A autora nasceu em Los Angeles em 1963 e cresceu no Tennessee, onde continua a viver. Publicou o seu primeiro romance em 1992 que foi destacado pelo New Yok Times como um dos melhores do ano. Tem recebido diversos prémios e encontra-se traduzida em mais de trinta línguas. Comunidade, com o título original de Commonwealth, é o seu sétimo e mais recente romance, publicado pela Minotauro.
Num domingo à tarde, no sul da Califórnia, terra das laranjas, um membro da comunidade aparece na festa de baptizado de Franny Keating, filha de Beverly e Fix Keating, e leva como presente impróprio para a ocasião uma garrafa de gim. Bert Cousins decide aparecer sem ter sido convidado como forma de fugir à confusão do seu próprio lar, onde estão os seus três filhos e a mulher grávida.
A partir deste acontecimento fortuito, aparentemente muito pouco relevante, precipitam-se consequências drásticas na vida de dois casamentos e duas famílias, cujo impacto se arrastará durante cinco décadas. Pois foi também nesse dia que se despoletou uma forte atracção de Bert por Beverly, o que leva a um beijo e depois a um caso entre os dois que anos mais tarde motiva o divórcio dos seus cônjuges, um novo casamento e a sua mudança para a Virgínia, onde os filhos de ambos se passarão a encontrar nas férias de Verão. O destino de seis crianças com muito pouco em comum é assim unido à força, apesar de entre elas não existir qualquer animosidade, embora todas partilhem um ódio reverente aos pais.
Mais tarde, quando Franny, a bebé, se torna uma mulher adulta e se envolve com Leon, um aclamado escritor, ao nível de Roth ou Updike, é a história dos verões da juventude da namorada que irão alimentar o tão aclamado romance que os leitores de Leon há muito aguardavam, romance esse que se intitula justamente Comunidade e dará depois origem a um filme. A autora parece assim explorar a questão da validade ou justiça do aproveitamento da matéria real da vida de algumas pessoas para a criação de uma história que se faz passar por ficção, quando na verdade o que se faz a exposição pública de segredos de família.
O romance está magistralmente narrado, sem tecer juízos ou considerações, deixando a interpretação a cargo do leitor, e construído de modo a deixar pistas de que algo trágico terá ocorrido entretanto mas só ao progredir na leitura é que se poderá juntar a informação em falta. Além disso, a autora nunca procura subsumir a complexidade das personagens de forma ligeira, como na passagem: «A filha do primeiro casamento estava sempre a precisar de dinheiro, na realidade precisava de muito mais do que dinheiro, mas esta era a forma mais fácil de ela expressar as suas necessidades.» (p. 183). Ou como acontece por exemplo com a personagem de Albie, a criança mais nova e particularmente irritante que era drogada pelos irmãos com antialérgicos para que não os incomodasse. Afirma o pai que «É possível relacionar muitos dos problemas daquele miúdo com o nome.» (p. 39), mas se Albie se revela um adolescente problemático, podemos também remontar o que mais tarde acontece e que resulta na morte de uma das crianças como culpa dos pais, como no episódio emblemático do motel, em que os pais decidem dormir até tarde e as crianças ficam por sua conta, decidindo ir a pé até a um lago que fica a 3 km de distância, não sem se fazerem acompanhar de uma arma que estava no porta-luvas do carro cuja porta Caroline consegue destrancar, pois Fix, o pai, ensinara-lhe a destrancar um carro com um cabide de arame.
Uma belíssima narrativa que se pode ler como uma alegoria da família e das relações humanas como elos inquebráveis, mesmo quando apesar dos laços sanguíneos muito pouco os parece unir, e em que uma acção por muito inconsequente que pareça, tem repercussões em todos os outros, mesmo que entretanto se tenham passado cinco décadas, à semelhança de uma liga de países ou aos membros de uma comunidade que se unem apesar das suas (des)identidades distintas. Ver artigo
Ken Follett nasceu em 1949 e estreou-se aos 27 anos na ficção com O Buraco da Agulha. Desde então, o autor britânico tem alternado entre os romances de espionagem e o romance histórico. O seu último sucesso foi a trilogia O Século que narra a saga de cinco famílias, de nacionalidades distintas (americana, russa, inglesa, alemã, escocesa), ao longo de várias gerações, de modo a contar em três volumes (A Queda dos Gigantes, O Inverno do Mundo, No Limiar da Eternidade) a história das duas Guerras Mundiais e do período subsequente de Guerra Fria.
O autor é ainda sobejamente conhecido pelos seus outros romances históricos de fôlego: Os Pilares da Terra (1989) e Um Mundo Sem Fim (2007), que foram também adaptados a mini-séries.
Uma Coluna de Fogo foi publicado em Setembro, num lançamento simultâneo com a edição original inglesa. Não seria de esperar outra iniciativa da parte da Editorial Presença, uma vez que Ken Follett é o que se pode entender como um autor bestseller com mais de 150 milhões de exemplares vendidos, em mais de 80 países e 33 línguas.
Uma década depois, o autor regressa à saga de Kingsbridge, e mais uma vez com um salto temporal, pois estamos em 1558.
As personagens dos romances anteriores ganham agora o estatuto de lendas ou símbolos, como o prior Phillip, o monge encarregado da construção da catedral quatrocentos anos antes, que está agora encerrado num túmulo volumoso do cemitério de Kingsbridge, ou Caris, que fundou o hospital e ainda é recordada como a freira que salvou a cidade durante a peste negra.
Como observa Ned ao sair da barcaça, «a cidade não parecia ter mudado muito num ano. Locais como Kingsbridge apenas mudavam lentamente, segundo Ned cria: as catedrais, as pontes e os hospitais eram construídos para perdurar.» (p. 23). E é isso que Ken Follett parece fazer com mestria, focar-se nas grandes construções humanas e fazer delas as verdadeiras personagens dos seus romances. O priorado de Kingsbridge está agora em ruínas, desde que Henrique VIII declara o protestantismo e dissolve os mosteiros, mas a catedral ainda se mantém «alta e forte como sempre, o símbolo de pedra da cidade dos vivos» (p. 24). A história da construção de uma catedral ou de uma ponte parecem ser o verdadeiro motivo dos romances do autor, estatuídas como personagens ou entidades que assinalam a passagem do homem e que perduram como testemunho da sua capacidade inventiva e ambição:
«Ned contemplou as nervuras da abóbada, quais braços de uma multidão que se erguiam ao céu. Sempre que entrava naquele local pensava nos homens e nas mulheres que o haviam construído. Muitos deles eram celebrados no Livro de Timothy, uma história do priorado que era estudada na escola: os pedreiros Tom e o seu enteado Jack; o prior Philip; Merthin Fitzgerald, que erguera não só a ponte como a torre central; e todos os operários das pedreiras, os carpinteiros e os vidraceiros, gente vulgar que tinha feito uma coisa extraordinária, se tinha erguido acima das circunstâncias humildes em que havia nascido e criado algo de eternamente belo.» (p. 25)
Muda o tempo, mudam as personagens, saltam-se gerações nas famílias, mas mantém-se o cenário e o espírito dos outros dois livros.
Ned Willard regressa a Kingsbridge ansioso por rever Margery, depois de ter vivido um ano em Calais, o porto da costa norte de França, então sob administração inglesa.
Margery Fitzgerald vai ser forçada a casar com Bart Shiring, que pode um dia vir a ser conde de Shiring.
Isabel Tudor parece preparar-se para subir ao trono.
O autor entrelaça uma vez mais o destino de pessoas comuns com o de figuras históricas para construir um romance de grande porte e ambição. O autor decide repartir o protagonismo por um vasto elenco de personagens, pois além de Ned Willard e Margery Fitzgerald, temos ainda o irmão de Ned, o aventureiro Barney Willard, ou o oportunista e arrivista Pierre.
A narrativa está dividida em cinco partes, compreendidas entre 1558 e 1620, havendo saltos temporais de alguns anos de uma parte para outra, como forma de retratar não apenas um período de tempo mas toda uma época que corresponde à ascensão ao trono de Isabel Tudor. Em Uma Coluna de Fogo, sente-se aliás como a acção se distancia mais e mais de Kingsbridge para se dispersar pelo mundo, de lugares tão díspares como as Caraíbas, Sevilha ou Antuérpia.
Os eventos são perspectivados a partir do ponto de vista das próprias personagens, o que leva a que o leitor por vezes quase sinta simpatia por personagens tão execráveis como Pierre Aumande, o jovem ambicioso, que não se detém perante nada nem ninguém para atingir aquilo que mais almeja: a ascensão social que lhe permita obnubilar aquilo que a tanto custo quer esquecer, o ser filho bastardo de um padre e da sua governanta.
A conclusão a que se chega é que a ideia do livro é retratar o reinado de Isabel Tudor, na sua ascensão ao trono e na emergência de Inglaterra como uma grande potência. A nação britânica é vista como pobre e atrasada, em comparação, por exemplo, com o luxo e opulência de França. A rainha Isabel parece aliás ser permanentemente apontada por estar sempre a contar os seus tostões…
Há pormenores históricos e culturais que vão também pontuando e enriquecendo a narrativa, como o facto de as pessoas apenas tomarem banho duas vezes por ano, na Primavera e no Outono, ou o choque provocado quando Maria Stuart se decide casar de branco, uma vez que essa é a cor do luto.
Um dos pontos altos do romance é certamente o casamento da princesa Margot, a «libertina irmã do rei», com o «despreocupado Henrique de Bourbon, o rei protestante de Navarra» (p. 463), que pretendia simbolizar uma aliança entre católicos e protestantes e que resulta na Noite de São Bartolomeu: «Morreram três mil pessoas em Paris, e mais uns milhares em massacres similares noutros locais. Todavia, os huguenotes deram luta. Cidades em que eram a maioria receberam numerosos refugiados e fecharam as portas aos representantes do rei. Os membros da família Guise, enquanto católicos poderosos leais ao monarca, foram mais uma vez recebidos no círculo real, enquanto a guerra civil voltava a deflagrar.» (p. 539)
Depois de Os Pilares da Terra e Um Mundo Sem Fim se terem centrado na construção de grandes obras arquitectónicas, Uma Coluna de Fogo é essencialmente uma obra sobre a liberdade de religião e onde se respira já os valores do renascimento. Veja-se como Carlos manda pintar um retrato que quando é mostrado pela primeira vez causa algum espanto:
«O pintor retratara o casamento a ter lugar numa grande casa que podia pertencer a um banqueiro de Antuérpia. Jesus estava sentado à cabeceira da mesa com um manto azul. A seu lado, o anfitrião da festa era um homem de ombros largos com uma barba preta cerrada, muito parecido com Carlos; ao lado deste sentava-se uma mulher loura e sorridente, que poderia ter sido Imke.» (p. 395)
Este é um romance de fôlego que tanto pode ser lido pausadamente como de uma só vez. Não nos perdemos na acção e a leitura nunca se torna cansativa, talvez daí a opção do autor pelos saltos temporais de modo a captar os momentos cruciais da acção que é, afinal, um retrato de uma época, mais do que as aventuras e desventuras das personagens.
Existem alguns lugares comuns que parecem difíceis de evitar, como a jovem obrigada a casar pelos pais para que a sua família, pertencente à classe da burguesia, possa ascender socialmente, mas há uma atenção inegável ao detalhe e ao rigor histórico, bem como a capacidade de contar uma boa história e de passar informação de forma acessível. Existe, todavia, um cuidado de facilitar a leitura ao leitor que resulta, por vezes, em alguma redundância, como, por exemplo, quando se refere a Navarra sente a necessidade de reiterar que é um pequeno reino entre Espanha e França.
Uma nota especial para a edição. A Presença opta por lançar a obra num só volume, o que parece preferível, e é algo que poucas editoras fazem. Resulta num livro maior, com 768 páginas, mas a qualidade do papel tornam-no leve e facilmente manuseável que dá gosto ler e transportar. Ver artigo
Publicado agora pela Livros Cotovia, este livro originalmente publicado em 1924 foi um êxito e fez com que o escritor então com 26 anos fosse comparado a Proust e a Dostoiveski, e aclamado por vários outros escritores, talvez por narrar com um lirismo e uma atenção ao pormenor próprios de Proust, mas sem a desenvoltura das suas longas frases sinfónicas, as desgraças da vida abaixo da aristocracia, dos de «condição miserável» (p. 168). Emmanuel Bove nasceu em Paris em 1898 e escreveu duas dezenas de obras até vir a falecer em 1945.
O livro tem um título enganoso, pois na verdade este inquilino de um prédio em Montrouge parece ter muito poucos amigos e os seus vizinhos mal o olham de frente, uma vez que a solidão, a tristeza e a pobreza nunca são grandes atractivos: «A solidão pesa-me. Gostava de ter um amigo, um verdadeiro amigo, ou então uma amante a quem confiasse as minhas penas.» (p. 35).
Esta é a história do quotidiano de Victor Bâton, narrada a partir da perspectiva muitas vezes iludida desse pobre coitado, hipocondríaco, inseguro, medroso e solitário («Sou demasiado sensível, pronto. (p. 46)», que circula pelo seu bairro, enquanto oferece um retrato prosaico dos vizinhos e dos lojistas, sempre num tom desencantado, de alguém que se sabe rejeitado pela sociedade e que em sua defesa pode apenas propalar que «tinha feito a guerra, que era um ferido grave, que tinha uma condecoração militar, que recebia uma pensão» (p. 24).
Conta os dias de solidão e de pobreza de uma pobre alma que combateu e foi ferido na Primeira Guerra e que agora vagabundeia pela cidade de Paris, pelas margens do Sena, nas estações de comboio, à procura da amizade e do amor: «Quando saio de casa, conto sempre com um acontecimento que revolucione a minha vida. Fico à espera dele até voltar. É por isso que nunca fico no quarto.» (p. 108). Victor Bâton não tem pejo em fingir que chora, «a fazer comédia» (p. 94), para que melhor sintam pena dele, se bem que a maioria das pessoas que se cruzam consigo parecem ser tão ou mais miseráveis do que ele: «Como não conheço ninguém, tento atrair as atenções na rua, pois só aí poderão reparar em mim.» (p. 93). Ver artigo
Chegam boas notícias da Porto Editora de que partilhamos a nota de imprensa: Ver artigo
William Faulkner, um dos maiores e mais inovadores romancistas norte-americanos do século XX, terá escrito este livro pouco depois da publicação do seu primeiro romance, A Recompensa do Soldado (1926).
A 5 de fevereiro de 1927, Faulkner ofereceu um exemplar de A Árvore dos Desejos, dactilografado e encadernado por si, à pequena Victoria Franklin, no seu oitavo aniversário, onde narra as aventuras de Dulcie no dia em que também acorda para o seu aniversário. Victoria era filha de Estelle Oldham, uma antiga namorada de adolescência e sempiterna paixão do escritor que não desistiu enquanto não conseguiu casar-se com ela em 1929. A história nunca foi publicada senão dois anos depois da morte do autor, em 1964, com ilustrações de Don Bolognese, tal como se reproduz nesta bonita edição de capa dura da Ponto de Fuga.
William Faulkner nasceu no Mississípi, no Sul dos Estados Unidos, a 25 de setembro de 1897, e foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Literatura em 1949.
O único livro infantil do autor cruza o imaginário de Alice no País das Maravilhas, com pessoas e animais que encolhem e aumentam de tamanho, com o da sua ficção adulta, situando a história de forma vaga no contexto norte-americano dos tempos da guerra e da escravatura, através das personagens de Alice e do marido, soldado morto ou desaparecido que magicamente regressa, e antecipa recursos narrativos e estilísticos do seu romance mais célebre, O Som e a Fúria (1929). Aquilo que pode parecer do reino do sonho ou do absurdo revela-se afinal como uma preciosa lição de vida, onde as personagens muitas vezes desperdiçam desejos em coisas inúteis, sem sequer se aperceber que afinal já encontraram a Árvore dos Desejos que buscavam, essa entidade mítica que continuam a procurar numa saga quixotesca cheia de peripécias e mal-entendidos.
A editora Ponto de Fuga inaugurou com este título uma colecção infanto-juvenil composta por escritores que não são usualmente autores de livros infantis, como Gertrude Stein, Ted Hughes ou E.E. Cummings. No Plano Nacional de Leitura para 2017 este livro surge como recomendação para o 9.º ano. Ver artigo
Publicado na Forma de Vida: Ver artigo
Kate Atkinson, nascida em York (Grã-Bretanha) em 1951, conseguiu a proeza de ganhar o Prémio Costa pela terceira vez com esta obra que é um complemento, não uma sequela, segundo palavras da própria autora, de Vida após Vida, o seu romance anterior, igualmente premiado com o Costa e publicado pela Relógio d’Água.
A autora teve ainda duas outras obras publicadas em Portugal. Retratos de Família, o seu romance de estreia e vencedor do Costa, com o título original de Behind the Scenes at the Museum, data de 1995 e foi publicado uns anos depois pela Planeta Editora, que também traduziu e publicou Croquete Humano.
Vida após Vida, publicado pela Relógio d’Água em 2014, assenta numa ideia original. Na contracapa do livro pode ler-se: «Em 1910, durante uma tempestade de neve em Inglaterra, um bebé nasce e morre sem que tenha tempo de respirar. Em 1910, durante uma tempestade de neve em Inglaterra, o mesmo bebé nasce e vive para poder contar a aventura.». Ou, dito de outra forma, para poder contar a História. A história de Vida após Vida, como o título indica, é uma sucessão de desfechos alternativos, mas se ao início esses desfechos alternativos parecem cingir-se àquilo que aconteceria se Ursula sobrevivesse às várias mortes por que passa, depois começam a estar mais amplamente relacionados com o próprio livre arbítrio da personagem e das decisões que toma. A vida de Ursula desdobra-se numa míriade de vidas possíveis, até que, no fecho do primeiro capítulo, localizado temporalmente em Novembro de 1930, quando Ursula entra num café e dispara sobre Hitler, se pressente que a ideia central ao romance é não só a eterna questão de “E se eu tivesse decidido assim ou optado por ali” mas sim a de “E se fosse possível prever o futuro e reescrever a História?”. Nas palavras da própria heroína: «Uma vez ouvi alguém dizer que a presciência era uma coisa maravilhosa, que com ela não haveria história.» (pág. 428). Ver artigo
Hubert Selby Jr. viveu entre 1928 e 2004 e nasceu em Brooklyn, cenário do seu romance Última Saída para Brooklyn, também publicado pela Antígona em 2006, que se tornou um livro de culto e instituiu o autor como um ícone da contracultura.
Passado no Bronx nos anos 70, Requiem por um Sonho, obra publicada pela Antígona, é uma descida aos infernos do vício e da mente. Harry, Tirone, Marion e Sara são as quatro personagens entre as quais a narrativa oscila, dando conta num registo torrentoso em que os diálogos e a corrente de consciência das personagens se enovela. No início da narrativa todas as personagens possuem um sonho: Harry e Tirone procuram dinheiro fácil, Marion gostaria de abrir um café-teatro e ter fama como artista, enquanto Sara sonha aparecer na televisão. Sara, a mãe de Harry, é a única personagem que não é viciada em heroína, mas depois de passar os dias inteiros agarrada à televisão, tornando-se perita em deitar um olho sobre aquilo que vai fazendo enquanto o outro olho absorve as imagens em technicolor, muitas vezes de anúncios publicitários, deixa-se levar pelo engano de vir a ser convidada a participar num concurso televisivo, o que a leva a querer emagrecer e a ficar involuntária e ingenuamente viciada em anfetaminas. Seja pela heroína, pela televisão, pela publicidade que tudo promete, pelos comprimidos coloridos que se engolem sem culpa, gradualmente, estes sonhos perdem-se e são destruídos por uma necessidade instintiva de encontrar a próxima dose de esperança através da droga que lhes corre nas veias.
O narrador procura ocultar-se por trás das suas personagens, sem tecer juízos de valor, enquanto constrói este seu quadro dantesco de uma «avassaladora viagem ao lado negro do sonho americano e ao universo junkie».
Leitura densa, pesada, que não deve ser feita de ânimo leve, numa espiral descendente de destruição e aniquilamento de qualquer esperança de sonho, este romance foi adaptado ao cinema em 2000 pelo premiado realizador Darren Aronofsky. Ver artigo
Um livro ideal para ser lido numa tarde de outono sobre uma história de amor no crepúsculo da vida. É uma história breve mas com uma nota de esperança sobre a amizade, o amor e as oportunidades que não são agarradas na altura certa por medo ou convencionalismos.
Em Holt, uma pequena cidade do Colorado (de onde o autor é oriundo, partindo sempre desse espaço e das suas comunidades para os seus livros), Addie Moore surpreende o seu vizinho Louis Waters com uma proposta irreverente: «Estou a falar de passarmos a noite juntos. E de nos deitarmos quentinhos na cama, de fazermos companhia um ao outro. De nos deitarmos e de tu passares lá a noite. As noites custam muito a passar.» (p. 11).
Ambos viúvos, a viver vidas vazias em casas vazias, porque não partilharem a cama visto que é na noite que a solidão mais se sente? Note-se que mesmo com o neto de 6 anos de Addie, é também na noite que ele se ressente da incerteza e da reviravolta que a sua vida levou, sentindo-se abandonado pelos pais.
Escrito numa linguagem clara, concisa, numa prosa muitas vezes puramente descritiva, simples, mas nunca banal, e alternando com diálogos que vão revelando as personagens conforme estas despem a alma nas suas conversas na noite. Uma história de amor na terceira idade, sem lugares-comuns ou lamechices, onde uma comunidade se revolta contra uma relação que é mais de companheirismo do que física: é sintomático que seja essencialmente quando expostos em público que Addie e Louis mais arriscam nas manifestações físicas de afecto, «caminhando ao longo das montras falsas à moda antiga» (p. 62).
Este livro, eleito o melhor do ano por jornais como Boston Globe, Denver Post e St Louis Dispatch, foi o último romance do autor, escrito quando os médicos lhe diagnosticaram uma doença grave, e tendo falecido dias depois de o ter concluído, em Novembro de 2014. Publicado pela Alfaguara, estreia na próxima semana a sua adaptação em filme no canal Netflix, com interpretações de Jane Fonda e Robert Redford. Ver artigo
Esperei quase dois anos para ler a tradução deste livro e para perceber como é que a autora conseguiu a proeza de ganhar o Prémio Costa pela terceira vez com esta obra que é um complemento, não uma sequela, segundo palavras da própria, a Vida após Vida. Nesse romance anterior igualmente premiado com o Costa e publicado pela Relógio d’Água, Ursula, numa das suas várias vidas (para quem leu o romance anterior percebe) é uma presença constante, até porque é a irmã preferida, e provavelmente a amizade mais sólida, de Teddy, Edward Todd, um piloto do Comando de Bombardeiros. Apresentei em tempos um livro de Sebald, História Natural da Destruição, em que o autor comenta justamente a pouca literatura que há em torno da guerra aérea que pulverizou a Alemanha. Pois neste romance Kate Atkinson centra-se justamente no Blitz de Londres e na campanha de bombardeamentos estratégicos contra a Alemanha. Há uma aturada pesquisa histórica, que aliás se sente, nunca de forma enfadonha, nas descrições pormenorizadas dos voos e dos pormenores associados à guerra, sendo que os episódios narrados são sempre baseados em factos reais. Existem momentos em que podemos mesmo visualizar vividamente as cenas, como se estivéssemos a ver um filme como Dunkirk.
Mas este não é apenas um romance sobre a guerra. É sobretudo um romance sobre a vida e as várias guerras que combatemos ao longo dela, como a doença, a velhice, as relações familiares, ou tão simplesmente o esquecimento.
Não é um romance em que se entre de ânimo leve. Penso que só perto da página 100 é que comecei a embrenhar-me na história verdadeiramente.
E se tivesse de arriscar um motivo pelo qual este livro arrecadou o Costa seria pelo tratamento do tempo. Não me refiro a prolepses ou analepses, que são constantes, nem ao facto de os capítulos, todos eles datados com um ano (entre 1925 e 2012), serem desordenados cronologicamente. Em poucas linhas os planos temporais enovelam-se e quase perdemos o fio à meada, não fosse a perícia com que a autora tece o fio do tempo.
Usar a metáfora de que ler este romance é como nos perdermos num labirinto seria incorrecto. Aqui andamos numa sala de espelhos, em que o passado faz luz sobre o futuro e o futuro se projecta no passado, à medida que um homem, num século que não é mais o seu, se apercebe de como a vida vai ruíndo apesar da sua bondade e da sua integridade. Ver artigo
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