Cigarra, de Shaun Tan, não é um livro para crianças!

Uma novidade da Orfeu Mini, com tradução de Carla Oliveira, que alia texto mínimo, quase telegráfico, com ilustrações imensas feitas com uma geometria evocadora dos quadros de M.C. Escher. A narrativa, por seu lado, relembra-nos Kafka.

“Cigarra trabalha em edifício alto. Dezassete anos. Sem falta. Sem erro. Tac tac tac!”

Esta é a história de uma cigarra, um trabalhador anódino num escritório cinzento e impessoal. Ao contrário dos humanos, cujo trabalho nunca acaba, cigarra cumpre sempre o seu trabalho ao final do dia. As onomatopeias no final de cada secção de texto rematam aliás essa ideia, das teclas a martelar a escrita. Rodeada por colegas que a tratam mal, com um chefe que não reconhece o seu valor. Ao fim de dezassete anos, a cigarra reforma-se, sem direito a festa de despedida. A sua libertação é uma metamorfose que enche as páginas de inesperada cor. A mensagem moral do livro atinge-nos como um murro.

Na estreia de Shaun Tan na colecção Orfeu Mini, este é um álbum fabuloso e misterioso sobre desumanização, rotina, libertação.

Shaun Tan é um dos mais importantes autores de álbuns ilustrados do nosso tempo. Na sua arte, explora pintura, escultura, fotografia e animação. Recebeu o Prémio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), o maior reconhecimento de literatura infantil do mundo, em 2011, e o seu livro Tales from the Inner City foi distinguido com a medalha Kate Greenaway (2020). Realizou uma curta-metragem de animação baseada no seu livro A Coisa Perdida (edição Kalandraka), que foi premiada com o Óscar dessa categoria. Nasceu na Austrália, onde vive.

print
Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.