O Avô Rui. O Senhor do Café é um livro infanto-juvenil com texto de Mariana Jones e ilustração de Joana Gancho, publicado pela D. Quixote. Esta novidade traça o percurso de vida do senhor Rui desde os tempos em que era apenas o menino Rui, e já dizia que ia ser grande, até se tornar no senhor comendador. Ver artigo
A propósito da atribuição hoje do Prémio José Saramago, lembrei-me de publicar esta recensão, ainda que extensa, publicada recentemente na Colóquio Letras
Afonso Reis Cabral venceu o Prémio Leya em 2014 e ficou sobejamente conhecido, e publicitado, como o trineto de Eça de Queirós. Venceu, na categoria de Promessa, ainda em 2017, o Prémio David Mourão-Ferreira.
Ao jeito de uma nova geração de autores, Afonso Reis Cabral tece um romance que se pode definir como documental, confluindo numa tendência que congrega romances da mais recente ficção literária produzida por jovens escritores, como é o caso de Hoje estarás comigo no Paraíso, de Bruno Vieira Amaral, em que se entretece ficção, ensaio e facto. O autor tinha sensivelmente a idade dos protagonistas, quando se deu o caso de Gisberta Salce Júnior, uma transexual brasileira assassinada, em 2006, no Porto, por um bando de 14 miúdos, entre os 12 e os 16 anos. Depois de agredida por vários dias, foi atirada para o fundo de um poço. A autópsia confirmaria depois que, ao contrário do que os agressores julgavam, Gisberta ainda se encontrava viva. Afonso Reis Cabral leu a decisão do Tribunal de Família e Menores do Porto, conversou com testemunhas, consultou autos policiais e relatórios forenses que lhe permitiram estruturar a sua obra numa confluência entre realidade(s) e ficção. Confrontou, ainda, relatórios do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para averiguar o estado do tempo na altura; percorreu caminhos e ruas entre a Oficina, a Escola Básica e o complexo habitacional devoluto do Pão de Açúcar, atentando em pormenores que enformariam a sua obra. Optou, no entanto, por escrever ficção, uma outra história, a sua, em torno de uma história real e amplamente difundida e comentada, não querendo falar com nenhum dos jovens envolvidos, ainda que se aproprie da voz de um deles para retratar o vivido. E ainda que algumas das falas das personagens sejam citações diretas dos documentos consultados…
A perspectiva adoptada é a da primeira pessoa, como convém aliás a uma narrativa que, mais do que documentar a atrocidade de um ato de violência, procura encontrar a consciência e desvendar a natureza humana daqueles que são capazes de cometer tal ato. Declara o autor em entrevista que gosta de «criar narradores não fiáveis (…) que possam gerar empatia» embora sejam eles mesmos «os desencadeadores de acções reprováveis» (Diário de Notícias, 13-10-2018, p. 25). Na «Nota antes» com que se inicia o livro, o autor apresenta a personagem que tomará as rédeas da narrativa, e apesar de parecer querer demarcar-se sempre do corpo que dá voz à história, até na ironia com que o descreve, começa ainda assim por se identificar com a personagem de Rafael Tiago, ainda que por contraste ou de modo indireto: «um tipo pouco mais novo do que eu» (p. 9). Tome-se como exemplo a passagem: «Está farto de afinar sistemas de injecção e de seguir as ordens do superior, aperta aqui, enlaça ali, e quer mudar para marcenaria porque diz que Jesus era carpinteiro e ele admira muito Jesus. Fico com a ideia de que acha Cristo um outro Churchill» (p. 9). A voz narratorial inicial, onde se denota inclusive ironia e humor, acaba por se subsumir depois, uma vez que terminada esta «Nota antes» em que o autor dá conta de como Rafael Tiago lhe terá passado a história, como quem passa o testemunho, será depois praticamente impossível encontrar em toda a narrativa qualquer moralismo ou juízo de valor em relação ao comportamento e atos das personagens. Embora o autor procure anular-se em prol da voz de Rafael Tiago, criando uma voz narratorial impecavelmente isenta de moralismos ou juízos de valor, o trabalho sobre a escrita, mesmo que seja em geral direta e despojada, vai além do depoimento. O narrador adota um registo próximo da oralidade e dá a entender as suas limitações em momentos específicos. É manifesta a sua admiração por Samuel, amigo que considera dotado de um dom devido ao seu talento para o desenho, ou até pelo falador Nélson: «Nélson contava-nos histórias com a facilidade de quem não foi amarrado pela vida e não sabe sequer que as palavras valem por si próprias.» (p. 115). É inegável que nem sempre o trabalho sobre a linguagem consiste em despi-la até ao osso, pois a escrita acaba sempre por se revelar mais poética e elaborada em algumas passagens. O autor-narrador pretende, portanto, transparência neste preâmbulo, ou talvez intente justamente iludir o leitor, deixando claro que a história pertence a Rafael: «A história é tua, como se fosses tu a contá-la, mas eu escrevo-a por ti» (p. 13). Se a narrativa pretende resultar da rememoração de Rafael, ao relembrar os factos ocorridos (e provocados por si) aos doze anos, a verdade é que o autor e o protagonista e narrador nunca se cruzaram.
O tema é complexo, e apesar da repulsa que é manifestamente sentida por Rafa e por outros dos jovens de 12 anos que, depois de conhecerem Gisberta e inclusive cozinharem para ela, no fim a agrediram e mataram, o autor deixa de lado questões mais delicadas como a homofobia ou a transfobia. Interessa aqui, e daí a opção por este ângulo, partir da óptica de Rafa e contar a história pela voz de um dos agressores, a indecisão entre o repúdio e o desejo de proteção, o nojo e a necessidade de afeto, de criar um laço emocional com alguém, que por vezes chega a confundir-se com uma mãe ou companheira. O que mais parece ressaltar na narrativa, além da miséria da condição humana, da colisão de mundos sociais, da indefinição do desejo, é justamente a complexidade da natureza da relação afetuosa entre Rafael, ou mesmo os outros rapazes do grupo, e Gisberta. Ora reagindo com repulsa, ora sentindo afecto, Rafael encontra neste ser andrógino o mais próximo de uma figura maternal ou amorosa. O livro não o diz claramente, o que não deixa de ser curioso, mas quem seguiu o caso na comunicação social e teve oportunidade de ver fotos, saberá que a transsexual Gisberta era bastante bonita. E é assim que é relembrada, nas analepses que compõem a sua vida antes do degredo no Pão de Açúcar, em que, seropositiva, atingiu um ponto em que o próprio cheiro surpreende quem a visita. É ainda revelador que Rafael encontre Gisberta a propósito do seu plano de restaurar uma bicicleta que encontrou e esconde no edifício, transferindo depois esse cuidado conforme a conhece, atribuindo-lhe mesmo um sentido de continuidade: «A Gi é que continuava por arranjar, merecedora da minha atenção, sim, até porque nunca ficaria boa, a julgar pelo aspecto. Alegrava-me saber que esse projecto não teria fim» (p. 72).
O tempo da intriga é claramente indicado como convém a uma história que se inspira em factos reais: «Acho que era Janeiro, até porque a data final disto é 22 de Fevereiro às oito e meia da manhã e, apesar de agora parecerem meses, a verdade é que não passaram sequer sete semanas até as coisas acabarem» (p. 25). Dentro desse tempo, surge uma lógica cinematográfica na narrativa, que se desenrola em 56 capítulos curtos, conformes aliás ao tempo da ação, sucedendo-se a um ritmo rápido pautado pelo escalar de uma situação. Os capítulos assemelham-se a cenas, pelo modo como entre um e outro muda o cenário da ação ou as personagens. Há casos mais peculiares como o momento em que se revela finalmente que Gisberta é na verdade um homem travestido. Quando Rafa decide levar os amigos Nélson e Samuel à cave do prédio abandonado onde vive Gisberta e Nélson se apercebe que «A gaja é feia como um homem!» (p. 87), Rafa consegue calá-lo, da mesma forma que no capítulo seguinte (cap. 18) temos uma analepse em modo de flashback, em que se descreve Gisberta num dos seus shows, com vista a construir a personagem que agora encontramos como um farrapo humano. Retomando-se a ação no ponto em que ficou, o da revelação, Nélson procura assegurar-se de que Samuel também percebeu que Gi é um homem, ao que este lhe responde laconicamente «Estás a falar de quê? Eu já a conhecia» (p. 95). O capítulo termina justamente aí e dá um salto, como se se mudasse de cena, para apenas retomar o assunto de como Samuel a conheceu capítulos depois. Quem leu a sinopse ou acompanhou o caso na comunicação social, em 2006, percebe que não há muito espaço para mistério na intriga, mas o autor tenta ainda assim manter o suspense ou talvez seja antes a ambiguidade conforme ao género de uma pessoa cuja natureza íntima está dividida e se revela num corpo dúplice. À semelhança do que sucedia na sua primeira obra, O Meu Irmão, em que apenas no final do segundo capítulo o leitor percebe a especial condição de Miguel, o irmão com síndrome de Down, aqui apenas se desvela o género sexual de Gisberta a pouco menos de metade do livro:
Esgotada, rendida à sala, despiu o vestido, que lhe caiu aos pés, qual auréola às avessas. E agora não assobiavam nem batiam palmas, queriam-na junto de si. E agora viam bem o cabelo a dar-lhe pelos ombros nus, o peito como deve ser, muito branco e firme, a cintura fina antes da anca larga. E agora viam bem a virilha depilada e, sem surpresa, o pénis entre as pernas. (p. 91)
A linguagem é escorreita, concisa, adequada à tensão narrativa que se pretende manter e prende o leitor num ritmo quase vertiginoso, à medida que prosseguimos, com um discurso narrativo que recorre inclusivamente a uma linguagem gráfica, conforme ao vernáculo das personagens. Através desta linguagem, é revelado no romance através de uma luz crua o lado sombrio de uma cidade, de um país, de uma comunidade marginal, sem comiseração ou sequer empatia pelos seres que as habitam. O autor incorre em risco e ousadia ao ficcionar o quotidiano e a realidade deste grupo de jovens, provindos de «famílias de merda» (p. 34). Note-se que quando a mãe de Rafael o procura…
Quando ela me visitava na Oficina, acabava a chorar porque depois da morte do meu pai ninguém a amparava (…) – e já lhe tinham tirado três ou quatro, como era possível? Como é que se governava? Quer dizer, três ou quatro filhos roubados a uma mãe necessitada. Para ela, a maternidade era uma fonte de água imprópria para consumo, só jorrava porcaria. (p. 24)
Existe, na obra, uma certa sensibilidade em relação ao trabalho da arte, nomeadamente através das considerações de Rafael em torno de Samuel, o desenhador, cujo nome rima com o do nosso anti-herói. O episódio citado em seguida demarca-se aliás na narrativa, pois há muito pouco espaço para contemplação ou fascinação perante a beleza que se desvela na arte:
Eu disse «Que lindo» e o Nélson até suspirou.
O Samuel mostrou-se indiferente, não lhe interessava o mar, ou melhor, disse que dali não víamos o mar. Víamos só uma mancha azul, paisagem parada como outra qualquer – e, quanto a ele, o mar era o oposto disso.
Quis esmurrá-lo porque a exclamação foi para lhe agradar, mais ou menos como dizer por outras palavras que o admirava. Nenhum de nós tinha aquilo a que hoje sei chamar dom, arte num sentido diferente da arte de garagem. Na altura, o dom escapava a nomes, por isso «Que lindo» foi a minha tentativa de expressar a realidade de maneira mais perfeita, tirando imagens de um sítio para as colar noutro. (p. 19)
O final do romance, que não contempla o desfecho das consequências do crime, parece curiosamente encontrar-se narrado no início, quando Rafael divaga sobre a sua morte no fundo do poço:
Eu imaginava-me no fundo de um poço.
Um passo em falso e caía, contorcido na lama e na água estagnada. Ainda via as sombras do Samuel e do Nélson e ouvia «Rafa, como é? Estás bem?», mas já não respondia, demasiado ocupado a morrer. E então morria, mas sei lá como ficava consciente das cercanias e do corpo, coisa mirrada que seguia o processo. Primeiro o rigor da morte, depois a putrefacção, as varejeiras, os ovos das varejeiras e então as larvas. (p. 18-19)
No final do livro há duas páginas em que se coligem diversos excertos de recortes de imprensa que ecoam a tragédia e dão conta da produção artística que resultou do caso de Gisberta, como o monólogo «Gisberta» no teatro por Rita Ribeiro, a peça teatral do brasileiro Luís Lobianco levada a palco em 2018 em Lisboa e no Porto com texto de Rafael Souza-Ribeiro e encenação de Renato Carrera, um documentário, uma curta-metragem «A Gis» de Thiago Carvalhaes em 2016, um poema elegíaco de Alberto Pimenta intitulado «Indulgência Primária», e uma canção de Pedro Abrunhosa («Balada de Gisberta») interpretada por Maria Bethânia.
Apesar de, em diversas recensões e entrevistas publicadas, se referir que não há relação com O Meu Irmão, a obra anterior do autor, a verdade é que ambas procuram debruçar-se sobre o mal na natureza humana.
Em síntese, fica a ideia de que Afonso Reis Cabral já encontrou a sua voz: «Conheci-o num dia em que granito, asfalto e cimento assentavam na cidade como a primeira neve. Só no Porto tanto feio e tanto betão se parecem com uma coisa bonita, o que vale de pouco, já que o encanto acaba quando bate o sol. Pelo menos o sol não bate assim tantas vezes» (p. 9-10). Aqui, o que o autor procura é desaparecer de cena e dar corpo à recriação de um momento inconcebível na vida de pessoas de carne e osso que agem de forma inimaginável – ler o que a imprensa publicou é só por si perturbante –, mas nem por isso impossível de se ficcionar.
Sensivelmente um ano depois de Um Gentleman em Moscovo, a Dom Quixote publica As Regras da Cortesia e, novamente, numa belíssima edição de capa dura, com excelente tradução de Tânia Ganho, que aliás enriquece a leitura com contexto sócio-cultural relativo ao cenário e indica cirurgicamente as alusões e jogos literários que pontuam a narrativa. Apesar de publicada em segundo lugar, esta foi a obra de estreia de Amor Towles. O autor nasceu em Boston, formou-se em Yale e este seu primeiro romance, originalmente publicado em 2011, foi considerado um dos melhores livros do ano pelo Wall Street Journal, traduzido para mais de 15 línguas e teve os direitos de adaptação ao cinema comprados – pode-se aliás imaginar uma adaptação ao estilo do The Great Gatsby de Baz Luhrmann. O escritor trabalhou durante 20 anos como investidor e dedica-se agora exclusivamente à escrita.
A acção inicia na última noite do ano de 1937, quando Katey, filha de emigrantes russos, e Eve, a sua colega e quarto e melhor amiga, conhecem Tinker, um jovem banqueiro e um verdadeiro cavalheiro, envolto no seu sobretudo de caxemira, num clube de jazz com o esperançoso nome de The Hotspot. Contado a partir da sua perspectiva numa sábia e bem-sucedida meia-idade, cerca de 30 anos depois, Katey vai relembrar como se apaixonou, como viveu e sofreu, como iniciou a sua escalada social. E, apesar de ser sempre um tema delicado e uma declaração passível de polémica, a voz narrativa na primeira pessoa, filtrada pela perspectiva da protagonista, é de tal modo bem conseguida que sentimos que o autor do romance é, na verdade, uma mulher.
Neste livro ressoa ainda a paixão do autor pela Rússia (cenário do seu segundo romance) e pelos autores russos, além de haver um constante jogo intertextual com diversas obras, poemas e autores. O próprio título da obra é adaptado a partir de um guia de boas maneiras de George Washington e quase todos os títulos de capítulos contêm referências literárias, ou não fosse a jovem heroína uma leitora inveterada. Note-se aliás esta passagem: «Coberta de neve em pó, Washington Square não podia estar mais bonita. (…) No número 25, uma mão abriu uma cortina no primeiro andar e o fantasma de Edith Wharton contemplou a praça com tímida inveja. Doce, perspicaz, assexuada, observou-nos a passar, perguntando-se quando é que o amor que ela imaginara com tanta mestria ganharia coragem para lhe bater à porta.» (p. 36)
É curiosa a tímida dicotomia que se tece entre a vida na alta sociedade e a maravilha de nos retirarmos do mundo e viver em simplicidade como no Walden de Henry David Thoreau, mas é inegável que a verdadeira protagonista deste romance é a sedutora cidade de Nova Iorque, quando emerge vitoriosa do fim da Depressão, apesar da guerra que se avizinha na Europa.
Através de Tinker, Katey conhece toda uma nova sociedade e descobre o conforto do luxo, mas sem nunca se deslumbrar: «quando uma pessoa perde a capacidade de tirar prazer do mundano – do cigarro fumado na soleira de casa ou da bolacha de gengibre comida no banho e imersão –, provavelmente colocou-se numa situação de perigo desnecessário.» Podemos até não concordar com estes pequenos prazeres, e optar por outros, mas o certo é que «temos de estar prontos para lutar pelos prazeres simples da vida e para os defender da elegância, da erudição e de toda a espécie de tentações cheias de glamour.» (p. 159) Para nós leitores, este será certamente um desses prazeres da vida.
A acção inicia na última noite do ano de 1937, quando Katey, filha de emigrantes russos, e Eve, a sua colega e quarto e melhor amiga, conhecem Tinker, um jovem banqueiro e um verdadeiro cavalheiro, envolto no seu sobretudo de caxemira, num clube de jazz com o esperançoso nome de The Hotspot. Contado a partir da sua perspectiva numa sábia e bem-sucedida meia-idade, cerca de 30 anos depois, Katey vai relembrar como se apaixonou, como viveu e sofreu, como iniciou a sua escalada social. E, apesar de ser sempre um tema delicado e uma declaração passível de polémica, a voz narrativa na primeira pessoa, filtrada pela perspectiva da protagonista, é de tal modo bem conseguida que sentimos que o autor do romance é, na verdade, uma mulher.
Neste livro ressoa ainda a paixão do autor pela Rússia (cenário do seu segundo romance) e pelos autores russos, além de haver um constante jogo intertextual com diversas obras, poemas e autores. O próprio título da obra é adaptado a partir de um guia de boas maneiras de George Washington e quase todos os títulos de capítulos contêm referências literárias, ou não fosse a jovem heroína uma leitora inveterada. Note-se aliás esta passagem: «Coberta de neve em pó, Washington Square não podia estar mais bonita. (…) No número 25, uma mão abriu uma cortina no primeiro andar e o fantasma de Edith Wharton contemplou a praça com tímida inveja. Doce, perspicaz, assexuada, observou-nos a passar, perguntando-se quando é que o amor que ela imaginara com tanta mestria ganharia coragem para lhe bater à porta.» (p. 36)
É curiosa a tímida dicotomia que se tece entre a vida na alta sociedade e a maravilha de nos retirarmos do mundo e viver em simplicidade como no Walden de Henry David Thoreau, mas é inegável que a verdadeira protagonista deste romance é a sedutora cidade de Nova Iorque, quando emerge vitoriosa do fim da Depressão, apesar da guerra que se avizinha na Europa.
Através de Tinker, Katey conhece toda uma nova sociedade e descobre o conforto do luxo, mas sem nunca se deslumbrar: «quando uma pessoa perde a capacidade de tirar prazer do mundano – do cigarro fumado na soleira de casa ou da bolacha de gengibre comida no banho e imersão –, provavelmente colocou-se numa situação de perigo desnecessário.» Podemos até não concordar com estes pequenos prazeres, e optar por outros, mas o certo é que «temos de estar prontos para lutar pelos prazeres simples da vida e para os defender da elegância, da erudição e de toda a espécie de tentações cheias de glamour.» (p. 159) Para nós leitores, este será certamente um desses prazeres da vida.
Se o leitor não atender ao título, pode surpreendê-lo que os 16 ensaios e discursos de Jonathan Franzen, reunidos neste volume, publicado no final do ano passado pela D. Quixote, se debrucem não sobre literatura ou escrita, mas essencialmente sobre o meio ambiente; detentor de uma voz pessimista, ou cruamente realista, de que as medidas que sejam tomadas simplesmente já não podem evitar o pior, pois mesmo que tudo se mude, como se defendia há mais de 20 anos, a ideia de que a aceitação universal dos factos e uma acção colectiva à escala mundial pode travar o pior é, afinal, uma ficção (p. 27). Note-se como Moçambique, no espaço de um mês, foi assolado primeiro pelo ciclone Idai (que eu vivi, aqui na Beira) e depois pelo Kenneth, provocando centenas de mortos e dezenas de milhares de desalojados, naquele que já é considerado o pior cenário de catástrofe ambiental do Hemisfério Sul.
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Akiara
Alfaguara
Annie Ernaux
Antígona
ASA
Bertrand
Bertrand Editora
Booker Prize
Caminho
casa das Letras
Cavalo de Ferro
Companhia das Letras
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições Tinta-da-china
Elena Ferrante
Elsinore
Fábula
Gradiva
Hélia Correia
Isabel Allende
Juliet Marillier
Leya
Lilliput
Livros do Brasil
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Minotauro
New York Times
Nobel da Literatura
Nuvem de Letras
Pergaminho
Planeta
Porto Editora
Prémio Renaudot
Quetzal
Relógio d'Água
Relógio d’Água
Série
Temas e Debates
Teorema
The New York Times
Trilogia
Tânia Ganho
Um Lugar ao Sol