A Casa da Fortuna, também com tradução de Catarina Ferreira de Almeida, inicia a ação 18 anos depois do final do primeiro volume, justamente no dia do aniversário de Thea, em 1705. Ou seja, a criança que nasce no final de O Miniaturista, completa agora 18 anos e está em idade casadoira. Sem querer estragar a leitura do primeiro romance, ressalve-se que o dia de anos de Thea é toldado pela tristeza de duas mortes que também se assinalam nesse dia. Vive rodeada de pessoas que a amam – o pai, Otto, a tia, Nella, e a ama de leite Cornelia –, embora este trio se pareça desentender permanentemente entre si, particularmente Otto e Nella, cujas discussões ao longo do livro são constantes. A glória da casa, onde havia inclusivamente uma peculiar e dispendiosa réplica em miniatura, feita com os mesmos materiais da casa original, perdeu-se definitivamente. Se antes conseguira manter a casa e a família à tona com o negócio do açúcar, numa gloriosa Amesterdão – que começa também a perder algum brilho, tornando-se mais austera e contida –, Nella vê-se agora obrigada a despir de quadros as paredes da casa, que tenta vender por algumas centenas de florins. Depois de 18 anos a tentar sobretudo providenciar o melhor para Thea, e da mesma forma que a própria Nella se viu obrigada a casar aos 18 anos, para salvar o nome de honra da sua família, Nella não discerne uma alternativa que não seja casar rapidamente a sobrinha. Além disso quer Nella quer Thea se enamoram, tão somente para, logo a seguir, verem as suas esperanças no amor soçobrarem, pois os homens a quem amam traem a sua confiança. Outra semelhança ainda entre Nella e Thea, é a jovem começar igualmente a receber misteriosas encomendas deixadas na soleira da porta, com miniaturas cujo realismo é tão enfeitiçante quanto desconcertante, ao ponto de as suas portadoras se convencerem de que estas miniaturas contêm uma estranha magia, a ponto de terem a capacidade de representar as pessoas que lhes servem de modelo. De resto, Nella e Thea não poderiam ser mais diferentes, nomeadamente pelo espírito mordaz e determinado de Thea, pronta a arriscar tudo em nome do amor, enquanto Nella se conformou com o seu infeliz desenlace, e tendo ficado viúva tão pouco tempo depois do casamento, optou por nunca mais casar, crente inclusivamente de que seria muito mais livre assim. Nella, por seu lado, parece ter adquirido o calculismo e a frieza de Marin, até nas suas réplicas cortantes, e pela forma como reprime os seus sentimentos, talvez por força de ter de controlar os livros-razão que sustêm a casa desta estranha família: “há quanto tempo vivem eles por um fio, o simulacro de uma família abastada? O que serão, afinal, senão uma incómoda reunião de almas que vacilam à beira do abismo?” (p. 199)
Ao longo das primeiras páginas de A Casa da Fortuna, é quase imediata a percepção de que o livro acompanha sobretudo a vida desta jovem, a partir da sua perspectiva, narrando os eventos na terceira pessoa. Gradualmente, Nella retoma alguma da centralidade do romance anterior. Embora Thea se veja tão rodeada de mistérios e segredos na casa onde cresceu, nunca tendo chegado a conhecer a mãe, e sobre a qual sabe muito pouco, é seguro dizer que A Casa da Fortuna não mantém a mesma pujança, lirismo ou suspense de O Miniaturista. Torna-se também claro que este último romance pode ser lido autonomamente, pois há breves notas explicativas referentes à acção do primeiro.
Jessie Burton nasceu em 1982 e vive em Londres. Estudou na Universidade de Oxford e na Royal Central School of Speech and Drama. Trabalhou durante nove anos como atriz, em teatro e televisão, antes da publicação de O Miniaturista, bestseller internacional premiado, traduzido para 36 línguas e adaptado à televisão pela BBC com
Anya Taylor-Joy (The Queen’s Gambit) no principal papel.
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