O livro-ensaio «A flor amarela – ímpeto e melancolia em Machado de Assis», de Anabela Mota Ribeiro, publicado pela Quetzal, é uma óptima desculpa para se (re)ler uma das grandes obras da literatura de língua portuguesa, Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, que é considerado o maior escritor brasileiro de sempre.
Um ensaio, como a própria autora esclarece em jeito de conclusão, é sobretudo uma interrogação, um tactear caminho, onde não se procura o encerrar definitivo em concha da obra em análise mas sim o ressoar da obra, como um búzio, uma caixa de ressonância onde outras obras e outros autores encontram ou despertam ecos.
Por isso mesmo ainda que partindo de uma ideia em torno da imagem da flor amarela, que simboliza a melancolia da personagem de Brás Cubas, e do seu reverso que é o ímpeto cesariano, «um ímpeto conquistador mais ligado ao fazer social», isto é, deixar algo que perdure para lá da vida, a autora deste ensaio vai lançando pistas e deixando pontas soltas para depois as voltar a atar, ou não. Porque a literatura se mantém viva enquanto aberta a várias leituras, a autora opta por se ir questionando para depois aventar respostas possíveis, sempre com base no texto em análise, que segue de forma mais ou menos sequencial ao início, mas do qual depois acaba por se descolar, conforme as questões que o texto lança se tornam cada vez mais complexas. A melancolia, essa «miséria», «relação não-quite com a vida», que Brás Cubas tenta suprir ao querer deixar um legado que lhe dê nomeada lembra a apatia ou o diletantismo que encontraremos num dos seus seguidores ou confessos admiradores, Eça de Queirós, mais precisamente na personagem de Carlos da Maia.
Em linguagem escorreita e concisa, e frases breves, o livro é composto por 45 capítulos/fragmentos, por vezes de duas páginas apenas, à semelhança dos capítulos breves de Memórias Póstumas de Brás Cubas, todos eles igualmente intitulados de forma sugestiva, para no final, e mais uma vez tal como em Machado de Assis, interpelar directamente o leitor.
Se Brás Cubas, esse narrador que nos fala do sepulcro, segue um fio cronológico, procurando não deixar pontas soltas na obra, ainda que deixe por resolver algumas linhas melódicas que depois retoma apenas para concluir (não há personagem introduzida que não seja posteriormente recuperada), Anabela Mota Ribeiro sem procurar responder a tudo aquilo a que se propõe, nem procurar impôr uma interpretação única, vai conduzindo o leitor pela obra, em certos avanços e recuos, à medida que tenta comprovar a sua tese e enquanto vai desvendando a forma como certos acontecimentos narrados se encadeiam. Pelo caminho, mostra-nos ainda como Machado de Assis foi lido por outros (Harold Bloom e Susan Sontag, por exemplo), quais as ideias que dele retiveram, e conduz-nos ao terreno puro da filosofia de Schopenhauer – de quem bebe o pessimismo –, Nietzsche, Freud… E a partir da metade do ensaio, principalmente quando se desvela esse substrato filosófico que assiste à obra de Machado de Assis, a autora ganha mais ímpeto e este ensaio sobre uma obra literária torna-se, tal como a boa literatura, um texto sobre a vida, o sentido da vida e de como a escrita pode ser o «ímpeto cesariano» que tira sentido da vida, que lhe confere sentido, que transcende a vida:
«entretecidas com fio pessimista, há uma respiração afirmativa, motivada, a nosso ver, pelo ato da escrita. Brás Cubas, ao decidir narrar as suas memórias, e numa cirscunstância post mortem, nega desse modo a morte e a contingência inelutável do humano. Escrever transforma-se num exercício de superação.» (pág. 134).
Este ensaio é um óptimo guia de redescoberta de uma obra prima da literatura em português, onde se exploram influências, imagens recorrentes – como a da flor, metáfora de sentidos vários –, símbolos e presságios, num texto que a certa altura quase se institui como narrativa autónoma e que de forma circular, como a obra que o inspirou, deixa em aberto várias portas de entrada, insinuando que numa leitura não há fim que não remeta para o princípio (o que está magistralmente ilustrado nas Memórias), que ler um livro puxa outras leituras e é no acto da leitura que reside a continuidade da obra. Ver artigo
Este livro estava desaparecido há anos das livrarias pelo que este lançamento da terceira obra publicada por Eco (um dos nossos autores de eleição) em 1994 (na edição original italiana) são óptimas notícias que chegam da Gradiva, e com uma belíssima capa. Ver artigo
Fragmentos de uma análise:
Insânia (Relógio d’Água, 1996) é possivelmente o romance mais enigmático de Hélia Correia. O livro está dividido em duas partes e percebemos logo no início da segunda parte que se aproxima o Natal e que o primeiro livro corresponde ao período de um ano e do que se sucede na Levada desde o estranho aparecimento de uma menina sem nome que passam a chamar de Natalina. No início do segundo capítulo refere-se aliás que o freixo sob o qual Francisco Amor encontra a menina numa «dobra do caminho» «dantes, pelos fins de Dezembro, ofereceria já rebentos de folhagem» (pág. 11). Nunca se percebe bem quem dá nome à menina mas haverá certamente uma correlação entre o período em que aparece e o nome que lhe é atribuído. Também não parece inocente que quem a acolhe sejam Francisco e a esposa Mercês, de seu apelido Amor – Amor de pai, de mãe, de espírito natalício que os leva a acolher a menina por uma noite enquanto alguém não aparece para a reclamar. A associação entre o título do livro e a menina sem nome pode parecer demasiado simplista, mas a isso alia-se a estranheza em torno da menina. A descrição física de Natalina, considerada «atrasada», recorrentemente comparada a um animal («como se fosse o animal da aldeia») pela sua mudez e jeito arisco, é insólita: «olhar de água», «a sua mudez», a sua «ausência de alma», «os seus grandes olhos tão claros que podia disfarçar-se de cega e pôr-se a mendigar», «bonita como um anjo», «o quanto era suspeita a sua luz, a sua palidez» (Mas lembremo-nos de que Lillias Fraser será também descrita como uma estranha criatura).
Insânia é o ambiente que se vive na aldeia da Levada, afigurando-se esta narrativa de Hélia Correia como uma distopia em que se vive, como noutros textos da autora, um prenúncio de fim dos tempos. João Barrento escreveu que a autora cria aqui «um entre-mundo meio mágico, meio absurdo, perpassado apenas por uma ténue vontade racional, onde as personagens vagueiam entre a permanência de forças atávicas e fenómenos inexplicáveis e um processo civilizacional descaracterizado que ameaça sufocar e erradicar o velho mundo.» (pág. 73) .
Mais uma vez sem indicações temporais precisas, delineia-se um tempo de desordem, assinalado por «transtornos da terra e da humanidade» (pág. 11), que antecipa o «termo do milénio» (pág. 13), e é ominosa, através das notícias que passam nos ecrãs televisivos, a presença de uma «guerra que se via progredir à distância» mas que podia, segundo os rumores, encontrar-se já «ali a cem quilómetros», enquanto que as linhas telefónicas parecem praticamente inoperacionais, exitem «estados inteiros a arder» e a Levada vive apartada do mundo, o que pode aliás ser a razão da sobrevivência desta comunidade. Este tempo de fim do mundo (referir-se-á mesmo a palavra «apocalipse») tem também, no entanto, uma dimensão mítica de princípio dos tempos, não faltando no texto referências bíblicas: «E o vento transportava, sem fronteiras, aquela nova cólera de Deus. Qualquer coisa, chegada do princípio dos tempos, qualquer coisa sem forma e sem ideia, ia encobrindo a luz em todo o lado.» (pág. 22). Respira-se o medo, vapores tóxicos e a alimentação parece toda ela artificial, feita de cápsulas – Tito Lívio, considerado o louco da aldeia por andar livremente pelos campos, chega mesmo a arriscar comer os frutos de uma macieira que encontra e cujo sabor já esquecera…
O contacto que há com o mundo é aliás quase sempre passivo, através da televisão ou dos jogos de computador a que a juventude se dedica, claramente interrompido o ritmo normal dos dias, pois ninguém parece trabalhar, nem os jovens vão à escola, nem o Café funciona: «Sabiam, pois, que estavam esquecidos pelo mundo, apesar das cinquenta e tais maneiras com que o mundo lhes ia diariamente a casa» (pág. 129). O tempo que se vive na Levada é aliás um tempo morto e regressivo, como acontece noutras narrativas do segundo quarto do século XX (O Dia dos Prodígios, por ex.): «Parecia-lhes que ouviam escoar-se o próprio tempo, tão vagaroso que ganhara peso e assentava nas coisas como um pó.» (pág. 41); «dir-se-ia dar o tempo gigantescas passadas para trás» (pág. 56). Mas «ninguém esquecia o tempo e o som do seu pulsar» (pág. 57) referindo-se mesmo, páginas adiante, um «tédio português» (pág. 59).
Quanto ao espaço, sabemos que a acção é localizada em Portugal, designado como «País», o que lembra essa indeterminação temporal e espacial que assiste às narrativas do realismo mágico. Refere-se ainda a cidade de Lisboa e os dois outros grandes pólos são Canadá e França, o que configura no romance a temática de uma diáspora portuguesa, da emigração que desertificou certas zonas do país e reforça um sentimento de isolamento da Levada, de lugar abandonado: «À medida que os cérebros concebiam melhor a noção de estrangeiro, limpando-a do fascínio que ainda se lhe agarrava, restos das eras de ouro do turismo, mais se firmavam na intransigência, apaladada ainda pelo facto de se sentirem levemente atraiçoados, eles, que permaneceram fiéis ao seu torrão e agora entendiam que o fizeram por razões merecedoras de elogio» (pág. 64).
A afirmação da diferença através da marginalidade ou da loucura, como temos visto, são dois grandes temas dos romances de Hélia Correia, mas a insânia pode estar ainda associada ao acto da escrita. Primeiramente, ressalve-se que pela primeira vez a voz autoral se impõe como uma narradora mulher: «por isso é que eu falo de harmonia»; «estou»; «Confesso»; «Por mim, direi»; «palavra que aqui avanço como narradora» (pág. 178).
A propósito da linguagem, Agustina Bessa-Luís e José Saramago, mais uma vez, surgem como figuras tutelares da escrita da autora. Tal como José Saramago, a narradora fala com o leitor, ou consigo mesma, enquanto procura as palavras certas e se debate com o desenrolar do fio da história, usando de expressões populares, e brincando com a língua (uso de forma abusiva a expressão cratilismo da linguagem em José Saramago) de que darei apenas dois exemplos que parecem justos: «vestíbulo, palavra que aqui avanço como narradora para já a retirar, chamando hall à zona que antecede as divisões» (pág. 178); ou quando fala na família de apelido Valadios, «Como bem se imagina, convidava a que a pronúncia se economizasse para melhor proveito da língua maliciosa. E não era ali caso de ter a sugestão e a praga da palavra conseguido atraír a vítima para si, transformando-a naquilo que dela se dissesse. Pois nada tinha de vadia aquela gente, só de excessivamente confiada e indulgente com todos, até consigo própria.» (pág. 206). Há depois as frases lapidares que respiram um tom agustiniano: «E o seu sangue ganhava velocidade, tocado por aqueles sentimentos de tribo que facilmente se confundem com princípios.» (pág. 64); «É plausível que andasse ali essa mistura de susto e de ócio de onde comummente saem as mais potentes convicções» (pág. 160); «Há coisas mais potentes que a curiosidade, mesmo na alma feminil que, com a felina, reparte essa lendária acusação.» (pág. 180). Ver artigo
Este livro, acessível a qualquer leitor, recentemente publicado pela Bertrand Editora, tem como corpo central um conjunto de textos do Professor João Barrento apresentados, em alemão, nas conferências de Frankfurt e que deram origem a uma obra originalmente publicada em alemão em 1999, cujo título pode ser traduzido como “Cravos e Perpétuas. A literatura portuguesa contemporânea”.
Lê-se também na contracapa que em todos os textos, aqui devidamente revistos e adaptados mais especificamente ao contexto nacional, o ensaísta e tradutor se detém «sobre a situação da literatura portuguesa no início do século XXI e do seu lugar no meio literário e social, na escola e na universidade. Naturalmente, todos os escritos originais foram reformulados, desenvolvidos e completados para poderem integrar um corpo coerente numa edição que se constitui como síntese, naturalmente aberta e pessoal, do panorama mais recente da nossa literatura.».
O livro está dividido em cinco partes. O primeiro capítulo é justamente uma reflexão sobre a nossa contemporaneidade – balizando-a, claro que de forma conscientemente arbitrária, a partir da Revolução do 25 de Abril –, que se estende pelo segundo capítulo, onde se apura o papel social da literatura como meio privilegiado de reflexão e revisão da História, que é aliás a matéria mais tratada no romance português pós-revolução, segundo o autor, mesmo quando entra no domínio do fantástico. Partindo de algumas das premissas da Poética aristotélica, Barrento postula que «A pretensão de verdade do romancista não será então tão «rigorosa» como a do historiador, mas em compensação é bastante mais ampla (já Aristóteles dizia: mais universal). O romance amplifica as muitas variáveis que constituem a complexidade das acções inter-humanas, comenta-as e interpreta-as. O narrador assume aqui, na sua relação com o texto da História, um papel próximo do do leitor no acto de leitura propriamente dita.» (pág. 33). No final, há um excurso em torno do Memorial do Convento.
No terceiro capítulo, sugestivamente intitulado «A nova desordem narrativa: escrita feminina», o autor considera, à semelhança de outros críticos como Isabel Allegro de Magalhães, como O Sexo dos Textos, da existência ou não de uma escrita marcadamente feminina, em virtude da grande profusão de autoras mulheres na literatura pós-25 de Abril e do seu importante contributo na renovação da ficção literária, terminando com um excurso em torno da obra de uma das minhas autoras de eleição, Lídia Jorge.
Em seguida, o autor aborda o conto, para se focar finalmente no «Conto Brevíssimo», de Jorge de Sena, e, no capítulo seguinte, na poesia, terminando desta vez não com um poeta em particular mas com a Europa como tema.
O último capítulo consiste numa intervenção proferida no Brasil em 2005, que constitui uma retrospectiva e balanço do estudo realizado nos textos anteriores.
É um estudo profundo e sólido da ficção e da literatura em geral do último quarto do século passado, à semelhança do que Miguel Real fez em O Romance Português Contemporâneo, mas aqui com maior profundidade analítica, se bem que João Barrento se mostre um pouco “parcial” nos autores que mais considera: Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Agustina, Maria Velho da Costa, Hélia Correia, Augusto Abelaira, Jorge de Sena, Saramago, Lobo Antunes, Carlos de Oliveira. Mas claro que esta é uma síntese, e que indica desde logo na capa não considerar os últimos 16 anos da literatura portuguesa (1974-2000), o que pode ter também a sua razão de ser, pois se Miguel Real decidiu, e sabemos que ele é um leitor compulsivo e ecléctico, referir-se a todos os autores hoje conhecidos que se encontram nos escaparates das livrarias (numa época em que certos escritores publicam ao ritmo contratual de um livro por ano), Barrento parece preferir cingir-se aos que terão, e poderão vir a ficar, ficado para a posteridade. Em suma, a chama eterna da verdadeira literatura e as cinzas. Ver artigo
Factotum é o segundo romance do Charles Bukowski e o sétimo deste autor a ser publicado em Portugal pela Alfaguara. Partilho por agora o texto de apresentação da contra-capa:
«Uma cerveja, um engate. Mais um copo, mais uma mulher. Henry Chinaski, um jovem marginal, solitário e irremediavelmente bêbedo, vagueia pela América dos tempos da Segunda Guerra, saltanto de cidade em cidade, de emprego em emprego, cada um mais degradante que o anterior, apenas para poder sustentar as noites de mulheres e álcool. Enquanto se afunda numa espiral de vícios, vai alimentando (ou adiando) o sonho de ser escritor.
Chinaski, alter ego de Bukowski, é a perfeita encarnação de um factorum, um moço de recados ou pau-para-toda-a-obra, tão inconstante e volúvel quanto é eterno o seu criador.
Aventuroso e obsceno, divertido e desesperado, desbocado e ao mesmo tempo lírico, “Factorum” é o segundo romance do grande Charles Bukowski, nunca antes publicado em Portugal. Uma espécia de retrato do artista enquanto jovem, este é decididamente um dos melhores e mais marcantes escritos do autor americano.» Ver artigo
Entrevista a Richard Zimler realizada para o Cultura.Sul de Março de 2017
O Evangelho segundo Lázaro, de Richard Zimler, é o mais recente romance histórico deste autor (publicado pela Porto Editora) com dupla nacionalidade, portuguesa e americana, a residir no Porto desde 1990. Este romance histórico, de escrita elaborada e aturada pesquisa, leva-nos pelo lirismo da sua prosa a entrar no domínio do mítico e a conhecer a vida de Lázaro, o amigo mais amado de Cristo, tão amado que foi por si ressuscitado. Apesar de ainda escrever em inglês, Zimler é certamente um romancista querido aos leitores portugueses e incontornável no panorama cultural nacional e da cultura judaica. Ver artigo
Surge a reedição de O Sistema Periódico, de Primo Levi, pela editora Dom Quixote:
«Na véspera de se retirar do universo da Química para se dedicar exclusivamente à escrita, Primo Levi oferece-nos – ao longo de 21 capítulos, cada um com o nome de um elemento da tabela periódica – um relato da sua vida enquanto cientista, através do qual responde a inúmeras e complexas questões sobre o mundo e sobre si próprio. O Sistema Periódico é, pois, um conjunto de vivências de um químico judeu do Piemonte, combatente antifascista, deportado e escritor, vistas através do caleidoscópio da Química. As histórias cobrem a vida do autor, do nascimento à redação deste livro, passando por momentos fulcrais como a infância, a descoberta da vocação e a sua formação como químico, os amores e as amizades, o crescimento do movimento fascista italiano e o aparecimento das leis raciais, a vida na clandestinidade, a prisão e o encarceramento em Auschwitz, e o regresso aos laboratórios do campo de concentração já no pós-guerra.
Um testemunho autobiográfico único, por um dos principais romancistas do século xx.
Nas livrarias a 14 de Março» Ver artigo
Ao largo da vida – novelas e esboços é o primeiro livro de contos de Rainer Maria Rilke, publicado pela Ítaca. O livro deste autor nascido em Praga é constituído por 11 contos: uns anunciam a morte, outros a doença, enquanto que noutros ainda fica a ideia de um desejo frustrado («A fuga», «A voz»), mas em todos perpassa uma inquietante melancolia, condizente com a vida depressiva de um autor que sofreu ele próprio a tragédia.
No conto que abre o livro, «Festa em Família», assistimos a uma típica reunião familiar se não fosse, e note-se a ironia da designação de festa, o facto de estarem reunidos para celebrar o oitavo aniversário da morte de Anton. O trágico parece no entanto esconder-se sob a circunstancialidade das conveniências e dos ritos sociais, mas subjaz à descrição das cenas uma fina ironia que acusa um tom desencantado e mordaz: «Colocava as palavras como um biombo diante do prato demasiado cheio, e a sua fantasia rivalizava com o estômago na missão de fazer a digestão.» (pág. 11). Ou como na passagem em que o irmão do defunto se prepara para recitar o discurso que repete ano após ano sem nada mudar, a não ser o número de anos que se passaram, e bate com a faca na borda do copo: «Esta pequena causa teve uma série de efeitos poderosos: todas as armas interromperam a sua pressa com maior ou menor alegria, e os guardanapos surgiram como bandeiras brancas parlamentares de diferentes colos e adejaram em sinal de tréguas e paz.» (pág. 11). O que também não parece mudar, à semelhança do discurso que se profere todos os anos, é o mobiliário da casa dos von Wick a partir do qual se pode aliás traçar a história da família, ocorrendo mesmo a dada altura uma espécie de visita guiada para relembrar quem morreu onde: «era uma grande vergonha ser cadeira em casa dos von Wick onde nunca ninguém tivesse morrido» (pág. 13). No final, e por um pequeno lapso da parte de um velho criado, instaura-se um mau presságio que parece anunciar a próxima morte.
E com a velhice desse criado entramos nos próximos contos, pois a velhice – que é em si ela própria descrita como uma doença – é o traço comum a alguns dos próximos contos: «As tremuras da terrina tinham qualquer coisa de frágil, lisonjeiro, quando a aproximou dos cotovelos aguçados da criança pálida. A maioria dos olhares seguia com cuidadoso desvelo os movimentos do velho, pois ele era um raro monumento e, por assim dizer, a encarnação dos restos terrenos de todos os von Wick já falecidos.» (pág. 15).
A velhice surge descrita como uma não-vida mas tem também, para aqueles que a ela assistem ao largo, a vantagem de servir como garantia de que nada muda nos dias: «cada bom cidadão que passasse diante das janelas das duas velhas senhoras ter-se-ia surpreendido muito menos se a velha igreja, o monumento da cidadezinha, tivesse perdido de repente uma das suas torres do que se ao lado do cabelo ralo e branco de Rosinchen não surgisse a cabeça severa, tersa e estranhamente negra de Klothilde» (pág. 21). Neste segundo conto, «O segredo», Rosine parece sobreviver à sua melancolia apenas pela sua expectativa de desvendar o segredo da amiga com quem acaba por viver durante quase toda a vida sem que tivessem sequer entre si uma grande afinidade – note-se o contraste entre a cabeça branca e a cabeça negra da outra. Mas é também a sua curiosidade que a vai corroendo como um cancro.
Em «O menino Jesus», datado de 1893, sente-se uma ressonância do conto «A menina dos fósforos» que é depois confirmada: «E ela era bonita, a mãe, bonita como a fada nos contos de Andresen» (pág. 84). Em «Todas numa só», temos um rapaz que ficou paraplégico, nunca se sabe como, que talha esculturas em madeira da Virgem Maria até que pelos olhos de uma criança percebe afinal quem estava verdadeiramente a representar naquelas figuras num gesto inconsciente em que carpia a sua mágoa e solidão – «Ela é como a saudade». E o rapaz parece conferir-lhes tal importância e amor com as «suas mãos brancas de doente, mãos de rapariga» que estas quase parecem vivas, assistindo à sua infelicidade: «ficavam ao lado umas das outras em espera ociosa no sótão e não conseguiam acreditar que, mesmo unindo-se intimamente, poderiam fazer um milagre» (pág. 98).
No conto que encerra o livro, e penso que não por acaso, «Unidos» datado de 1897, assiste-se ao culminar de um confronto que de alguma forma atravessa quase todos os contos do livro, e que é uma religiosidade desencantada (sem querer entrar em autobiografismos, o autor perdeu uma filha com uma semana de vida) face à crença cega na religião, personificados numa luta entre uma mãe fervorosa e um filho doente que regressa a casa, o que traz grande alegria à mãe, apesar de ele nos dar a entender que apenas voltou para morrer: «eu sou um fruto precocemente apodrecido e cheio de vermes» (pág. 112). Mas no final fica uma nota de esperança, como o título do livro indiciava.
Proliferam os símbolos ligados à morte, como o jacinto, o Outono, o crepúsculo, a palidez das personagens, os dias claros e pálidos, o último bater de asas de uma borboleta, nestes vários contos finamente tecidos em prosa cuidada mas límpida onde as personagens estão sempre ao largo da vida. Mas é também dessa margem que podem olhar com distanciamento e ver com mais clareza aquilo que lhe confere sentido. Ver artigo
A Fenda Erótica (1988) deve antes de mais ser lido como a publicação em livro de um folhetim folicial, publicado na revista de O Jornal (onde a autora assinara antes uma crónica ilustrada) entre 6 de Fevereiro a 18 de Setembro de 1987. A autora procurava mais liberdade na criação, conforme proferiu em entrevista, face aos preceitos que a crónica lhe exigia, mas entre uma redacção que requeria prazos quase semanais, e o ter de ceder à vontade de certos leitores, resulta um folhetim em que apenas os três primeiros capítulos são exclusivamente da sua livre autoria, cuja ideia inicial de constituir uma trilogia (com outro de ficção científica e um gótico) fica gorada, com capítulos curtos e intitulados de forma sugestiva, com um final que deixa o leitor quase sempre em suspenso, intriga rápida, e uma linguagem pouco trabalhada comparativamente às suas outras obras. Resulta deste folhetim um livro contra a vontade da própria autora, ainda que o tenha intitulado, numa brincadeira maliciosa, a partir de uma citação em epígrafe de Roland Barthes: «Nem a cultura nem a sua destruição são eróticas; a fenda entre ambas é que se torna erótica.». Contudo, a obra tem a sua originalidade criativa, assume-se como jogo literário num «diálogo intertextual com o universo dos livros de aventura» , e possui traços comuns com as outras obras da autora, em particular Soma, publicada no ano anterior.
Se em Soma, era António Eliseu a desaparecer do mundo para se perder num mundo apartado do real quotidiano, aqui é Carlos B. quem parte em busca da sua mulher Ana, arquitecta com um atelier, que desapareceu pela segunda vez, e em virtude da ajuda da sua amiga de infância, a Maruja, uma mulher misteriosa e influente sobre quem ele afinal percebe saber muito pouco, vê-se arrastado numa sequência de peripécias em que não tem grande mão nas suas decisões. Deste modo, Carlos B. revela-se mais como um anti-herói do que como um herói, mas os motivos dos romances de aventura estão todos lá, mesmo que por vezes de forma paródica ou desconstruída, como uma iniciação, a viagem, o deserto, estranhos misteriosos, adjuvantes e opositores, mouros, portas secretas, labirintos e túneis em bares nocturnos, aneis com poderes, barbas e bigodes postiços, uma bruxa, um Buda, e bebidas que parecem quase sempre resultar num sono profundo e involuntário – como em Soma. Ana partilha com outras personagens de Hélia Correia essa natureza de Bovary, como em O Número dos Vivos, optando por abandonar esse marido que representa o tédio de um convencionalismo “burguês”, que também é, no entanto, descrito de forma irónica: «A vida chata da senhora casada com o seu par de filhos que um dia hão-de crescer e deixá-la sozinha, com o seu maridinho tão bom, tão regular, que não levanta a voz e já não tem mistério. Sente-se de algum modo emparedada vida.» (pág. 126). Esta questão da imagem que é quase imposta à mulher (lembremos que em O Número dos Vivos a protagonista inventa um amante para desafiar e provocar o marido) parece encontrar a sua expressão na seguinte passagem: «Fui demorando as mãos nas roupas interiores, no seu toque de seda, nas meias arrendadas, nos corpinhos, nas cintas, nos porta-ligas que a moda copiara de há cem anos para tentar tornar uma mulher casada picante e ordinária, sem perder o seu chique.» (pág. 43).
Tal como em Soma, a fuga ao real impõe-se como forma de sobreviver à monotonia: «Era uma história como existem aos milhares, uma história de gente com mais de trinta anos, um curso superior, empregos superiores, mulheres a dias, um belo apartamento que fora alcatifado e agora tinha mantas e os tacos protegidos por banhos de verniz. Dois filhos – por acaso um lindo casalinho (…). Uma casa de férias a dois passos do mar» (pág. 12). Essa fenda erótica por onde Ana se deixa cair, em fuga ao «quotidiano cinzento e repetido» (pág. 127), leva-a precisamente, através de um amante belo e perverso, ao submundo do crime, em «busca de violência, sabe-se lá, talvez, de sentimentos fortes, da experiência do perigo. De qualquer coisa que lhe apimentasse a vida, lhe avivasse os contornos e lhe desse relevo, lhe conferisse cor e sobressalto.» (pág. 126). Denota-se nesta passagem algum artifício literário, mas é justamente o tom coloquial que irá vigorar ao longo da narrativa e, pela primeira vez, na obra literária da autora encontramos um narrador na primeira pessoa, talvez como forma de melhor chegar a um público mais vasto, a par da linguagem oralizante, dada a natureza da publicação onde se enquadra o folhetim. Talvez por isso mesmo, por estar penosa ou profundamente consciente da natureza literária deste folhetim, a autora deixa-nos diversas referências, não isentas de ironia, ao seu carácter («parece um folhetim de cordel» (pág. 127), «isto está a precisar de acção. Exotismo, aventura, essas coisas assim. Se não, não tem piada. (pág. 57); «Sentia-me o herói de um folhetim qualquer» (pág. 41). Ou sucedem-se claras alusões e constantes comparações com o cinema «Nem há suspense para mudar de cena» (pág. 108); «parecia-me ridículo como um mau filme mudo» (pág. 43); «vestido como um herói de filme americano (…) com ar de Clark Gable» (pág. 93). Há, desta forma, uma metaficcionalidade claramente assumida: «as coisas começaram a suceder-se com uma velocidade difícil de narrar» (pág. 57); «as asas do perigo, como usa dizer-se neste género literário» (pág. 105). É particularmente relevante a seguinte passagem a propósito do Citröen em que Carlos B. viajará pelo deserto marroquino: «Diferentemente de outro Dois-Cavalos que, pela mão de excepcional autor, ganhou letra maiúscula e estatuto de personagem, com os seus sentimentos e trajecto vital» (pág. 105). Alude-se claramente, para um leitor informado, ao Citröen em que viajam as personagens de A Jangada de Pedra, de José Saramago, o mesmo autor que, cerca de 14 anos depois, autorizará que Hélia Correia tome emprestada a personagem de Blimunda em Lillias Fraser.
E, mais uma vez em jeito irónico, o trigésimo-terceiro e último capítulo intitulado de «Happy-end» não é o desfecho que o leitor podia esperar, pois a mulher de Carlos B. voltará a desaparecer. Consuma-se deste modo «a ironia e o distanciamento face a um certo tipo de cultura, através da construção e desconstrução de imagens míticas e de estruturas simbólicas» . Ver artigo
A acção de Montedemo (1983), novela que integra a edição de Obras Escolhidas da autora da Relógio d’Água (e adaptada ao teatro em 1987 pelo grupo «O Bando»), é situada num meio rural rico em superstições e mitos populares, e subjaz à narrativa um realismo etnográfico ou etno-fantástico, como se apelidou na altura, que lembra o das suas primeiras novelas, mas aqui mais vincado, e encontra ressonância em autores como João de Melo ou Lídia Jorge nas suas obras de estreia.
O próprio título Montedemo remete logo pela sua estranheza para o folclore e para o paganismo de uma comunidade marginal, na periferia do urbanismo ou que remonta a um tempo remoto. Este cenário eleito como espaço da acção não é rural, mas sim marítimo, pois trata-se de uma pequena comunidade piscatória, onde se joga com todo um imaginário popular de uma nação profundamente cristã. Pode-se destacar, como primeiro ponto de contacto, a importância desta montanha que surge como um símbolo de ascensão ao dívino, como o monte Olimpo, por exemplo. Relembre-se como a dada altura o povo do Rozário, em pânico, foge para a montanha e não para a igreja, a não ser quando o padre Governo tenta reprimir e desviar esse assomo de paganismo. Essa montanha denominada Montedemo, à semelhança de outros espaços cristãos que vão depois ser reconvertidos pelo cristianismo como forma de manter a adesão das pessoas que procuram certos espaços, como mesquitas que foram reconstruídas como igrejas e santuários criados em locais pagãos, acaba por ser cristianizada de igual modo. Porque já se celebrava nessa comunidade as festas de S. Jorge, esse será o nome adoptado pelo frade para baptizar o monte, para «que as festas, danças e promessas, rebeldes a qualquer proibição, fossem encaminhadas para Deus através do seu santo mais guerreiro, matador de dragões, castigo dos infernos» , mas aparentemente sem grande sucesso pois esse lugarejo continua a usar a antiga designação. O imaginário cristão ressente-se ainda através dos prodígios que ocorrem, onde se centra o mágico existente nesta narrativa, bem como na importância da simbologia dos números três e sete. É no sétimo dia, um domingo, que a terra tremeu, assinalando uma cisão temporal e anunciando a novidade que se procurará narrar, são sete as noites em que aparecem estranhos fogos e são sete as noites em que a tia Ercília espia Milena, a jovem que irá aparecer grávida. A temática da marginalidade sempre presente na obra da autora desdobra-se nas figuras de Milena e de Irene, a louca. Irene vive já isolada da comunidade enquanto a primeira, sendo uma jovem, a quem não se conhece namorado nem amante, será ostracizada em consequência da sua gravidez. Mas mesmo na figura do louco perpassa sempre, enquanto símbolo das forças obscuras do inconsciente uma certa capacidade de comunicar com o invisível e de pressentir o porvir: «Estava a população cansada de prodígios e ninguém deu ouvidos a Irene que, de joelhos sobre o areal, invocou sem parar deuses e astros, pressentindo maiores assombrações.» . Os acontecimentos ocorrem às três horas da tarde e ocorrem ainda, por três vezes consecutivas, outros eventos como o tremor da terra e as ondas imóveis no mar, como um manto de cor púrpura, fazendo-se mesmo uma comparação do «brilho gorduroso» dessas águas com a «túnica de Cristo da Procissão dos Passos» . A própria gravidez de Milena será imbuída de toda uma aura de sobrenaturalidade, além de a fazer renascer, pois torna-se investida de uma sensualidade que nunca antes possuiu e de uma «beleza indecifrável» . Mas há depois uma inversão irónica, pois a criança que nasce é negra, negra como uma criatura do demónio. O povo podia até perdoar uma gravidez fora do casamento sem a bênção do padre, mas «agora tudo isso e um filho mulato… é de mais. Só por obra do Diabo.» . Por outro lado, a intriga decorre numa circularidade, ocorrendo o acontecimento-chave aqui na altura do Carnaval, aqui transmutado ou associado às festas de S. Jorge que sucedem justamente no segundo domingo de Fevereiro. O carnavalesco ou esse ambiente próprio das saturninas romanas concretiza-se no facto de os pares de noivos prestes a casar irem até às encostas desse monte, a coberto da noite e contra as leis da igreja, onde «encostavam à terra a boca e a barriga, pedindo para os corpos prazer e harmonia e para o sangue filhos sãos e machos» . O romance termina com um final em que ressoam certos romances góticos ou mesmo cenas próprias de um filme de terror em que a populaça converge numa massa assassina para atacar Milena e erradicar essa mácula que sentiam ser fruto de desgraça. Surge assim um antagonismo invertido entre o paganismo, concretizado na gravidez de Milena, e o cristianismo, concretizado na populaça, mas enquanto Milena permanece cristãmente serena, a população que se aproxima age movida pelo desejo de sangue. E quando Irene avista essa turba irada é sintomático que esta seja descrita e percebida como uma enorme serpente: «Eram órgãos, tecidos, de um enorme animal, uma serpente. (…) um réptil gigantesco, eis o que Irene viu quando espreitou porque sentira gente» . É graças a esse grito desmesurado de Irene que Milena se salva, desaparecendo misteriosa e definitivamente. Uma serpente que luta contra um filho das ervas, como outrora esses noivos que se deitavam na erva e pediam fertilidade, fruto de uma mãe a quem não se conhece um pai e cuja gravidez poderia passar por uma imaculada concepção, como quando se descreve o ventre de Milena: «redondo, tenso e resplandecente como uma madrepérola» , uma serpente que não é pisada por Santa Irene pois limita-se a evadir-se do mundo. Esse prodígio, de que depois se fala como um enigma a decifrar, é, aliás, um presságio de novos tempos, em que as festas pagãs de S. Jorge terminaram e o padre reclama «que se está a dar início a coisas perigosas, a bruxedos, como se não bastasse o desarranjo em que andam as repúblicas do mundo» . Cláudia Pazos Alonso considera, de forma assaz curiosa, que Milena pode representar o culminar de uma «síntese de diferenças anteriormente irreconciliáveis (…), cujo nome funde os dois aspectos do feminino que o patriarcado há muito separara em duas imagens incompatíveis: o anjo e a tentadora. Pois Milena é, muito provavelmente, um diminutivo de Maria Helena: Maria, a Virgem e Helena, a sedutora de Tróia.» . Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016