Submersos, de Bruno Patino, foi agora publicado pela Gradiva, com tradução de Pedro Elói Duarte. Com o subtítulo «Como recuperar a liberdade num mundo demasiado cheio?», este é um ensaio essencial, atual, pessoal e oportuno que desenha uma saída possível. O peixe vermelho, que somos nós, incapazes de reter a atenção por mais de meros segundos, sobre o qual Bruno Patino dissertou no seu anterior livro, A Civilização do Peixe Vermelho, foi tragado por um imparável dilúvio de ícones, textos, imagens, sons. Estamos agora na era da submersão.

«Mas chegaram então os ecrãs e, com estes, a ligação permanente. A luz azulada que nunca se apaga, o brilho que nunca se extingue. Despertos, esgazeados, atónitos, somos irremediavelmente atraídos pela sua luz. Tornámo-nos borboletas. Os nossos olhos já não se fecham. Foram-se as insónias, chegou a vigília, o tempo dos guardas-nocturnos, daqueles para quem a noite já não é mais do que uma sequência hipnótica entre mau sono e má ligação. Sou um deles.»

 A prosa do jornalista e ensaísta é urgente, quase telegráfica ao início, e consoante discorre sobre o tema torna-se mais solta, livre, inclusivamente poética. Não deixa, no entanto, de nos dar valiosas informações e números muito concretos relativamente ao futuro negro, ensombrados pela nuvem em que já vivemos, assombrados pela falta de tempo num mundo de hiperabundância. Um dos paradigmas, paradoxal, que aqui se apresenta é o modo como, por um lado, vivemos cada vez mais desconfiados de uma série de instituições – políticas, educativas, familiares -, mas por outro lado, deixamos que as nossas vidas sejam regidas por algoritmos que limitam as nossas escolhas e o factor-surpresa. Acreditamos ter hoje acesso a uma escolha ilimitada: músicas, filmes, séries de televisão, livros, notícias. Mas o algoritmo comanda-nos e ao reduzir as nossas existências a um conjunto de dados sincronizados remete-nos para uma existência virtual e digital.

A certa altura, o autor destaca o papel do professor como uma das profissões essenciais a valorizar. O mentor pode ser um “terceiro de confiança”, a par dos meios de comunicação social, cuja tarefa é “certificar o real face ao simulacro e procurar a verdade dos factos face às construções pessoais” (p. 72).

Poderia aqui dar um exemplo de como ao pedir um trabalho sobre Fernando Pessoa, a maioria dos alunos apresenta trabalhos com frases-chavão como “foi o maior poeta da literatura”, “é um dos grandes escritores da literatura mundial”, ou, pior ainda, “é sobejamente conhecida pelas várias obras que publicou”, quando, afinal, foi praticamente desconhecido em vida e nada publicou, a não ser, em português, uma obra.

É ainda facto, acrescentaria eu, que nesta era de hiper-abundância o acesso a mais informação não se traduz em conhecimento, pelo contrário, pois mesmo os jovens parecem cada vez mais limitados numa visão monista da realidade formatada pelo seu olhar redutor. Abundam hoje os preconceitos. As pessoas escrevem insultos e ofensas nas redes sociais que não diriam tão facilmente na cara de alguém. Os adolescentes, na hora dos intervalos, vivem centrados nos seus telefones, e deixam-se ficar pelos corredores da escola, encostados à parede, sem contacto com o outro.  

Bruno Patino é jornalista e ensaísta. Licenciado em Ciência Política, foi presidente da comissão organizadora da EGI, do canal de televisão franco-alemão ARTE e professor associado da Escola de Jornalismo do Instituto de Estudos Políticos de Paris. Foi director editorial do canal Arte France e desempenhou cargos importantes no domínio do jornalismo e da comunicação, tendo sido correspondente estrangeiro do Le Monde no Chile, presidente do Le Monde interactif (2000-2008), da Télérama e vice-presidente do grupo Le Monde. Foi também director do France Culture e dirigiu a programação e a estratégia digital do France Télévisions. É autor, entre outros, de Une presse sans Gutenberg, Télévisions, de A Civilização do Peixe-Vermelho – Como peixes-vermelhos presos aos ecrãs dos nossos smarthphones (Gradiva, 2020) e Tempête dans le bocal, todos eles sucessos de vendas com edições em vários países.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.