In Memoriam, de Alice Winn, publicado pela Casa das Letras, com tradução de Sebastião B. Cerqueira, venceu o Prémio Waterstones de Primeiro Romance 2023. Esta história de amor entre dois jovens soldados na Primeira Guerra Mundial é o seu romance de estreia.

A acção inicia em 1914 – com algumas analepses a esclarecer os anos da educação e do início da amizade dos dois jovens protagonistas.

Henry Gaunt, Sidney Ellwood e os colegas, estudantes de um colégio interno no campo inglês, ouvem falar da guerra como um eco distante. Aos dezassete são ainda jovens, e as suas brincadeiras e constantes provocações ilustram o seu estado de ingénua inocência. Até ao dia que Gaunt é interpelado por uma mulher, que o acusa de fugir à guerra apesar de ser um latagão e lhe entrega uma pena branca. Além disso, Gaunt recebe a visita da mãe, alemã, no colégio, que lhe pede para se alistar como oficial no exército britânico a fim de proteger a sua família dos ataques anti-alemães, das constantes suspeitas e acusações de serem espiões.

Mas, aos dezassete anos, também já não são assim tão jovens que não sintam uma certa excitação perante a ideia de se alistar e viver momentos mais emocionantes do que as aulas de grego. Nem são tão inocentes que não travem as suas próprias batalhas privadas, nomeadamente o desejo de Gaunt pelo seu melhor amigo, Ellwood. Como alunos de um colégio interno de rapazes, as amizades especiais e as brincadeiras são prática generalizada, e subentendida. O que nunca se pode (como acontecia com a mulher de César) é deixar passar a suspeita; ou seja, toda a gente sabe, mas não se fala nisso. Uma das situações mais gritantes do livro é o modo como um dos rapazes se autoagride, de forma a que as marcas físicas sejam um testemunho de que ele foi arrastado para o quarto do colega para ser violentado…

O desejo nunca declarado, mas sempre eminente, é tão premente que até o toque queima – a narrativa é muito subtil ao indiciar as pulsões homossexuais dos dois jovens, e centra-se sobretudo na perspectiva de Gaunt, até que a narrativa muda (tem de mudar) o foco.

“Tinha amado Ellwood em vão porque pensava que não era recíproco, mas agora que sabia que era, não deixava de ser tudo em vão.” (p. 204)

Um romance que mostra a inutilidade da guerra, que revela como afinal as facções distintas podem entender-se (é sempre um choque para os alemães quando se apercebem que um soldado inglês fala alemão correctamente), que se interroga como é que num mundo virado do avesso até que ponto as convenções se continuam a justificar. Na voz narrativa acusa-se, ainda assim, a perspectiva de uma autora que está além daquele tempo, a questionar a futilidade e vacuidade de tudo.

“Eram muito clarividentes, os gregos. Não disfarçavam o mundo de romance e cavalheirismo, não arrastavam tontos com inclinações poéticas para o meio do mal.” (p. 433)

Alice Winn cresceu em Paris e foi educada no Reino Unido. É licenciada em Literatura Inglesa pela Universidade de Oxford. Vive em Brooklyn.

print
Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.