Depois de um ano de 2016 particularmente generoso para Amos Oz, o escritor israelita mais lido no mundo, com a estreia no cinema da adaptação de Uma História de Amor e Trevas e com os prémios com que Judas foi distinguido, a Dom Quixote lança este conjunto de oito narrativas breves mas interligadas onde as personagens principais de uma história podem depois aparecer breve e indirectamente retratadas noutra.
O autor regressa ao espaço onde começou a escrever, fazendo de um kibutz (uma comunidade em Israel baseada no trabalho colectivo e na assistência mútua) durante os anos 50 a verdadeira personagem principal deste livro. As narrativas entretecem-se de modo a retratar a realidade múltipla e complexa de um espaço que se quer uno e uniforme onde, apesar de se viver numa comunidade fechada e essencialmente colaborativa, a solidão é ainda assim uma constante aparente no seio das várias personagens que deambulam nestas páginas.
Apesar de o livro tomar o título a partir de uma das histórias do livro, é na narrativa seguinte, sobre o jovem Moshe e o seu trabalho num galinheiro, que melhor se pressente alguma intenção crítica do autor em relação à descrição da vida no kibutz, onde se parece estabelecer uma comparação indirecta entre as galinhas presas nas gaiolas e os habitantes de um espaço fechado como o kibutz: «nunca houve nem haverá entre as galinhas duas exactamente iguais. A nós pareciam-nos todas iguais, mas elas diferem umas das outras tal e qual os seres humanos pois, desde a criação do mundo, ainda não nasceram duas criaturas perfeitamente iguais. No seu íntimo, Moshe já decidira que um dia seria vegetariano e talvez até vegan, mas resolvera adiar a concretização da decisão, porwque não é fácil ser vegetariano na companhia dos jovens do kibutz» (p. 66). As experiências pessoais parecem assim anular-se à sombra de um sonho colectivo, onde é inevitável abdicar da liberdade, pois querer vincar a nossa vontade só pode ser um acto egoísta.
A própria diversidade de pontos de vista, de uma narrativa e de uma personagem para outra, permite complexificar a problemática do kibutz e da ideologia que representa, sendo que o seu futuro parece aliás ameaçado: «Daqui a vinte ou trinta anos os kibutzes não serão mais que bairros ajardinados e os seus habitantes proprietários de casas satisfeitos.» (p. 161). Ver artigo
Cora é uma jovem escrava que nasceu numa plantação de algodão e apesar de nunca o ter ponderado é confrontada com a possibilidade de escolha quando Caesar lhe propõe fugir. Cora diz que não à primeira, sendo essa recusa automática a voz da avó dela, Ajarry, a falar em si. Lemos depois como Ajarry viu o mar pela primeira vez, quando é levada para as masmorras onde mulheres e crianças raptadas nas aldeias de África esperavam pelos barcos que as levariam para as Américas. Durante o seu percurso Ajarry será vendida por várias vezes, passando de uns negreiros para outros; tenta matar-se por duas vezes, na travessia do Atlântico; é marcada por várias vezes, como uma peça de gado; e o seu preço vai flutuando ao sabor do mercado, até porque há excesso de raparigas na altura, até ser vendida por duzentos e noventa e dois dólares.
Três semanas mais tarde, quando Caesar lhe volta a falar num caminho de fuga Cora acaba por dizer que sim, e dessa vez sente que é a voz da mãe, Mabel, a falar por ela, a única escrava que terá conseguido fugir da plantação.
Cora é uma personagem intrigante. Se ao início julgamos que é louca, como os restantes escravos a consideram, assistimos depois a um crescendo da personagem. Cora aliás percebe claramente a verdadeira razão por trás do convite de Caesar para o acompanhar na sua fuga: «- Achas que sou uma sortuda encantadora porque a Mabel fugiu. Mas não sou. Já me viste. Já viste aquilo que nos acontece quando temos ideias na cabeça.» (p. 64).
Cora guarda rancor à mãe que para poder fugir a terá abandonado aos dez ou onze anos (pois todos sabem que os pretos não faziam anos, simplesmente escolhiam um dia para celebrar o seu aniversário) e procura agarrar-se à única coisa que tem: um pedaço de terra de três metros quadrados onde a avó cultivava nabos e inhames. Ver artigo
No dia 25 de Fevereiro de 1980, o linguista, filósofo e crítico literário, o estruturalista Roland Barthes é vítima de um atropelamento. Morre um mês depois, no seu quarto de hospital.
Quem matou Roland Barthes na tentativa de se apoderar da sua mais recente descoberta, a sétima função da linguagem?
O comissário Jacques Bayard vai investigar o caso mas cedo se apercebe, conforme o seu inquérito o leva a cruzar-se com figuras como Michel Foucault, Derrida, Julia Kristeva, Umberto Eco, de que se move num círculo restrito e de que precisa alguém que lhe saiba descodificar as suas conversas crípticas e que saiba ler as pessoas. Rapidamente recruta Simon Herzog, um doutorando e professor de Semiologia, com capacidades dedutoras dignas de Sherlock Holmes.
Apesar das quase 500 páginas, da profusão de citações e referências literárias, o romance lê-se muito bem, lembrando mesmo, numa acção que se desenrola de modo rápido e nos capítulos muitas vezes curtos que se sucedem, um mistério à la Dan Brown, onde se cruzam os literários da época (não falta Roman Jakobson), figuras do cinema, espiões, sociedades secretas que se baseiam nos poderes da oratória. Este romance de Laurent Binet – jornalista, escritor, músico, professor de Ciência Política – daria um bom filme. Não faltam aliás referências ao cinema e cada uma das partes do livro é localizada numa cidade diferente, como Paris, Bolonha, Ithaca, Veneza, Nápoles.
Numa «sátira insolente e tão divertida como apaixonante sobre o mundo narcísico dos intelectuais, o poder da palavra, as ilusões da literatura», a literatura cruza-se com a linguística, a política e o sexo, numa série de peripécias que raiam o surreal e onde uma das personagens principais dá por si a interrogar-se constantemente se não será antes uma personagem de um romance, o que explicaria o insólito que testemunha.
E agora vou tentar esticar isto para uma recensão de 10 000 caracteres… Ver artigo
Esta obra, publicada em 1986 com o título original de Alias Grace, vai estrear lá fora em mini-série televisiva no dia 26 de Setembro, parece-me que composta por 3 episódios transmitidos na Netflix.
Gostei muito deste romance da autora canadiana em que temos não um salto ao futuro como a distopia A História de uma Serva (já apresentado neste blogue) e que deu origem ao sucesso televisivo da série The Handmaid’s Tale, da Hulu, mas um recuo ao passado com um romance histórico baseado em factos verídicos, mais exactamente no polémico caso de Grace Marks, uma das mais famosas canadianas da década de 1840, condenada por homicídio aos dezasseis anos de idade.
O livro tem uma escrita apaixonante, e envolve num enredo intrigante, em que como o próprio título indica, nos mantém constantemente na dúvida entre a inocência ou culpa de Grace. É também e, antes de mais, um romance histórico que apresenta o Canadá nos seus primórdios e um romance feminista, até porque Grace representa «a ambiguidade contemporânea acerca da natureza das mulheres: seria Grace um demónio feminino e uma tentadora, a instigadora do crime e a verdadeira assassina de Nancy Montgomery, ou seria uma vítima involuntária, forçada a manter o silêncio pelas ameaças de McDermott e por recear pela sua própria vida?» (p. 434).
Existem diversas citações de obras da época que reflectem o mediatismo do caso de Grace mas como a própria autora refere no «Posfácio» à obra: «Quando tinha dúvidas, tentei optar pelo que me parecia mais provável, embora introduzindo todas as probabilidades sempre que possível. Quando havia meras sugestões e nítidas lacunas nos registos, senti-me à vontade para inventar.» (p. 437). Não falta, no entanto, uma certa nota de fantasia, condizente à época que acolheu entusiasticamente o espiritismo e o mesmerismo.
O livro foi publicado em Portugal pela Livros do Brasil, que aliás tem agora sido relançada com a colecção Miniatura, publicando grandes livros em formato pequeno e a preço reduzido. Sugeri ao departamento de comunicação que relançasse este Criminosa ou inocente?, sugestão que foi recebida com agrado, pelo que ainda acredito que o livro seja publicado a propósito da série que, esperemos, seja também transmitida nos canais nacionais. Ver artigo
Zadie Smith nasceu na zona noroeste (NW, como no título do seu anterior romance) de Londres em 1975. Estudou Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge, é membro da Royal Society of Literature e foi eleita duas vezes pela revista Granta como um dos melhores vinte romancistas britânicos com menos de 40 anos. Dentes Brancos (2000) foi o seu primeiro romance e marcou uma estrondosa estreia na ficção, premiado com o Guardian First Book Award, o Whitbread First Novel Award, e foi finalista do Booker Prize. Todos os seus romances encontram-se aliás distinguidos com os mais diversos prémios. Ao romance O Homem dos Autógrafos (2002) seguiu-se Uma Questão de Beleza (2005), considerado um dos dez melhores romances do ano, finalista do Man Booker Prize e premiado com o Orange Prize for Fiction 2006. Em 2012 publicou NW, finalista do National Book Critics Circle Award 2012, e considerado pelo New York Times e pelo Washington Post como um dos livros de destaque desse ano.
Swing time é o seu quinto romance, traduzido por Francisco Agarez e publicado pela Dom Quixote em Junho (que tem publicada toda a sua obra). Além do burburinho que se tem criado desde a sua publicação lá fora, saiu há dias a notícia de que é um dos romances nomeados para o Man Booker Prize 2017 (à semelhança do mais recente romance de Arundhati Roy, também apresentado aqui no mês passado).
No «Prólogo», lemos como a protagonista passou por uma humilhação que a deixa suspensa num interregno, período esse que traz provavelmente a longa reflexão e busca pessoal em que se torna este romance. Corre o ano de 2008 e a personagem passou «tanto tempo fora de Inglaterra que agora havia muitas expressões britânicas coloquiais e simples que me soavam exóticas, quase absurdas» (p. 12).
O eu como espelho
O livro divide-se em sete partes, sendo a primeira parte, justamente intitulada «Primeiros Tempos», correspondente à infância da protagonista, quando ela tem uns nove anos, para a partir da segunda parte a narrativa passar a alternar entre a infância e a idade adulta, quando a protagonista tem quase trinta anos, trabalha com Aimee há sete e deixou de falar com Tracey por volta dos vinte e dois anos.
«Se é possível pensar em todos os sábados de 1982 como um só dia, conheci Tracey às dez da manhã desse sábado, quando atravessávamos o areão de um adro de igreja, cada qual pela mão da sua mãe. Estavam presentes muitas outras raparigas, mas por razões óbvias reparámos uma na outra, nas semelhanças e nas diferenças, como fazem as raparigas. O nosso tom de castanho era exatamente o mesmo – como se tivessem cortado da mesma peça de tecido cor de canela para nos fazerem a ambas – e as nossas sardas concentravam-se nos mesmos sítios, éramos da mesma altura.» (p. 19)
Se por um lado a protagonista do livro não tem nome, por outro é difícil não sentir nesta torrente feita na primeira pessoa uma confissão em jeito autobiográfico, até porque esta jovem é, como a autora, mestiça, e oriunda da mesma cidade e zona (novamente o Noroeste de Londres). É sempre a partir da outra que ocorre a escrita do “eu”, ou seja, a voz da protagonista e os moldes da sua identidade definem-se sempre a partir, primeiro, da sua relação com a mãe, depois com a amiga Tracey, mais tarde com a chefe Aimee…
«Estava a ter a revelação de uma verdade: que sempre me havia ligado à luz de outras pessoas, que nunca tivera luz própria. Sentia-me uma espécie de sombra.» (p. 14)
Esse contraste é particularmente notório na amizade da protagonista com Tracey, pois apesar das semelhanças, as simetrias (Tracey é filha de mãe branca e pai negro) e os contrastes são mais fortes, nomeadamente pela atitude destemida e irreverente de Tracey que será também das duas aquela que evidencia desde logo ter verdadeiro talento na dança, pois é em aulas de dança que ambas as amigas se irão conhecer. Note-se como a jovem protagonista evidencia ter uma boa voz mas procura sempre nunca cantar demasiado alto.
Identidade mista
Na visão do mundo que aqui se vai construíndo está bem marcada a classe social de estrato económico baixo, apesar de a mãe sempre se ter orgulhado de não recorrer a subsídios, mas mais importante é a identidade mista da jovem sem nome: «Mas isso não a confundirá no seu crescimento?», «Como é que ela escolherá entre as vossas culturas?» (p. 162).
Há um fino humor, nomeadamente na forma como se descreve a relação entre a protagonista e a mãe: «Laços amarelos de cetim eram um fenómeno que a minha mãe desconhecia. Apanhava-me a grande gaforina atrás numa única nuvem, presa por um elástico preto. A minha mãe era feminista. Usava o cabelo num corte afro de meia polegada» (p. 19).
A mãe é também a personagem que revela um percurso mais interessante e surpreendente, de dona de casa que expulsa o marido e a filha para poder estar tranquilamente em casa aos sábados a assistir à sua tele-escola para mais tarde se tornar uma deputada com uma relação lésbica assumida: «Estava eufórica, a poucos dias de se tornar Membro do Parlamento pelo círculo de Brent West, e (…) senti, como de costume, a minha pequenez em comparação com ela, com o nível que havia atingido, a trivialidade daquilo que fazia em comparação com o que ela fazia, apesar de todas as suas tentativas de me orientar para outro caminho.» (p. 155).
A dada altura, a mãe acusa mesmo a filha de se ter anulado de tal forma no seu trabalho com Aimee, uma estrela pop que se reinventa continuamente e que aposta no trabalho humanitário como boa publicidade, que esqueceu mesmo as suas raízes: «As pessoas vêm de algures, têm raízes – tu permitiste que esta mulher arrancasse as tuas. Não vives em sítio nenhum, não tens nada teu, passas o tempo num avião» (p. 160). A globalização como tema identitário é também premente, como aparece personificada em Aimee: «Reparei que já não tinha sotaque australiano, mas também não era bem americano nem bem britânico, era global: era Nova Iorque e Paris e Moscovo e LA e Londres, tudo junto.» (p. 101).
Curiosamente, é graças a Aimee que de alguma forma a sua assistente pessoal acaba por partir para uma experiência decisiva em África. Porque este é também um romance de poder, como se pode ler nesta tiragem do discurso de Aimee, pese embora a inspiração por si bebida em livros dúbios de auto-ajuda: «Os governos são inúteis, não se pode confiar neles, explicou-me Aimee, e as organizações humanitárias têm agendas próprias, as igrejas preocupam-se mais com as almas do que com os corpos. E, portanto, se quisermos que este mundo mude realmente (…) teremos de ser nós a fazê-la, sim, teremos de ser nós a mudança que queremos ver acontecer.» (p. 131).
Tempo, som, ritmo
Regressando ainda ao «Prólogo», ficamos a saber que o título do livro se deve ao fascínio pelo filme homónimo com Fred Astaire: «Entretanto o realizador falou de uma teoria que tinha sobre o «cinema puro», que começou por definir como a «interação entre a luz e a escuridão, expressa como uma espécie de ritmo, ao longo do tempo», mas eu achei o raciocínio enfadonho e difícil de acompanhar» (p. 13).
As referências ao cinema, aos musicais e à música são diversas, numa era em que o digital vai matando as estrelas do vídeo e os VHS que se rebobinavam constantemente até gastar a fita à espera de rever a cena tão desejada se tornam obsoletos. Mas é fora do digital e do que é passível de ser partilhado mundialmente, num mundo dito primitivo, que a jovem descobre um dançarino que suplanta Fred Astaire: «O maior dançarino que vi na minha vida foi o kankurang. Mas na altura não sabia quem era, ou o quê: uma forma alaranjada que se agitava freneticamente, da altura de um homem, mas sem cara de homem, coberta com muitas folhas sobrepostas, sibilantes.» (p. 167). Note-se ainda que é quando canta que a nossa heroína parece capaz de sentir as suas raízes e sentir não só que o seu eu se expande, como estar em comunhão com os demais e sentir a pertença a uma comunidade: «Cheguei a ter uma visão sentimental de mim como elemento de uma longa linhagem de extrovertidos irmãos e irmãs, compositores, cantores, músicos, dançarinos, pois não tinha eu também o dom tantas vezes atribuído ao meu povo? Sabia transformar tempo em frases musicais, em ritmos e notas, atrasando-o e acelerando-o, gerindo o tempo da minha vida, por fim, até que enfim, aqui, em cima de um palco, ainda que só aqui.» (p. 143). A linguagem é coloquial, rápida, em frases que se distendem, onde não faltam repetições como que a marcar o ritmo. E é no sentir a música, em vez de a pensar (como quem mergulha na torrente desta narrativa), que se parece resolver e responder aos dilemas que pareciam irresolúveis. Ver artigo
Depois do sucesso de Jessie Burton com O Miniaturista, obra que vendeu mais de um milhão de exemplares por todo o mundo, com direitos vendidos para trinta países, e vencedora de diversos prémios, a Editorial Presença publica agora A musa.
A história é contada em planos alternados, como forma de adensar o mistério, entre a Londres do século vinte, durante os anos sessenta, quando o racismo ainda é uma questão social muito marcada, vivida na pele de Odelle Bastien, uma jovem caribenha recém-chegada à capital do Império, e a Espanha rural e isolada de 1936, conforme se aproxima o deflagrar da Guerra Civil, quando Olive Schloss, filha de um negociante alemão de arte, recebe uma carta da Slade School of Fine Art, convidando-a a frequentar o curso de Belas Artes. No início do livro, ambas as personagens centrais recebem uma carta que pode determinar o resto do curso das suas vidas, indiciando-se desde logo que as vidas de ambas estarão ligadas ao longo da história, até porque é no ano de 1967 que o passado ressurge para algumas personagens ao mesmo tempo que se impõe a outras como um enigma a resolver.
O enigma é um quadro intitulado Rufina e o Leão que terá sido pintado pelo artista ou revolucionário andaluzo Isaac Robles e permaneceu desconhecido até que um jovem enamorado por Olive aparece no seu trabalho com um quadro que a mãe teve toda a sua vida pendurado numa parede do quarto e que nem sequer está emoldurado. Mas enquanto Odelle abraça o trabalho tão desejado que lhe permite dar o salto de uma sapataria para o Skelton Institute of Art, como dactilógrafa, Olive prefere renunciar à escola de artes pois sabe que a família nunca a apoiaria. E tal como na História e na vida o passado nunca é inteiramente recuperável ou transparente, há obras de arte que fascinam e seduzem ao mesmo tempo que ocultam histórias trágicas de amor, perda, mentira, traição e morte. A história é ligeira, provavelmente mais cativante para um público feminino, mas cheia de peripécias e com um sólido ambiente histórico. Ver artigo
Escrito com «o fólego de um clássico», este livro tem ecos de outros grandes que subiram a montanhas para se tornarem maiores do que a vida, e talvez por isso esteja também dividido em três partes mais ou menos correspondentes às três fases de vida de um homem.
A montanha neste livro é mais do que a neve onde se pode esquiar ou as escarpas que alpinistas desafiam ou onde os caminhantes trepam. Há no ar rarefeito, frio e por vezes árido das montanhas quem encontre um modo de vida e prefira viver no silêncio e na solidão do recato de uma maneira de ser perdida nos tempos.
Pietro é um jovem quando vai com os pais pela primeira vez para a aldeia de Grana, no sopé do Monte Rosa, onde os pais alugaram uma casa e é aí que também descobre facetas novas dos pais que rapidamente se adaptam ao modo de vida da montanha, com o pai a seguir para as suas escaladas à montanha feitas com obstinação e petulância, e a mãe rapidamente mostra desenvoltura na forma como acende uma lareira ao mesmo tempo que ordena ao filho que «fosse apanhar vento e sol e perdesse aquela (…) delicadeza urbana» (p. 27). Começando por explorar o rio, Pietro acaba por travar amizade com Bruno, o rapaz que pastoreava as vacas, numa espécie de calmo cerco amoroso: «A última descoberta foi que não só eu o tinha observado, lá no pasto, como ele me tinha observado a mim enquanto os dois fingíamos ignorar-nos.» (p. 29).
É nas montanhas, onde os pais de Pietro se conheceram e apaixonaram, acabando por ficar isolados do mundo, que Pietro descobre também o valor da amizade e do companheirismo, mesmo quando se passam anos sem ver ou saber do amigo. É na montanha que se dá o desencontro e o reencontro com o pai, e que Pietro descobre o sentido da sua própria vida, mesmo quando esse destino implica virar costas a tudo o que se conheceu.
É um belíssimo livro que nos mostra como há lugares que vivem apenas na nossa infância e, perdidas as pessoas, ficam as memórias que são demasiado aguçadas para serem confrontadas com as realidades que desmoronam face ao brilho de um passado que não volta mas que está sempre vivo no íntimo. Ver artigo
Juliet Marillier é uma autora de culto do fantástico, com fãs por todo o mundo. O Covil dos Lobos é o seu mais recente romance, publicado na primeira semana de Julho pela Planeta, e fecha a trilogia Blackthorn & Grim. Ler esta autora é sempre como ouvir uma história da tradição céltica segundo a fórmula de enigma por resolver e maldição a quebrar, e na intriga deste livro em particular a autora, que nasceu em Dunedin, na Nova Zelândia, «cidade com fortes raízes na tradição escocesa», baseou-se numa história tradicional da Escócia.
Saorla, mais conhecida como Mestre Blackthorn, é curandeira e não só encontra mais um enigma e um desafio, quando conhece a jovem Cara que fala com as árvores e chama a si os pássaros, como será confrontada com as feridas do passado. Mantém-se o tom mais negro do que o usual da saga, como convém a uma personagem de temperamento difícil e tempestuoso (note-se o nome de Blackthorn – traduzido como abrunheiro mas que significa algo como espinheiro negro, a árvore que permite enfrentar a adversidade com determinação) que viu marido e filho serem queimados vivos mas tem de manter a promessa que fez a um membro do Povo Encantado de durante sete anos não se ausentar do local onde está confinada, responder a todos os pedidos de ajuda e não procurar vingança.
O fantástico está menos presente mas este fecho da saga não desilude e prende o leitor até ao fim. A escrita é simples mas apurada, com relatos na primeira pessoa partilhados pelas personagens principais que dão conta da acção de forma continuada, em capítulos alternados entre Blackthorn e Grim, até porque a certa altura se separam. Se em A Torre de Espinhos ficámos a saber que Grim é muito mais do que um matulão brutamontes, tendo vivido em tempos como monge, a personagem ganha aqui mais protagonismo. Curiosamente, neste livro encontramos ainda ecos de outras sagas da autora, como os guerreiros de cara tatuada da Ilha ou crianças humanas trocadas com as do Outro Mundo. Ver artigo
John Maxwell Coetzee nasceu na Cidade do Cabo, estudou em África do Sul e nos Estados Unidos, e vive actualmente na Austrália. Foi o primeiro escritor a vencer por duas vezes o Prémio Booker, com A Vida e o Tempo de Michael K e Desgraça, e em 2003 foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura.
Este romance saído em Maio de 2017 constitui a sequela de A Infância de Jesus, publicado em 2013 também pela Dom Quixote, obra em que o autor se demarca do seu estilo habitual e entra no domínio da distopia. No romance anterior, o leitor ficou a saber como este trio improvável de um homem, uma mulher e uma criança, sem qualquer ligação prévia entre si, passou a constituir uma família, pois Simón e Inés reclamam para si a protecção e educação de Jesus, vendo-se inclusivamente a procurar refúgio numa outra colónia, Estrella. Tem-se falado muito em linguagem alegórica ou metafórica a propósito destes dois romances, mas a escrita é aqui essencialmente cerebral, concisa, limpa de qualquer excess. Se David parece ter muito pouco de Jesus – é emblemático o episódio em que ele aliás se recusa a perdoar Dmitri – já Simón é uma personagem muito curiosa e sensata, com os seus diálogos algo socráticos, especialmente na forma como ele, Simón, responde às inúmeras questões de David, rapazinho vivaço e precoce, que recusa por norma as convenções que a sociedade possa impôr. Talvez por isso David se adapte tão bem à escola da Academia de Dança onde vai aprender a dançar para chamar os números. Como profere Simón: «-Não nos opomos a este recentíssimo desejo pela simples razão de que não temos força para isso – diz ele. – Connosco o David leva sempre a sua avante. É o tipo de família que nós somos: um amo e dois servos.» (p. 96). Simón, dotado de uma suma paciência, parece sim simbolizar toda uma geração de pais da actualidade que se vêem impotentes face à vontade dos filhos: «Eu não lhe oriento a vida, já nem sequer finjo aconselhá-lo. A verdade é que estamos fartos da sua obstinação, a mãe e eu. É como um buldózer. Espalmou-nos. Fomos espalmados. Já não temos resistência.» (p. 48). Apesar da escrita enganadoramente simples e despretensiosa, entre a questão de encontrar uma escola adequada para David e um crime passional, este livro levanta questões bem complexas e prementes. Ver artigo
O Deus das Pequenas Coisas Ver artigo
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