Outra Vida Para Viver, de Theodor Kallifatides, publicado pela Quetzal em junho, com tradução de José Luís Costa, apresenta-se como uma autobiografia poética e filosófica sobre a melancolia de ser grego fora da Grécia.
Escrito por volta de 2015, acompanha quase um ano da vida do escritor onde cabe quase todo o seu percurso existencial, como homem, como grego, como escritor. Narrada naturalmente na primeira pessoa, com uma simplicidade tocante de um homem cuja carreira atingiu o seu apogeu, esta é uma memória de um estrangeiro, a viver agora na Suécia, que se reencontra como grego, país que deixou há cerca de 5 décadas.
A Grécia vive então momentos conturbados, com a dívida pública a atingir valores elevados, e os gregos suportam a vergonha de se verem humilhados todos os dias perante a Europa. Com este período conturbado, coincidirá ainda um bloqueio de escrita, quando Theodor Kallifatides, primeiro, se sente incapaz de escrever sobre um mundo do qual se sente cada vez mais alheado, depois quando decide mesmo vender o seu escritório, onde se refugiava para escrever, e, por fim, até sentir que efetivamente as palavras não lhe chegam ao tentar escrever novamente.
Se aos 25 anos, o autor se sentiu forçado a sair do seu país para poder continuar a viver, aos 75 anos percebe que tem de voltar à sua pátria, para poder reencontrar-se.
“A emigração é quase como um suicídio parcial. Não morres, mas muita coisa morre dentro de ti. A língua, por exemplo.
É por essa razão que, passados 55 anos na Suécia, eu sentia mais orgulho por não ter esquecido o grego do que por ter aprendido o sueco tão bem como aprendi. O sueco, aprendi-o por necessidade; o grego, mantive-o por amor. Foi uma vitória contra o esquecimento e a indiferença.” (p. 61)
Ao regressar à Grécia, Theodor Kallifatides percebe-se, contudo, incapaz de se sentir em casa, sentindo a angústia de um emigrante que, ao voltar, pretende encontrar tudo igual ao que deixou.
“A verdade é que a Grécia que eu recordava não renascia dentro de mim. Pelo contrário, perdia-se.
Além disso, eu próprio tinha mudado. Já não era o jovem grego de 25 anos que tinha partido para a Suécia. Era o septuagenário grego que tinha vivido mais de meio século na Suécia. Mesmo que reencontrasse a Grécia que tinha deixado, talvez esta já não me agradasse.” (pp. 103-104)
Uma meditação profundamente poética e intimista de como a vida e a pulsão da escrita podem ser interdependentes, mas também de como a língua pode ser a nossa pátria.
“A minha primeira língua é um coração que bate. A segunda, um pensamento. A primeira vinha-me das entranhas. A segunda, do cérebro. O problema estava em conciliá-las.” (p. 123)
Sem querer retirar prazer à leitura (e pode interromper agora aqui a sua leitura, para não avançar para um quase spoiler), Outra Vida Para Viver foi na verdade escrito originalmente em grego, e não em sueco, como aconteceu nos seus últimos 50 anos de escrita.
Theodor Kallifatides nasceu na Grécia em 1938. Em 1964 mudou-se para a Suécia. Após vários empregos, ensinou Filosofia na universidade e foi diretor de uma revista literária. Em 1976 passou a viver exclusivamente da escrita, quer dos seus livros, quer de traduções e da colaboração em jornais e revistas. Recebeu vários prémios internacionais.
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