termos o relato na voz própria dessa mulher por quem o nosso protagonista em tempos se apaixonou, logo à primeira vista, como em qualquer história de amor que se preze. Mas é também na segunda parte que os indícios, bastante subtis, da verdadeira intriga se começam a tornar mais insistentes, conforme o leitor começa a tentar perceber afinal por onde nos leva a trama, quando esta tão subitamente se desvia do que parecia ser o seu tema central, conforme a vida do próprio jovem herói sofre uma reviravolta e o seu percurso tergiversa por outras vias. O narrador assim o anuncia logo na abertura do romance: «O meu desejo era ser escritor. Mas, depois dos acontecimentos que vou narrar, estudei engenharia geológica e tornei-me empreiteiro da construção civil. Mesmo assim, o facto de eu estar a contar a história agora não deveria levar os leitores a pensar que ela acabou, que pus tudo para trás das costas. Quanto mais recordo, mais fundo caio dentro dela. Talvez vós me sigais também, atraídos pelo enigma de pais e filhos.» (p. 13)
Cem é filho de um farmacêutico, que acaba por desaparecer quando este tem 17 anos. O pai já tinha desaparecido antes, aparentemente já chegou a estar preso por algum tempo, mas este desaparecimento parece ser decisivo, ou seja, permanente… A Farmácia Vida acaba por ser encerrada e a mãe vê-se sem rendimentos para criar o filho e pagar-lhe os estudos. Este é também um dos romances mais marcadamente políticos do autor, com as referências declaradas ao esquerdismo do pai de Cem, que chegou a ser preso, levado para o Departamento de Assuntos Políticos, e torturado. Assim no Verão de 1985, o jovem Cem passa a trabalhar numa livraria, o que desperta também o seu gosto pela leitura bem como a sua aspiração a se tornar escritor. Cem torna-se depois aprendiz de um escavador de poços, o Mestre Mahmut, com quem irá trabalhar em Öngören, uuma pequena cidade nos arredores de Istambul, quando se depara com a visão magnífica e obsessiva de uma mulher de cabelo ruivo, imagem essa que se torna a sua obsessão e o objecto do seu amor.
À semelhança de outros romances como Uma Estranheza em Mim, Orhan Pamuk faz a ponte entre a tradição e a modernidade, como por exemplo nas personagens que invoca com profissões emblemáticas de um passado extinto, como o vendedor de iogurte ou, nesta obra mais recente, um escavador de poços. Mas nesta obra, o Nobel turco vai ainda mais longe e dá uma nova vida ao mito clássico de Édipo num mundo em mudança: «No momento em que saí da estação, fiquei com a certeza de que a velha Öngören já não existia: o prédio para o qual ficava a olhar à procura da janela da Mulher de Cabelo Ruivo fora demolido e, no seu lugar, um centro comercial movimentado enchia toda a praça, atraindo uma multidão jovem ansiosa por comer hambúrgueres e beber cerveja e refrigerantes.» (p. 192) Ver artigo
Philip Pullman nasceu em Inglaterra em 1947, foi professor em Oxford e começou a escrever em 1985, alcançando sucesso uma década depois com a trilogia Mundos Paralelos (His Dark Materials), amplamente premiada, traduzida em mais de 40 línguas e com mais de 18 milhões de exemplares vendidos. O primeiro volume da saga foi adaptado ao cinema, com o título «A Bússola Dourada», e Nicole Kidman num dos principais papéis.
Quinze anos depois de Os Reinos do Norte ter sido publicado em Portugal, o autor regressa ao mundo encantado de Lyra, sob a chancela da Editorial Presença que tem publicado todos os livros na colecção infanto-juvenil Via Láctea e aproveitou, aliás, este novo livro para reeditar, com novas capas, os volumes anteriores: Os Reinos do Norte, A Torre dos Anjos e O Telescópio de Âmbar.
O Livro do Pó aparenta ser um retomar da trilogia, fazendo-nos recuar no tempo, mas o autor revelou em entrevistas que a acção é paralela. A história da trilogia anterior ficou encerrada, mas ainda há muito a dizer sobre a misteriosa matéria do Pó, e faz reviver a sua jovem heroína, Lyra Belacqua, começando por contar como ela em bebé passa a viver em Oxford, para depois avançar 10 anos em relação à conclusão de Mundos Paralelos.
Numa Inglaterra entre o clássico e o fantástico, o herói da história é agora Malcolm, um jovem aplicado, trabalhador, amigo e sensível, que vive com os pais, a quem ajuda com a sua estalagem, A Truta. Extremamente inquisitivo, quase sempre na companhia dos mais velhos, e sempre mantendo as mãos ocupadas, ajudando como pode nas mais variadas tarefas, Malcolm depara-se com uma surpresa. Numa das suas visitas ao priorado, descobre que as freiras têm a seu cargo uma misteriosa criança. Lyra é apenas um bebé mas Malcolm fica rendido aos seus encantos e torna-se no seu maior protector. Mais tarde, o nosso jovem herói é avisado de que haverá uma enorme inundação que colocará a região em perigo.
A obra tem um ritmo que, apesar de pretender acelerar com os desenlaces, parece resultar mais lento. No entanto, o universo fantástico está lá: feiticeiras, demónios, engenhos entre o mecânico e o mágico, deuses do rio, e os fantásticos génios com forma de animal que acompanham os humanos e parecem formar um só com eles, como se representassem a sua alma. É neste pormenor que reside a maior originalidade deste mundo encantado imaginado pelo autor. Estes génios acompanham permanentemente os humanos, muitas vezes pousados no seu ombro, com quem formam um par, como se fossem um só, capazes de adquirir formas de animais que se revelam úteis embora tenham uma forma que é normalmente aquela que preferem adoptar e que revela um pouco da sua verdadeira natureza. Asta, o génio de Malcolm, é muitas vezes uma ave.
Não se pense que esta obra é exclusivamente destinada ao público mais jovem. Dado o rigor na recriação de um ambiente histórico, passagens onde se aludem a actos sexuais que não parecem muito adequados aos mais novos, e por vezes alguma linguagem mais gráfica, o autor revela-se muito mais entretido com o acto de contar uma história à criança em nós que queremos manter desperta e interessada.
Aparentemente o segundo volume já se encontra escrito e o terceiro em vias de ser concluído, pelo que é possível que não tenhamos de aguardar muito tempo pelo desenlace da história. Ver artigo
A Minha Prima Rachel inicia quando Philip se recorda com nitidez de um momento da sua infância em que viu um homem de grilhetas enforcado nos Quatro Caminhos.
Philip sabe bem que «não se pode voltar atrás» mas é a partir dessa estranha lembrança que nos conduz pela história de como perdeu o seu pai adoptivo e encontrou a sua prima Rachel. Ver artigo
Reler um romance como Rebecca após 10 anos tem o condão de fazer ressurgir lembranças bem vívidas, como a sinistra Mrs. Danvers, a ingénua protagonista sem nome, e o emblemático final em que a sugestão paira no ar como um clarão distante, ao mesmo tempo que se faz a leitura de todo um novo livro que desconhecíamos por completo e que merece justamente ser revisitado, como quem regressa a Manderley.
Os pressentimentos e maus presságios conferem um ambiente fantástico ao romance, que se afasta do melodrama romântico para se aproximar mais do universo policial e misterioso, em que a eterna inominada e jovem heroína, Mrs. de Winter, segunda esposa de Maximilian de Winter e sucessora de Rebecca, tenta juntar as peças desse enigma chamado Rebecca para poder compreender o comportamento do seu enigmático e por vezes irascível marido, o ódio da governanta que se move como uma sombra a dominar a casa, ao mesmo tempo que tenta lutar contra o fantasma omnipresente da sua antecessora, senhora da mansão de Manderley, que parece capaz de devorar tudo e todos, inclusivamente a sua própria identidade.
Rebecca, de Daphne Du Maurier
Originalmente publicado em 1938, conheceu inúmeras reedições e Alfred Hitchcock adaptou-o ao cinema em 1940, vencendo dois Óscares. Foi em boa hora relançado pela Editorial Presença, que aliás já publicou outras obras da autora, também adaptadas ao pequeno e grande ecrã, como A Pousada da Jamaica e A Minha Prima Rachel. Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
Arquivo
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016