Escreve George Steiner que Ver artigo
É o primeiro livro que leio deste senhor mas não será certamente o último. Numa escrita fluída, mas complexa, que nos leva em parágrafos que se estendem por páginas, em que a corrente de consciência de Franz Ritter alterna entre o presente, e a solidão e melancolia do seu apartamento, e o passado, mais concretamente a memória de Sarah, o autor revela um domínio exímio do Oriente, tanto do histórico e romanceado como do actual e brutal, da música e da literatura. Mathis Enard viveu aliás no Oriente, estudou persa e árabe, e leu trabalhos de orientalistas, eruditos, literários e musicólogos. Não é uma literatura ligeira ou passível de ser feita num ápice mas é claramente viciante, especialmente pelo tom melífluo, por vezes com alguma autocomiseração, deste intelectual menino da mamã, um «monstro pálido e míope», que se perde quase doentiamente na memória de uma Sarah inalcançável – «regressemos a Sarah e à memória, já que tão inevitáveis são uma como a outra» – enquanto encara também as noites insones – os capítulos, à excepção do primeiro, são designados com horas como «23h10» – e uma certa angústia face a uma doença recentemente diagnosticada. Acho particularmente relevante a forma como este homem se sente fascinado por uma mulher, como muitos outros homens em muitos outros romances, mas aqui, apesar do inegável desejo, é quase inédito, diria eu, a admiração de Franz Ritter pela intelectualidade de Sarah, pela sua paixão pela cultura e pelo seu saber inesgotável. Ver artigo
Este pequeno texto (44 págs.) inédito de Lídia Jorge foi criado para a Companhia de Teatro do Algarve (ACTA) e não é um livro fácil de encontrar – parece-me aliás que não se encontra mesmo à venda. Conta a história de dois migrantes, um homem e uma mulher, um imigrante e uma emigrante de origens geográficas diversas, que se encontram junto a um aeroporto. Ver artigo
V. S. Naipaul é um dos autores que já estava na minha lista há muito tempo – apesar de ter toda a sua obra, tirando estas novas traduções, faltava-me o tempo. Mas agora que vivo em África ando definitivamente ainda mais virado para os pós-colonialistas.
Num Estado Livre é a junção de três histórias distintas cujo tema que as cruza é sempre a identidade num novo mundo e a que ponto ser cidadão do mundo é ganhar ou perder liberdade. Publicado em 1971 ganhou o Prémio Booker desse ano e quando o autor ganhou o Nobel em 2001 a Academia Sueca declarou que «Naipaul é verdadeiramente um Homem Nobre num Estado Livre». Ver artigo
Estes são os dois primeiros romances de Murakami, que foram publicados em inglês numa versão flipover, cada um dos romances numa das pontas do livro. Há ainda a vantagem de o livro possuir uma breve introdução do autor em que explica como começou a escrever, como era a sua vida antes, e como chegou ao estilo que tem hoje. O livro parece um pouco desconexo de início, sempre num registo mais existencialista próprio deste eterno candidato ao Nobel (coisa com que eu pessoalmente não concordo muito, mas se calhar porque para mim a literatura ainda é outra coisa qualquer – aliás a introdução do autor versa isso mesmo, em parte), mas encontramos já alguns dos seus temas ficcionais, e personagens como o Rato, de Em busca do carneiro selvagem. Ver artigo
Já li praticamente toda a sua obra (falta-me Mães e Filhos, e New Ways to kill your mother, que intuo estarem bastante ligados a este seu último romance). Já tinha visto o livro à venda mas como as leituras a fazer são tantas evito comprar livros em inglês, porque apesar de tudo os originais levam-me mais tempo e porque são bastante caros onde vivo. Depois consegui ver o filme Brooklyn, adaptação do seu último romance, que também me tocou muito – o filme é belíssimo também e comovente sem raiar o melodramático e o xaroposo. Resumindo acabei por sentir cada vez mais vontade de comprar o seu último livro que aliás já saiu o ano passado, pelo que há quase dois anos que aguarda tradução, o que começo a achar inquietante por parte da Bertrand (a não ser que tenha sido tomado por outra editora).
Passando ao livro em questão: à semelhança de Brooklyn, a escrita deste autor, considerado aliás um dos expoentes da literatura irlandesa, é extremamente contida, despojada de qualquer vaidade ou de ornamentação. A história começa imediatamente a seguir à morte do marido de Nora, nunca sabemos exactamente o ano ou o momento em que a acção decorre, pouco sabemos sobre o que aconteceu a Maurice e numa sequencialidade bastante simples, quase seca, vamos seguindo o retomar do quotidiano desta viúva, num registo tão “monótono” como: Nora fez chá, deu um gole, pousou a chávena, recostou a cabeça. Contudo o livro prende desde o início, e mesmo estando eu em ambiente de férias de praia que normalmente requerem-me leituras mais leves, não o consegui pousar nem nunca me aborreceu a tensão lenta da intriga.
A cena inicial do livro é emblemática, em que Nora se prepara para receber mais uma visita que fez questão de apresentar as suas condolências apenas depois das pessoas se começarem a retirar da vida da Nora, enquanto um vizinho assiste ao momento da chegada desta nova visita e opina ele próprio que as pessoas irão sempre continuar a procurá-la com mais uma história ou mais palavras de conforto. O próprio vizinho aliás continua lá, a rondá-la, quando tudo aquilo por que ela realmente anseia é estar a sós. Mas Nora nunca sucumbe à dor da perda, aliás sentimos sempre, pela falta de analepses, que ela faz por tudo para esquecer o marido e seguir em frente, como quando vende a casa de férias – se bem que também por necessidades económicas. E Nora faz questão de viver essa sua recém adquirida independência, sem querer que ninguém se intrometa na sua vida – quando na verdade todas as pessoas que por ela passam a conhecem a si e à sua história, pois falamos de uma pequena aldeia, não muito perto de Dublin. Nora tem quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, e inclusivamente nem os filhos consulta aquando das decisões que toma, da mesma forma que nunca testemunhamos conversas com eles sobre o pai que perderam. Nora parece quase fria na sua dignidade (mais à frente leremos aliás que ela não é considerada uma pessoa fácil e que só parece ter suavizado quando conheceu Maurice) e na sua resolução de encaminhar a vida para a frente, por muito que lhe custe – terá também de voltar a trabalhar, se bem que inesperadamente o estado a apoie constantemente, e com retroactivos, devido a novas políticas de apoio às viúvas. Só muito mais à frente é que percebemos que o ano em que se passa a acção é 1969, aquando da chegada do homem à Lua. E mais no final percebemos que as 300 páginas do livro seguem os seus 3 últimos anos, após a morte do marido.
No final há um desfecho bastante intrigante e não propriamente deslindado em que o luto e a dor que Nora tanto tentou recalcar acaba mesmo por se impôr na forma de um fantasma, de forma a que a personagem tenha mesmo de resolver a dor das pessoas que perdeu na sua vida e seguir decididamente em frente, com a paixão que entretanto descobriu, a do canto e da música clássica.
Espero não ter deixado demasiados spoilers e aconselho vivamente a leitura. Ver artigo
Este pequeno livro é mais uma pérola deste grande autor, prémio Nobel em 1929, cuja obra tenho estado a ler ultimamente (o que me leva a querer reler os que lera entretanto). Seguir-se-ão certamente Os Buddenbrook, o seu primeiro romance cuja escrita iniciou aos 21 anos de idade. Ver artigo
Nuno Júdice, já aqui contemplado a propósito de A Implosão (2013), e geralmente mais conhecido pela sua poesia que tem somado diversos prémios dentro e fora do país, volta a fazer uma incursão na ficção com A conspiração Cellamare, terreno onde prima pela originalidade da voz e pela proximidade com o leitor. Este livrinho, sendo que se utiliza esta palavra não pela sua curta dimensão mas pela dificuldade de catalogar ou rotular eficaz e inequivocamente este romance, é um verdadeiro deleite. Como a própria contra-capa indica, embora a obra «remeta para factos históricos, não é um romance histórico», e como o próprio narrador ressalva logo nas primeiras páginas este romance seria «uma mistura de géneros, entre o diário, as memórias e a ficção; mas já sabia, ao definir esta hibridez, que o resultado seria sempre classificado como não gozando de nenhum desses estatutos e, por isso, carecendo da solidez que se exige a um texto narrativo» (pág. 8). O narrador-personagem é claramente o próprio autor, como nas anteriores obras de ficção, mas aqui claramente assumido, quando refere as suas obras anteriores ou o programa das disciplinas que leccionou enquanto professor na Universidade Nova. O móbil da narrativa é o de reencontrar o passado ou, mais especificamente, o antepassado do autor: «Precisava, antes de fazer qualquer outra coisa, de definir o meu projecto. Sabia que tivera um parente remoto que andara metido em conspirações, e que talvez tivesse perdido um bom futuro nos braços de amantes parisienses quando pôs o jogo acima dos segredos, o que é o pior que se pode fazer num país estrangeiro, embora se goze da imunidade diplomática, que ele tinha, como Embaixador do rei de Espanha em França.» (pág. 7). O embaixador Antonio Giudici, príncipe de Cellamare, não inocentemente apelidado de «remoto parente», afigura-se portanto como uma elucubração do autor pelo que deixa de ser seguro acreditar completamente nas suas palavras quando refere que esse seu «ilustre parente» poderia ter alterado o curso da História se tivesse levado a cabo a sua missão, apesar de, segundo Nuno Júdice, ter havido realmente um seu antepassado genovês que se instalou primeiro em Lisboa e, mais tarde, no Algarve. E além de ser claramente dado o tom descontraído e irónico que impera no romance, esse projecto de recuar três séculos na História nunca é linear nem inteiramente credível: «mas andar à procura de documentos no meio de arquivos e velharias sobre um antepassado que não ficou nos livros de História, e cuja existência conhecia apenas por algumas vagas referências de linhagens familiares, não era a minha vocação. Lembrei-me, então, que poderia compensar esse meu desinteresse se preenchesse as lacunas com elementos de pura imaginação, como fizeram muitos cronistas do passado histórico antes que se descobrisse que não são os homens o motor das transformações do mundo mas o preço dos cereais, do petróleo, das acções, para não falar de factores mais recentes como a baixa do rating ou as metas do défice ou a subida dos juros da dívida.» (pág. 9). Revisita-se assim a História a partir do presente, ao jeito pós-modernista, como quem demonstra que as maquinações políticas e a violência sanguinária do passado afinal ainda estão bem vivas, pois este é também um testemunho de como o escritor é afinal testemunha, se não mesmo um agente da História, ou uma voz da verdade a reivindicar justiça e activismo social, à semelhança de conspiradores mais ou menos esquecidos ou mais ou menos desvelados: «O que é certo, em tudo isto, é que eu tivera à minha disposição um personagem com o qual, para além de uma afinidade de sangue, tinha também uma afinidade no plano social: ambos apreciávamos a sombra, que é o lugar em que, sem sermos vistos, podemos manejar os cordelinhos que fazem mover a História. Ele fizera-o através da conspiração; eu procurava fazê-lo na ficção. E o resultado seria o mesmo: a queda do Poder, das forças dominantes, dos que têm nas suas mãos o domínio da humanidade.» (pág. 116). O autor não teme assim denunciar claramente o actual estado político da nação e da Europa (e chamando as coisas pelos nomes), apesar de se referir a um acontecimento aparentemente remoto, o que só demonstra que o Homem continua a incorrer nos mesmos erros do passado: «Porém, quando o motor da política que tinha de rodar sem falhas gripou, o Embaixador ficou com a geringonça nas mãos sem saber o que lhe fazer, a não ser que tivesse sabido muito bem o que devia fazer, ou seja, deixar que se desconjuntasse sozinha, adivinhando ele que os estados germânicos e a Áustria, com o apoio da Inglaterra que, como sempre, se pôs fora do baralho europeu, nunca permitiriam essa união franco-espanhola» (pág. 108). Ver artigo
A Lição de Anatomia, de Philip Roth, é o mais recente livro deste autor norte americano a ser traduzido entre nós, embora originalmente seja de 1983. Há já alguns anos que sigo atentamente a sua obra, apesar de não ter lido os mais mediáticos, como Conspiração contra a América, A mancha humana, Pastoral ou o Teatro de Sabbath – comecei mas era muito novo e claro que era demasiado para mim. No entanto faço tenções de os ler o mais rapidamente possível.
Estou a gostar deste livro como aliás de todos os outros. Considero uma leitura leve, apesar de tratar temas sérios como o judaísmo. E apesar de entretanto ter sido publicada a primeira parte de uma autobiografia do autor, os Factos, a verdade é que isso em Roth é quase uma redundância pois toda a escrita dele é bastante intimista e biográfica, retratando de forma polémica o que significa ser-se judeu na América, principalmente um homem judeu, mas, mais do que isso, procurando mostrar que os judeus são homens como quaisquer outros, que vivem de fortes desejos sexuais, naturalmente censuráveis, segundo as convenções judaicas, cujo povo apesar de se ter transladado para a terra das oportunidades parece ainda viver sob o jugo da mentalidade e tabus do século passado.
É essencialmente a história de um escritor com uma espécie de novo bloqueio de escrita, condenado a estar deitado num tapete na sala, assolado por uma dor crónica que o incapacita de quase tudo, nomeadamente escrever, e que nenhum médico resolve ou consegue diagnosticar, enquanto é visitado por uma série de mulheres, a quem ainda assim consegue dar prazer – se bem que ele está sempre mais interessado em ouvir as suas histórias. Ver artigo
O romance Stoner, do professor universitário John Williams, foi publicado em 1965 mas parece ter ficado esquecido nas prateleiras desde então até que no ano de 2013 a livraria britânica Waterstones elegeu esta obra, em detrimento de outras muito mais recentes publicadas nesse mesmo ano, como o melhor livro do ano. Foi dos livros que mais me prendeu e mais prazer me deu ler nos últimos meses. Tem aliás sido referenciado por diversos autores como uma obra-prima e um romance formidável. Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Akiara
Alfaguara
Annie Ernaux
Antígona
ASA
Bertrand
Bertrand Editora
Booker Prize
Caminho
casa das Letras
Cavalo de Ferro
Companhia das Letras
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições Tinta-da-china
Elena Ferrante
Elsinore
Fábula
Gradiva
Hélia Correia
Isabel Allende
Juliet Marillier
Leya
Lilliput
Livros do Brasil
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Minotauro
New York Times
Nobel da Literatura
Nuvem de Letras
Pergaminho
Planeta
Porto Editora
Prémio Renaudot
Quetzal
Relógio d'Água
Relógio d’Água
Série
Temas e Debates
Teorema
The New York Times
Trilogia
Tânia Ganho
Um Lugar ao Sol