A Guardiã, romance de estreia de Yael van der Wouden, escrito e publicado originalmente em inglês, conheceu rapidamente o êxito e foi nomeado para o prémio Booker 2024. Publicado em Portugal em outubro de 2024, pelas Edições ASA, com tradução de Maria João Vieira, é considerado um dos melhores livros publicados no ano passado entre nós. A jovem autora Yael van der Wouden tornou-se a primeira pessoa dos Países Baixos a surgir na lista de nomeações do Booker.

A escrita inicialmente seca, áspera, torna-se depois mais voluptuosa e sensual. Um dos pontos fortes do romance são, a certa altura, as belas descrições de relações sexuais, poéticas, fragmentadas.

A intriga transporta-nos para uma casa isolada nos Países Baixos, em 1961.

A Segunda Guerra Mundial acabou há mais de 15 anos, o país reergueu-se das cinzas, já quase não restam vestígios do passado.

No campo, nos arredores de Utreque, Isabel leva uma vida solitária. A mãe deixou-lhe uma casa enorme que ela mantém assepticamente ordenada, como um museu, como alguém que continua a deixar a vida passar, sentindo-se receosa de a abraçar, de a tomar como sua. Nessa casa apenas permite a entrada da criada, com quem aliás tem uma relação difícil, e os dois irmãos, quando raramente a visitam.

“Ela pertencia àquela casa porque não tinha mais nada, não tinha vida para além da casa, mas a casa, em si, não lhe pertencia.” (p. 43)

Na verdade, sendo ela uma jovem do sexo feminino, a casa onde Isabel vive não é propriamente sua, mas dos irmãos, ainda que eles aleguem não a querer.

A dada altura, um dos irmãos de Isabel vai visitá-la por uns dias, acompanhado da sua mais recente namorada, Eva. Parte pouco depois, deixando-a para trás. Provavelmente para não a voltar a reclamar…

Eva, como o próprio nome indicia, surge na vida de Isabel, uma mulher cujo nome de Santa corresponde à sua austeridade, como um furacão, rasgando rapidamente, e de todas as formas possíveis, a tranquilidade de espírito em que Isabel se tentava escudar, sem querer assumir que agora ela tinha de ser a guardiã de si própria. Isabel persiste, na verdade, na sua obsessão de escrutinar escrupulosamente o seu “castelo”, com um inventário rigoroso dos pratos no louceiro que a mãe lhe deixou, do faqueiro precioso, das relíquias que, de súbito, começam a desaparecer, a conta-gotas…

Yael van der Wouden é escritora e professora. Dá aulas de escrita criativa e literatura comparada nos Países Baixos. O seu ensaio sobre a identidade holandesa e judiaísmo, On (Not) Reading Anne Frank, teve uma menção honrosa na seleção The Best American Essays 2018.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.