Outra distopia para aqueles que gostaram da série distópica Black Mirror (originalmente britânica e cuja terceira temporada foi criada pela Netflix) esta obra publicada em 2013 e lançada entre nós pela Relógio d’Água em Outubro de 2016 foi adaptada ao grande ecrã e estreia esta semana com Emma Watson e Tom Hanks nos principais papéis. A escrita é clara e translúcida, o que contribui para um livro que é enganosamente simples no seu artifício e prendeu-me desde a primeira página – foi a leitura do fim de semana. A narrativa começa com o primeiro dia de trabalho de Maebelline Holland no Círculo, a empresa de Internet mais influente do mundo, cujas instalações são designadas como campus e cada pavilhão tem um sugestivo nome histórico. As vantagens e regalias dos funcionários do Círculo são muitas, e não é por acaso que todos ambicionam poder ingressar nos quadros da empresa:
«A empresa tinha tantas coisas a acontecerem, tanta humanidade e espírito positivo, e era pioneira em tantas frentes, que Mae sabia que estava a tornar-se melhor só por se encontrar perto das pessoas do Círculo. Era uma espécie de mercearia orgânica bem gerida: sabia-se, ao fazer compras ali, que se ficava logo mais saudável; não era possível fazer uma má escolha, porque tudo já tinha sido verificado antes. Do mesmo modo, todos os funcionários do Círculo tinham sido escolhidos, por isso o património genético era extraordinário e a capacidade cerebral incrível. Era um sítio em que todos se esforçavam, de modo constante e apaixonado, para melhorar, para melhorar os outros, para partilhar o conhecimento, para o espalhar pelo mundo.» (pág. 92).
Há diversas inovações como chips que permitem localizar as crianças para evitar raptos; telemóveis que identificam os códigos de barrar dos produtos que terminaram em casa e automaticamente fazem nova encomenda; câmaras de vigilância que são facilmente ocultáveis; políticos que vivem numa espécie de reality show exterior, transmitindo em vídeo através de uma câmara que transportam num colar como forma de provar a transparência das suas acções; referendos feitos online que podem instituir medidas imediatas; pulseiras que medem o número de passos dados, mas também o rítmo cardíaco, pressão arterial, colesterol, diabetes, fluxo térmico, consumo de calorias, duração e qualidade do sono, eficiência digestiva, medir a resposta galvânica da pele, o pH do suor para notificar a pessoa de que tem de beber água alcalina, etc.. O próprio Círculo era um sistema operativo unificado que combina online tudo o que antes estava disperso: perfis dos utilizadores das redes sociais, sistemas de pagamento, várias palavras-passe, contas de correio electrónico, os seus nomes de utilizador, as suas preferências, ferramentas, interesses.
Mas desde o início que se sente que sendo tudo tão perfeito algo negro parece prestes a explodir a qualquer momento.
Podemos até ter em mente alguns heróis de ficção científica que se rebelam contra o sistema e o tentam minar por dentro, mas o que é impressionante neste livro é a forma como o autor narra sem qualquer ironia o nascimento de uma nova era, que não é assim tão distante da nossa em termos tecnológicos, como se fosse apenas a continuidade lógica da actualidade em que vivemos, e o modo como Mae se deixa imergir completamente no sistema, tornando-se mesmo, na segunda parte do livro, uma das pessoas mais influentes do Círculo, ao mesmo tempo que se afasta de todos aqueles que estão fora do seu círculo “social”, isto é, profissional, pois a sua vida passa a ser completamente dominada pela empresa, que disponibiliza dormitórios cómodos e oferece eventos diários pós-laborais para os funcionários. A incerteza do leitor começa subtilmente, quando Mae dá por si constantemente a desculpar-se por não ter participado do «brunch português» (isto sim, tem muita ironia…) de um colega que fica tão sensibilizado como se ela o tivesse agredido, quando na verdade Mae simplesmente não tinha visto o convite feito na rede social do Círculo, ou quando os colegas acham descabido que ela tenha desaparecido do mapa social durante um fim de semana em que visitou os pais, devido a uma emergência médica, e fez um passeio de caiaque que nem sequer se dignou a partilhar, com uma foto ou um vídeo ou um zing (Tweeter…). Mae faz muitas vezes lembrar a Bryce Dallas Howard no primeiro episódio de Black Mirror que acaba se sente sempre à beira do desespero quando não consegue 5 estrelas numa foto de “Instagram” ou nalguma publicação da sua página pessoal. Sentimos a sua ansiedade, esse «rasgão negro», conforme ela se esforça por conseguir sempre agradar a todos e quando tem uma avaliação de 96 a 99 % envia um questionário ao cliente para saber porque não chegou aos 100 %, enquanto à sua frente a secretária se vai enchendo de outro monitor (chegam a ser mais de cinco), enquanto o seu horário de trabalho se torna a sua vida toda à medida que tenta responder a vários pedidos de subscrição, de partilha de páginas e serviços, mensagens pessoais, juntar-se a comunidades, tentar aumentar o seu número de seguidores…
O seu ex-namorado Mercer (que no fim tenta viver como o Bom Selvagem) tenta avisá-la da transformação que ela sofre, e é através dele que sentimos como o Círculo é uma força voraz que consome as pessoas e as traga para uma nova forma de totalitarismo, «As vossas ferramentas elevaram os mexericos, os rumores e as suposições à categoria de comunicação normal e válida.» (pág. 113), à medida que graças a uma Mae inconsciente (?) se prepara para o Completamento, fechando o Círculo do C, ao mesmo tempo que memória, identidade, privacidade, conhecimento, transparência, ética, liberdade individual e a própria democracia estão em jogo.
Uma última nota: a edição, na capa, na cor, na qualidade do papel, na cuidada tradução e revisão é realmente um mimo. Ver artigo
Depois da leitura de Ballard e O Reino do amanhã continuamos numa de distopias talvez porque na actualidade a História que escremos hoje pareça ter tomado algum desvio errado. Esta semana chegam ao pequeno e ao grande ecrã, respectivamente, A história de uma serva, de Margaret Atwood, e O círculo, de Dave Eggers, duas distopias bastante distintas mas que contêm em si algo em comum, o facto de o futuro narrado não se afigurar assim tão longínquo. A história de uma serva foi adaptada a série televisiva pela Hulu, canal concorrente da Netflix, a estrear esta quarta-feira, dia 26 de Abril, com os 3 primeiros episódios, naquela que é a produção mais ambiciosa e dispendiosa deste canal de streaming com o acréscimo de Elizabeth Moss figurar no principal papel (quem não viu a sua brilhante interpretação em Top of the lake, série criada por Jane Champion, a realizadora de O piano), enquanto que O círculo estreia esta semana nos cinemas com Emma Watson e Tom Hanks nos principais papéis.
Mas o que aqui interessa é apresentar estas obras. Margaret Atwood venceu diversos prémios no conjunto da sua carreira, sendo também esta obra uma das mais premiadas, figurando na lista finalista do Booker Prize e do Nebula Award, e das mais marcantes, publicada originalmente em 1985 e entre nós, pela Bertrand Editora, em 2013.
Através de Defred, uma Serva da República de Gileade, outrora os Estados Unidos da América, ficamos a saber, sempre de forma gradual e com indicações muito dispersas, como o governo norte-americano foi derrubado por extremistas cristãos e Gileade é agora um país cuja Constituição foi suspensa sem qualquer motim ou resistência, assente em princípios fundamentalistas, onde se nega o direito à individualidade, a sociedade está agrupada em algumas classes privilegiadas principais (as Esposas, os Comandantes, as Martas, os Guardiães), vivem-se tempos próximos de uma Idade Média obscurantista, as mulheres estão proíbidas de ler, cita-se a Bíblia como forma de comunicação e ocultando o mais possível as ideias próprias, a poluição e o controlo da natalidade perturbaram gravemente o desenvolvimento demográfico, aboliram-se todas as medidas científicas que visavam auxiliar a gravidez e agora as mulheres férteis são agrupadas entre as Servas para poderem dar às classes privilegiadas os filhos que geram no seu próprio ventre. Defred na verdade não é o nome da nossa heroína, pois esta deixa de ter identidade e apenas tem importância enquanto “barriga de aluguer” capaz de gerar um filho a Fred, pois este nome é um patronímio, composto pelo pronome possessivo e pelo nome do seu dono. Conforme salvaguardado na passagem bíblica do Génesis em epígrafe, quando Raquel se revelou incapaz de conceder um filho a Jacob, ela disse-lhe que fosse buscar a sua serva Bila: «Que ela dê à luz sobre os meus joelhos; assim, por ela, eu também terei filhos.». Fred irá assim passar a possuir (literal e figurativamente) Defred algumas vezes, na presença da mulher. Mas esta mulher, que teve em tempos um nome, teve também um marido que não sabe agora se está ainda vivo e uma filha que lhe foi tirada. A narrativa narrada na primeira pessoa, a partir do ponto de vista de Defred, ajuda-nos a sentir mais proximamente o vazio e a subjugação que vive no quotidiano, à medida que a história alterna entre dois planos iniciando no momento em que a Serva passa a viver na casa do seu novo senhor, à medida que os seus flashbacks nos conduzem pelas suas memórias de um tempo em que tinha um família com quem era feliz e nos dão conta de como tudo mudou. Se bem que esta Serva tente sempre «não pensar demais» pois: «À semelhança de outras coisas, agora o pensamento tem de ser racionado. Há muitas coisas em que é insustentável pensar. Pensar pode diminuir as hipóteses de uma pessoa, e a minha intenção é durar.» (pág. 16).
Além da escrita cuidada e intimista da autora, a sua mestria reside essencialmente numa ambiguidade próxima à literatura fantástica em que deixa o leitor em suspenso até finalmente pela página 200 (de 348) descrever o que realmente sucedeu de modo a criar uma realidade como a de Gileade possível, um tempo de totalitarismo onde não há universidades ou advogados em que estas mulheres (e sente-se também aqui o feminismo da autora) não só não podem ler, como devem andar cobertas («Algumas pessoas chamam-lhes hábitos, uma boa palavra para os designar. Os hábitos são difíceis de quebrar» (pág. 36)), possuem tatuagens no tornozelo como uma «marca de gado», raramente têm acesso a notícias (e que nunca se sabe se não são falsas) e não podem olhar directamente nos olhos de outros. Mas resta-lhe ainda este poder, não só o de dar vida, mas também o de despertar desejo: «Gosto do poder; o poder de um osso de cão, passivo, mas que está ali. Espero que fiquem excitados por olhar para nós e que tenham de se esfregar colados às barreiras pintadas, sub-repticiamente. Hão de sofrer mais tarde, à noite, nas camas regimentais. Agora não têm alternativa que não eles próprios, e isso é um sacrilégio. Já não há revistas, nem filmes, não há substitutos; só eu e a minha sombra, a afastarmo-nos» (pág. 33).
A cor vermelha está presente de diversas formas ao longo do livro, nos tijolos vermelhos das construções, nas tulipas, na cor dos trajes das Servas, o vermelho do sangue menstrual e da vida, mas também da proibição e das letras escarlates do adultério. O vermelho da luxúria e da paixão que é uma das poucas armas que Defred possui como resistência à colonização do seu corpo. Ver artigo
Ao preparar-me para reler Autópsia de um Mar de Ruínas, de João de Melo, sobre a guerra colonial em Angola, decidi ler em paralelo este livro agora integrado na Coleção Essencial Livros RTP, editada pela Leya, constituíndo o 11.º volume, foi originalmente publicado em 1992 pela Dom Quixote.
Dividida em quatro partes, com um salto temporal de mais ou menos uma década entre cada uma das partes, esta obra acompanha a história de 4 jovens que em 1961 se reuniam na Casa dos Estudantes do Império, salta depois para o período da guerra civil, quando acompanhamos um jovem guerrilheiro na chana (algo entre deserto e floresta), para 20 anos depois encontrarmos um deles afastado da sociedade a viver quase como um eremita, até que em 1991, 30 anos depois, o livro fecha num epílogo incerto, que não se sabe se é uma nota de esperança ou de profunda ironia e desencanto perante a sociedade que estes mesmos jovens, três décadas antes, idealizavam e “desconseguiram” de realizar. Cada uma das partes do livro centra-se à vez em torno das personagens de Sara, Aníbal, Malongo e Vítor. A voz do narrador é muitas vezes entretecida com a corrente de consciência das personagens, num discurso indirecto livre que nos permite acompanhar os seus ideais e os seus ressentimentos, se bem que em cada uma das partes, exceptuando na primeira, é sempre preciso juntar as pistas até percebermos por fim quem é o protagonista. A primeira parte, talvez por acompanhar a juventude destes jovens oriundos de Angola, ora brancos (Sara), ora negros ou mestiços, que estão em vias de terminar os seus cursos, é narrada num tom mais vivo e os acontecimentos sucedem-se, entre o íntimo e pessoal e o colectivo, sendo a Casa o centro da acção, onde se reúnem para discutir os assuntos da actualidade ou simplesmente para se rever. Dez anos depois, e nas partes que se seguem, à medida que nos adentramos na idade adulta das personagens vence o tom de desencanto de uma geração que parece ter falhado o sonho que se destinava cumprir: «Isto de utopia é verdade. Costumo pensar que a nossa geração se devia chamar a geração da utopia. Tu, eu, o Laurindo, o Victor antes, para só falar dos que conheceste. Mas tantos outros, vindos antes ou depois, todos nós a um momento dado éramos puros e queríamos construir uma sociedade justa, sem diferenças, sem privilégios, sem perseguições, uma comunidade de interesses e pensamentos, o Paraíso dos cristãos em suma. A um momento dado, mesmo que muito breve nalguns casos, fomos puros, desinteressados, só pensando no povo e lutando por ele.». O próprio autor, à semelhança de algumas das personagens masculinas, passou por militar, político, para depois se dedicar exclusivamente à escrita. E nesta obra da póscolonialidade o autor assume claramente a sua identidade pois não há qualquer desejo de escrever o português da metrópole ou do Império pois o autor institui a diferença da sua escrita logo na primeira linha: «Portanto, só os ciclos eram eternos.», colocando-a na boca de um narrador que supomos ser Aníbal pois é ele quem o leitor surpreende a escrever pensamentos soltos. Segue-se a esta frase um parêntesis (literalmente) em jeito de nota explicatória e introdutória: «(Na prova oral de Aptidão à Faculdade de Letras, em Lisboa, o examinador fez uma pergunta ao futuro escritor. Este respondeu, hesitantemente, iniciando com um portanto. De onde é o senhor?, perguntou o Professor, ao que o escritor respondeu de Angola. Logo vi que não sabia falar português; então desconhece que a palavra portanto só se utiliza como conclusão dum raciocínio? Assim mesmo, para pôr o examinando à vontade. (…) )». O autor faz recurso portanto de diversos termos usados ainda hoje em Angola se bem que próximos de uma certa coloquialidade e não propriamente apanágio de uma norma: maka, kamba, desconseguir ou a deliciosa expressão “Esse é o problema que estamos com ele.”.
É nos diálogos entre as personagens que percebemos os ideais em confronto e principalmente a forma como se falhou (um dos jovens promissores da Casa, por exemplo, torna-se um político receoso de manter o seu poder e a servir os seus próprios interesses) perante um país que depois da guerra colonial continuou em guerra civil durante 20 anos mais. Pepetela narra sem medo e de forma magistral um amplo mosaico da sociedade angolana (consegue narrar diversas realidades, entretecendo-as sem custo como o excelso contador de histórias que é) das últimas décadas (se bem que desde a publicação desta obra se tenham entretanto passado outros 20 anos mais, sobre os quais podemos ler em Se o passado não tivesse asas, mas pouca coisa parece ter mudado) e daquela que era uma geração promissora que partiu para a Europa para beber de outros ideais mas viu ainda assim goradas as suas expectativas e utopias. Ver artigo
Este é o último romance do autor, publicado pela Elsinore, e até agora inédito em Portugal.
Richard Pearson, num momento de crise na sua vida, em que perdeu o trabalho como publicista, parte em busca do pai que nunca conheceu, morto a tiro num centro comercial nas imediações do aeroporto de Heathrow. É neste local aparentemente fora do mapa, o Metro-Centre, que Richard Pearson tenta descobrir quem foi realmente o seu pai mas acaba por se ver enredado numa alucinada escalada de violência, de que os ataques às minorias das comunidades comerciantes imigrantes são apenas um primeiro sintoma, provocada pelo tédio de uma sociedade que tem como únicos escapes o desporto ou o consumismo. O Metro-Centre e a sua ominosa cúpula é recorrentemente comparada a um templo, e não é de estranhar que se destaque como uma espécie de centro nevrálgico omnipresente uma vez que este centro comercial represente esse estranho fenómeno de zonas comerciais que são erigidas no meio do nada e que constroem pequenas cidades em seu redor. Numa linguagem simples e clara, a que não falta ironia crítica, a escrita de Ballard serve um propósito bem estudado, que é o de escalpelizar a realidade – e sente-se muitas vezes como este romance ganha contornos de ensaio, pois são recorrentes (e a repetição é uma das suas ferramentas estilísticas) as referências ao consumismo como doença ou peste e procura-se perceber como a paixão e a violência muitas vezes canalizadas para o desporto podem configurar um mal maior próximo do fascismo. Ballard é aliás um estudioso de Freud – mas mais que um discípulo ele procura prolongar ou expandir as suas teorias da psicanálise – e procura demonstrar como certas pulsões, que aqui nada têm de líbido sexual, podem mover populações, sendo que o consumismo pode revelar-se um importante antídoto para evitar que grupos se movam no sentido do ódio e da violência. A certa altura, com a amizade e o apoio de uma figura pública que move as multidões do Metro-Centre, e aqui entramos numa distopia de pesadelo, Richard desenvolve uma experiência social em que faz do Metro-Centre um «mundo novo» bem como um «santuário, templo e asilo» dessa «profunda paz consumista».
Junto em jeito de conclusão algumas dicas recebidas de dois amigos que são leitores atentos de Ballard: este romance não surge isolado mas na senda de outros (Cocaine Nights ou Millenium People) em que trata a nossa própria realidade como uma distopia a acontecer já, e segundo o autor a função do escritor é criar sobre e a propósito desta ficção científica em que o real se tornou. Ver artigo
Uma estranheza em mim é o mais recente romance de Orhan Pamuk, autor turco vencedor do Prémio Nobel de Literatura em 2006. A sua obra começou a ser publicada na íntegra pela Editorial Presença ainda antes da atribuição desse galardão, o que não é de surpreender se considerarmos como o autor tem sido comparado a grandes autores como Eco ou García Márquez.
Pamuk nasceu em 1952, estudou Arquitectura e depois Jornalismo, sem nunca exercer. Dedicou-se à escrita desde os 23 anos e as suas obras têm constituído sempre êxitos de vendas no seu país. É o autor turco mais galardoado, apesar do seu criticismo face à política turca, a nível nacional e internacional, já distinguido com o IMPAC, e foi finalista do Man International Book Prize 2016 com este romance.
Neste Uma estranheza em mim o autor centra-se numa personagem-símbolo de modo a traçar um profundo retrato pessoal – note-se a primeira pessoa do título – de Istambul e das suas profundas mudanças entre 1969 e 2012. Um título alternativo a este livro será: «Ou as aventuras e sonhos de Mevlut Karatas, vendedor de boza, e dos seus amigos, e também um retrato da vida em Istambul entre 1969 e 2012 de muitos pontos de vista diferentes.», o que indicia a ambição deste romance, que levou 6 anos a ser escrito (2008-2014), com uma estrutura cuidada – dividido em VII partes, sendo as partes III, IV e V arrumadas em diversos capítulos – , onde todas as partes têm epígrafes, os capítulos possuem um título ilustrativo do seu conteúdo e uma citação contida nas páginas que se seguem, havendo ainda o cuidado de incluir uma árvore genealógica, um índice de personagens e uma cronologia histórica.
A narrativa inicia-se com Mevlut, nascido em 1957, quando aos 12 anos de idade é levado pelo pai, um vendedor ambulante de iogurte, para Istambul, a «capital do mundo», onde ficará a viver, longe da aldeia onde ficam a mãe e as irmãs. O «nosso herói» é «alto, de compleição robusta, apesar de delicada, e bem-apessoado. Tinha um rosto de rapaz, cabelo castanho-claro e olhos vivos e inteligentes, uma combinação que despertava não poucos sentimentos de ternura entre as mulheres» (p. 19). Não é por acaso que citamos esta descrição de Mevlut, então com 12 anos, pois é também esta beleza que lhe irá abrir algumas portas na vida ou pelo menos a porta para os corações de algumas pessoas com quem se irá cruzar no seu percurso. O autor assume-se como a voz narratorial e, adoptando um tom coloquial e íntimo para com o leitor, anuncia algumas pistas de leitura logo na primeira página: «Este ar arrapazado, que Mevlut manteve até estar bem entrado nos quarenta, e o efeito dele sobre as mulheres eram dois dos seus traços essenciais e valerá a pena eu recordá-los de vez em quando aos leitores para ajudar a explicar alguns aspetos da história. Quanto ao otimismo e boa vontade de Mevlut – a que alguns chamariam ingenuidade –, estes traços não será necessário lembrá-los, já que vão ser manifestos do princípio ao fim. Se os meus leitores tivessem conhecido realmente Mevlut, como eu conheci, (…) saberiam que não estou a exagerar só para fazer efeito. Na verdade, gostaria de aproveitar esta oportunidade para sublinhar que não há quaisquer exageros em todo este livro, que se baseia por inteiro numa história verdadeira; vou narrar alguns acontecimentos estranhos que sucederam e o meu papel será tão-só ordená-los de modo a permitir aos meus leitores acompanhá-los e entendê-los com mais facilidade.» (p. 19). Justifica-se a citação desta extensa passagem pois ilustra profundamente a intenção do autor ou o que o autor deixa passar como a sua intenção – e toda a história gira em torno da questão das intenções nas palavras e no coração – na obra que nos apresenta, tomando este herói ingénuo, sempre apresentado na terceira pessoa, como o centro da narrativa, os «acontecimentos estranhos» que lhe sucederam – como veremos adiante quando ele é vítima de um engano amoroso –, mas mais principalmente aqueles que vão sucedendo à cidade de Istambul no seu crescimento, e acusando uma ideia de fazer deste livro um testemunho, como depois se poderá verificar quando as várias personagens que participam da vida de Mevlut contribuem constantemente com os seus depoimentos na primeira pessoa para apresentar os eventos narrados sob a sua própria perspectiva, como se estivéssemos a assistir a um documentário. Nesta primeira parte do livro, o autor começa pelo meio, quando em 1982 Mevlut foge com uma rapariga da aldeia, então com 13 anos, por quem se apaixonou no casamento do seu outro primo Korkut, e a quem irá escrever cartas de amor nos próximos 3 anos até que finalmente decide ir buscá-la e organiza a sua fuga. Encontram-se um ao outro na escuridão e apesar de tudo parecer correr bem é quando já estão no carro e prontos a arrancar que «houve um relâmpago» e por esse momento tudo se ilumina «como uma memória distante»: «Pela primeira vez, Mevlut conseguiu ver bem o rosto da mulher com quem iria passar toda uma vida./Havia de recordar a absoluta estranheza daquele momento até ao fim da vida.» (p. 23). Percebemos depois, e só muito mais tarde no livro saberemos exactamente como, que afinal Mevlut “raptou” a irmã errada com quem acaba por viver um casamento feliz, apesar de por vezes se interrogar se não estará afinal a viver a vida de outra pessoa. Convém esclarecer que quando Mevlut se apaixonou por Samiha foi pelos seus lindos olhos, ao jeito da tradição literária otomana, pois naquela altura as mulheres «cobriam-se ainda mais e, como os homens a única coisa que podiam ver eram os olhos delas, tanto a literatura de corte como a popular fixaram-se neles.» (p. 605).
A vida de Mevlut é um retrato de uma geração de classe baixa, em que poucos concluíram a escolaridade básica, constroem as suas casas e delimitam terrenos de que se apropriam indevidamente, com um certo consentimento indeferente e alguma corrupção por parte das autoridades municipais, em bairros que crescem desordenadamente, em que as mulheres cobrem as cabeças com lenços e não são admitidas em funerais e onde a Europa é um país distante.
Mevlut é os olhos com que vemos Istambul e representa um símbolo da resistência de uma cultura arcaica por entre a modernidade que vai transfigurando a paisagem da cidade, começando por seguir os passos do pai como vendedor ambulante de iogurte e depois de boza, apesar de ainda tentar sem grande sucesso ou entusiasmo outros ofícios – muitas vezes empurrado pelos primos que não compreendem como pode ele insistir em calcorrear a cidade com uma canga às costas em vez de fazer dinheiro fácil. A boza é uma bebida que ganha contornos de coisa sagrada, como percebemos num diálogo onde Mevlut fala com ares de filósofo – talvez resultantes dessa sua estranheza que o leva a caminhar pela cidade nocturna como quem divaga pois é o caminhar que o ajuda também a pensar: «Só porque alguma coisa não é estritamente islâmica, não significa que não possa ser sagrada. Coisas antigas que herdámos dos nossos antepassados também podem ser sagradas. (…) Não quer dizer que ela só possa ser sagrada se toda a gente a andar a beber. Há muito poucas pessoas que leem mesmo o Corão. Mas em toda Istambul, há sempre pelo menos uma pessoa a lê-lo num determinado momento, e milhões de pessoas podem sentir-se melhor só de pensarem naquela pessoa. Basta que as pessoas saibam que a boza era a bebida favorita dos nossos antepassados. É isso que o pregão do vendedor de boza lhes recorda e fá-las sentir bem ouvi-lo.» (p. 296). Além da sua beleza, é a sua voz melancólica que leva a que as pessoas abram as suas janelas ao ouvir o seu pregão, e o convidem a subir, ou lancem os seus cestos, para provar essa bebida nacional que muitas vezes nem conhecem e que ele insiste em vender pelas ruas de uma cidade que nos últimos 40 anos passou de 3 para 13 milhões de habitantes, e onde o desenvolvimento urbanístico com a sua profusão de novos e altos edifícios já nem permite a um vendedor caminhar pelas ruas.
Em Março, a Presença lançou também Cevdet Bei e os seus filhos, o primeiro romance do autor, cuja história remonta à Istambul de 1905, e traça um retrato da Turquia moderna, entre a queda do império otomano e a fundação da República, ao narrar a história de três gerações de uma família. Pamuk concilia na sua já vasta obra uma perspectiva histórica da cultura islâmica e do Médio Oriente com a modernidade de uma capital que faz a ponte entre o Oriente e o Ocidente. Ver artigo
Deste livro, publicado pela Planeta Editora, não se pode propriamente dizer que se lê de um fôlego, não só pelas suas 845 páginas, mas porque é preciso pousá-lo por várias vezes para poder dar umas boas gargalhadas. Zafón sempre primou por uma escrita literária – ainda que certos autores tenham lançado outrora o debate se Zafón pode ou não ser considerado literatura – muito cuidada: «na noite em que o meu filho Julián nasceu e o vi pela primeira vez nos braços da mãe entregue a essa calma abençoada daqueles que ainda não sabem a que espécie de lugar chegaram, tive vontade de largar a correr e não parar até que se me acabasse o mundo. Na altura eu era uma criança e a vida ficava-me de certeza demasiado grande» (pág. 15). Cada frase é trabalhada para fazer ressaltar a originalidade e a poesia da sua linguagem, eivada de mistério e de fantasia, mas é sobretudo pelo seu humor que o autor se tem destacado. Os diálogos deste livro – e são muitos, tendo em conta aliás a profusão de personagens – são sempre momentos de puro deleite e genuíno humor, para não falar de todo o cómico de personagem que é Fermín.
Neste quarto volume da sua tetralogia – cuja saga o autor indicia indirectamente poder ser apelidada de O Cemitério dos Livros Esquecidos – regressamos a Barcelona – e esta cidade é muitas vezes a principal personagem, pelo cuidado das descrições mais realistas ou mais fantasiadas –, mas desta vez nos finais dos anos 1950 (para terminar depois em 1992).
A personagem principal desta vez não é Daniel Sempere, o menino de A sombra do vento, nem Fermín, mas sim Alicia Gris. Alicia é, sem exagero, uma das personagens mais crípticas que o autor nos dá a conhecer, pois muitas vezes o leitor só pode traçar um retrato a partir do medo que ela inspira nos que a conhecem. Muito raramente entramos na sua alma ou sabemos o que se sente sob a sua pele: uma solidão imensa que acompanha esta criança que ficou órfã durante a guerra civil. Alicia será, aliás, salva por Fermín, num daqueles acasos do destino literário, quando este a encontra com sete ou oito anos, sempre agarrada ao seu livro de Alice no País das Maravilhas. Não será por acaso que Alicia, cujo nome lembra o de Alice, vai depois cair com a explosão de uma outra bomba por uma cúpula de cristal e aterrar no centro do Cemitério dos Livros Esquecidos, à semelhança de Alice ao cair pelo buraco até aterrar no País das Maravilhas. Fermín parece também servir aqui de coelho branco ou guia para esse outro mundo, como as suas palavras já anunciavam: «Tudo o que seja cair por buracos e tropeçar com chanfrados e problemas matemáticos encaro-o a título autobiográfico» (pág. 54). Alicia – mais uma vez a lembrar a mente inquisitiva de Alice e os enigmas com que se vai deparando no País das Maravilhas – será depois uma investigadora, uma das melhores, pronta a «descer aos infernos em busca de problemas»: «Alicia Gris vê o que os outros não vêem. O seu cérebro funciona de uma maneira diferente do das outras pessoas. Onde todos vêem uma porta fechada, ela vê uma chave. Onde os outros perdem a pista, ela encontra o rasto. É um dom» (pág. 102). Alicia ficou ainda exteriormente marcada pela guerra a que sobreviveu, com um ferimento na anca direita, que lhe dá dores atrozes e a obriga a usar um arnês, o que lhe dava «um ar de boneca perversa, de marioneta de obscura beleza» e lembra um vampiro, uma «criatura das trevas», de «olhar gelado e penetrante», de riso frio, «indestrutível e dura como um diamante», «criatura de luz e sombra, como esta cidade», para quem «a solidão pode ser a melhor companhia»…
O autor junta neste livro todas as personagens e todas as obras anteriores, com o intuito de fechar todas as pontas soltas e desvendar todos os enigmas, pelo que só na segunda metade do livro iremos acabar por voltar a entrar na livraria e na família Sempere. Como muitas vezes se pode ler, não há propriamente um início para toda esta história, mas sim várias portas de entrada, tal como uma cidade, até porque afinal estamos a falar de um labirinto, um novelo de histórias passadas numa cidade labiríntica, onde se esconde um labirinto de livros. As referências literárias a obras e autores também abundam, como pistas para encontrar o caminho por entre o labirinto. Contudo mais do que labirinto, é muitas vezes a ideia de Inferno que persevera no livro, em diversas referências, inclusive a famosa citação de Dante, sendo a própria cidade comparada a esse Inferno pois aquela «Barcelona dos anos de 1930 (…) era, no julgamento dos entendidos, o que mais se lhe assemelhava.» (pág. 508). Recordemos que esta cidade sobrevive a uma guerra civil para depois passar ao jugo da ditadura franquista e é nesse clima de terror que podem vingar horrores como o que a nossa protagonista vai acabar por desvendar, auxiliada por Vargas. Desta forma, este romance partilha ainda do género policial e com um caso que é, de facto, bastante surpreendente e bem conseguido.
Parece, no entanto, restar uma última ponta solta, a do destino de Alicia que a certa altura do livro acaba por nos deixar, se bem que a resposta pode estar contida, como sempre, na própria história: «O que gostaria de fazer é viajar e ver mundo. Encontrar o meu lugar. Se é que existe.»
No final, e mais uma vez revelando a mestria de Zafón, é revelada uma surpresa, ao desvendar-se por fim o enigma mais premente de todos, quem é afinal o verdadeiro autor deste livro e de todos os outros?
«Tinha calculado que aquele magnum opus produto da minha febril imaginação juvenil atingiria dimensões diabólicas e uma massa corpórea a rondar os quinze quilos. Tal como a sonhava, a narrativa seria dividida em quatro volumes interligados que funcionariam a modo de portas de entrada para um labirinto de histórias. À medida que o leitor se internasse nas suas páginas sentiria que o relato se encaixava como um cojnunto de bonecas russas em que cada trama e cada personagem conduzia a outra e esta, por sua vez, a outra, e assim sucessivamente.» (pág. 808).
E podemos confirmar que, terminada esta magna leitura, fica o desejo de regressar a todos os outros livros, para regressar ao labirinto a partir de novas entradas. Ver artigo
Winfried Geord Sebald é um dos autores da literatura do século XX a ter em conta, nomeadamente pela sua capacidade de fundir o ensaio com as memórias ou a filosofia. Neste mais recente livro traduzido pela Quetzal (o sétimo livro do autor publicado pela editora), Sebald avança com uma tese polémica, de como a literatura alemã falhou em tratar a guerra aérea. Estas lições foram proferidas em Zurique em 1997 mas são aqui retrabalhadas, incluindo-se aliás num posfácio as respostas do autor à correspondência com as reacções suscitadas por essas lições. Numa segunda parte deste breve livro (onde não faltam fotografias) inclui-se ainda um artigo publicado numa revista sobre o autor Alfred Anderschs, que personifica como para «a esmagadora maioria dos escritores que ficaram na Alemanha durante o Terceiro Reich foi mais urgente, depois de 1945, a redefinição de uma ideia de si próprios do que a descrição das verdadeiras circunstâncias que os rodeavam» (p. 8).
Nascido numa aldeia dos Alpes em 1944, Sebald reconhece a sorte de quase não ter sido atingido pela catástrofe que se deu no império alemão mas que ainda assim deixou marcas na sua memória. Ficam para a História registos como os da Royal Air Force, que em 400 mil voos lançou em território inimigo alemão um milhão de toneladas de bombas, de que resultaram 131 cidades atacadas, muitas arrasadas, e 600 mil civis alemães vítimas da guerra aérea. Contudo, a «já lendária» e «admirável» reconstrução alemã após a devastação permitiram não olhar para trás, além de que na literatura alemã da época e da fase seguinte são quase inexistentes referências, e o próprio povo parece ter-se escudado sob uma certa amnésia colectiva pois os relatos dos sobreviventes recorrem geralmente às mesmas fórmulas e chavões. Ver artigo
Partilhamos o texto de apresentação enquanto não recenseamos a obra:
O Que Faria Eu se Estivesse no Meu Lugar? – 10 Conversas de vida com António Lobo Antunes, de Celso Filipe, publicado pela Planeta, é «Uma visão intimista de um dos maiores escritores da actualidade: o que pensa hoje António Lobo Antunes sobre o amor, a amizade, a infância e a família, o ofício de escritor, a fama, os prémios, a posteridade. À bolina e sem fronteiras pelo pensamento de um dos maiores escritores contemporâneos – a escrita e a posteridade vistas do lugar de uma amizade conversável. Para memória futura. «Este não é um livro do António Lobo Antunes nem um livro sobre o António Lobo Antunes. É uma mistura de ambos, construído a partir de 10 conversas que tiveram lugar entre Abril e Agosto de 2016. Quando o escritor me desafiou a fazermos um livro juntos, a tentação subsequente foi a de estabelecer um plano, cada conversa com um tempo, por exemplo, a linguagem, a família, o amor, os amigos.» Ver artigo
Chega hoje às livrarias Em queda livre, de William Golding, publicado pela Dom Quixote.
Partilhamos a sinopse:
«De alguma forma, em algum momento, Samuel Mountjoy perdeu a sua liberdade, o livre-arbítrio que «não pode ser discutido, apenas sentido, como uma cor ou o sabor das batatas».
Nascido na pobreza, de pai incógnito e mãe alcoólica, Sam cresce na vida, superando as suas origens e transformando-se num pintor de sucesso, com quadros expostos na Tate Gallery. Arrastado para a Segunda Guerra Mundial, é feito prisioneiro, submetido a tortura e fechado na escuridão de uma cela de onde emerge, como Lázaro do túmulo, descobrindo a infinidade num grão de areia e a eternidade numa hora.
Transfigurado pela traumática experiência, inicia o processo de compreensão do que o Homem pode ser. Determinado em entender a pessoa em que se transformou pelas escolhas que fez na vida, Sam relembra o passado na tentativa de encontrar o momento exacto em que o peso acumulado dessas escolhas o privou do livre-arbítrio.» Ver artigo
Vamos dar conta das novidades em trânsito. Acaba de ser lançada uma nova tradução e edição da obra maior de Aleksandr Soljenítsin, O arquipélago Gulag, traduzida directamente do russo por António Pescada e tratando-se de uma versão abreviada. A Sextante tem aliás publicado as outras obras do autor.
Segundo informa a Sextante, na sua nota de imprensa, este «é um livro de condenação da existência dos campos de trabalho forçado e extermínio da União Soviética», «uma obra emblemática de combate ao totalitarismo de face estalinista, acerca da dura vida nos campos de extermínio e trabalhos forçados soviéticos. Escrito clandestinamente de 1958 a 1967, o manuscrito de O arquipélago Gulag acabou por ser descoberto pelo KGB em 1973. Na sequência disso, Soljenítsin, que entretanto havia sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, decide publicar o livro no estrangeiro. Uma primeira edição em russo é publicada em Paris ainda em 1973, sendo no ano seguinte lançada uma edição em francês. Soljenítsin é entretanto preso, acusado de traição, despojado da nacionalidade soviética e enviado para o exílio, onde estará vinte anos, até ao seu regresso à Rússia, em 1994. Para realizar este extraordinário livro, Soljenítsin foi ajudado pelo testemunho de 227 sobreviventes dos campos do Gulag, tendo ele próprio estado no de Ekibastuz, no Cazaquistão (campo descrito no romance Um dia na vida de Ivan Deníssovitch – Sextante Editora, 2012). O livro agora publicado pela Sextante é a versão abreviada, num só volume, preparada por Soljenítsin e por sua mulher, Natália – que, de resto, assina o prefácio –, com o objetivo de se tornar mais acessível aos leitores estrangeiros e a novos leitores que, como ele, deverão «condenar publicamente a ideia de que homens possam exercer tal violência sobre outros homens. Calando o mal, fechando-o dentro do nosso corpo para que não saia para o exterior, afinal semeamo-lo».
Sobre o autor «Aleksandr Soljenítsin (1918-2008) combateu na Segunda Guerra Mundial e esteve preso e internado em campos de trabalho forçado de 1945 a 1953, após críticas privadas a Estaline. Ilibado na sequência da «abertura» criada pelo famoso discurso de Krutchev denunciando os crimes estalinistas, foi professor e iniciou o seu percurso de escritor nos anos 50. Um dia na vida de Ivan Deníssovitch, classificado por Aleksandr Tvardovski, seu editor na revista Novy Mir, em 1962, como um «clássico», teve a sua publicação expressamente autorizada por Krutchev e foi estudado nas escolas. Mas a vida de escritor de Soljenítsin viria a ser atribulada e reprimida na sequência da recusa pela União dos Escritores da publicação de Pavilhão de cancerosos e da atribuição do Prémio Nobel da Literatura em 1970. Foi expulso da União Soviética em 1974, vivendo na Suíça, em França e nos Estados Unidos até à queda do Muro de Berlim, após o que regressou a Moscovo, em 1994, sendo recebido triunfalmente. As suas obras marcaram indelevelmente a literatura russa do século XX, inserindo-se na grande tradição narrativa de nomes como Tchekov, Tolstoi e Dostoievski.» Ver artigo
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