Mais uma vez os títulos em português nem sempre fazem muito jus à obra da autora, normalmente considerada como literatura chick ou light. Neste caso particular o título até está muito próximo do original. A obra não está ao nível de Xeque ao Rei, que consegue um dos voltefaces mais fantásticos na ficção publicada nos últimos anos, mas que mais uma vez se perde com a tradução para o português (aconselho vivamente a ler a obra no original para ser verdadeiramente surpreendido no último capítulo), mas é um agradável regresso da autora e ao universo dessa obra. Reencontramos Roy Straitley, professor em St. Oswald, um colégio de rapazes, «um velho Rei solitário no tabuleiro de xadrez», um baluarte – ou dinossauro – de um método mais tradicional de aulas, além de ensinar justamente essa língua “morta” que é o latim há 34 anos. Enquanto St. Oswald ainda sofre do rescaldo dessa anterior tragédia, situação ocorrida anos antes e que resulta na morte de uma menina local, uma nova ameaça paira sobre a instituição que deveria ser um modelo de exemplaridade e excelência. Mais uma vez a autora não foge a temas mais actuais – como fez em O aroma das especiarias – e a pedofilia, o fanatismo religioso e a tortuosidade de certas mentes perversas são as forças que ameaçam o colégio.

Escrito em planos alternados, entre um ex-aluno (de identidade desconhecida mas indiciada desde o início…) que tem desígnios de vingança e segredos terríveis e o tom mais intimista do professor que narra as peripécias do colégio quando este é gerido por uma nova administração que traz perigos como PowerPoints, comunicados feitos exclusivamente por email e, pasme-se, um ensino misto de raparigas e rapazes. Mas não se julgue que Roy não é uma personagem simpática, é aliás uma figura bem divertida, com os seus próprios maus hábitos, o seu mau feitio, os alunos-mascote que também o respeitam e defendem, e os insights que nos chegam a partir da sua perspectiva são repletos de genuíno humor.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.