Um cão deitado à fossa, de Carla Pais, publicado pela Porto Editora, é o mais recente romance de uma nova voz da jovem literatura portuguesa. Venceu o Prémio Literário Cidade de Almada em 2018. Ver artigo
Violeta é o novo romance de Isabel Allende, a assinalar a comemoração dos 40 anos de vida literária desta autora que tem sido presença constante e essencial na vida de milhões de leitores. O lançamento mundial do novo livro, com edição simultânea em vários países, e uma apresentação online com a autora exclusiva para os leitores portugueses, deu-se no passado dia 25 de janeiro, data simbólica escolhida por Isabel Allende. A tradução é de Carla Ribeiro. A obra da autora chilena encontra-se integralmente publicada pela Porto Editora. Ver artigo
Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio, de Julieta Monginho, publicado pela Porto Editora, assinala os 25 anos de carreira literária de Julieta Monginho e, depois dos premiados A Terceira Mãe e Um Muro no Meio do Caminho, confirma a voz original da autora. Ver artigo
O regresso de Júlia Mann a Paraty, de Teolinda Gersão, cuja obra é publicada pela Porto Editora, foi lançado em Janeiro deste ano, em simultâneo com a publicação da 7.ª edição da colectânea de contos A mulher que prendeu a chuva e outras histórias. A autora, que completa agora 81 anos e celebra os seus 40 anos de vida literária, foi leitora de português na Universidade Técnica de Berlim, e professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada. Ver artigo
Contra mim, de Valter Hugo Mãe, foi publicado em outubro, pela Porto Editora, e constitui o livro mais pessoal e intimista do autor. A pintura que ilustra a capa é do artista plástico Agostinho Santos. Ver artigo
O livro recentemente lançado de Teolinda Gersão, O regresso de Júlia Mann a Paraty, autora publicada pela Porto Editora, celebra os seus 40 anos de vida literária, em simultâneo com a publicação da 7.ª edição da colectânea de contos A mulher que prendeu a chuva e outras histórias.
Este pequeno grande livro compõe-se de três novelas que se entrecruzam, de modo surpreendente, e que parecem ressoar o período em que Teolinda Gersão foi leitora de português na Universidade Técnica de Berlim (a autora viveu três anos na Alemanha), e professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada.
(…)
O virtuosismo na arte da novela de O regresso de Júlia Mann a Paraty reside sobretudo na forma como assenta em cartas, diálogos mudos que se estabelecem com interlocutores ausentes, como Mann que escreve a Freud em pensamento e vice-versa, ou na forma como Júlia escreve mentalmente ao pai cartas nunca enviadas. Virtuosismo narrativo que culmina num volte-face, presente e insinuado, mas revelado apenas no final.
Este pequeno grande livro compõe-se de três novelas que se entrecruzam, de modo surpreendente, e que parecem ressoar o período em que Teolinda Gersão foi leitora de português na Universidade Técnica de Berlim (a autora viveu três anos na Alemanha), e professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada.
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O virtuosismo na arte da novela de O regresso de Júlia Mann a Paraty reside sobretudo na forma como assenta em cartas, diálogos mudos que se estabelecem com interlocutores ausentes, como Mann que escreve a Freud em pensamento e vice-versa, ou na forma como Júlia escreve mentalmente ao pai cartas nunca enviadas. Virtuosismo narrativo que culmina num volte-face, presente e insinuado, mas revelado apenas no final.
texto a sair na íntegra daqui a umas semanas
1984, de George Orwell, foi publicado pela Livros do Brasil na colecção Dois Mundos em simultâneo com a Quinta dos Animais. Dois clássicos fundamentais agora reeditados por uma boa parte das grandes editoras (a capa da Porto Editora conta ainda com ilustrações de Vhils), assinalando a entrada da obra de Orwell em domínio público, que procuram novos leitores ou simplesmente uma releitura, uma vez que parece ter chegado o tempo das distopias, entre pandemia, desgovernação, novas tecnologias, e a ascensão de regimes neofascistas. Note-se que logo em 2017, com a eleição de Trump, as vendas de 1984 (originalmente publicado em 1949) dispararam.
Winston Smith, de 39 anos, é um funcionário do Ministério da Verdade cuja função é reescrever a História. Vive em Londres, a principal cidade de Pista Um, terceira província mais populosa da Oceânia, onde a filosofia dominante é o Socing. O mundo está dividido em três grandes superestados, Oceânia, Estásia, Eurásia, em guerra permanente há 25 anos.
Corre o ano de 1984, se bem que Winston não tem já a certeza, pois ao reescrever a História falsifica-se todo o passado e apesar de ele próprio contribuir para tal não tem como o provar: «Todos os registos foram destruídos ou falsificados, todos os livros foram reescritos, todos os quadros foram repintados, todas as estátuas e ruas foram renomeadas, todas as datas foram alteradas. E esse processo continua, dia após dia, minuto após minuto. A história parou. Nada existe a não ser um presente sem fim no qual o Partido tem sempre razão.» (p. 160)
A reescrita da verdade, aliada à ideia de se viver numa guerra permanente, permite a uma sociedade completamente hierarquizada, descendente dos antigos regimes totalitários, manter a sua estrutura intocável. Os habitantes da Oceânia, cuja vestimenta foi em tempos uma farda dos trabalhadores manuais, vivem na pobreza e ignorância, o que se tornou fácil com a manipulação da ordem pública pela imprensa e uma vigilância permanente por parte do Grande Irmão, figura que parece viver nos telecrãs omnipresentes que tudo registam e tudo emitem, num escrutínio que parece até capaz de ler pensamentos. Por isto, acções simples como Winston registar os seus pensamentos num diário ou amar Julia revelam-se actos criminosos:
«Antigamente, pensou, um homem olhava para o corpo de uma mulher e sentia desejo, ponto final. Mas, hoje em dia, não era possível ter um amor puro, nem desejo puro. Nenhuma emoção era pura, porque estava tudo misturado com medo e ódio. O abraço tinha sido uma batalha, o clímax uma vitória. Tinha sido um golpe contra o Partido. Tinha sido um ato político.» (p. 131)
Winston Smith, de 39 anos, é um funcionário do Ministério da Verdade cuja função é reescrever a História. Vive em Londres, a principal cidade de Pista Um, terceira província mais populosa da Oceânia, onde a filosofia dominante é o Socing. O mundo está dividido em três grandes superestados, Oceânia, Estásia, Eurásia, em guerra permanente há 25 anos.
Corre o ano de 1984, se bem que Winston não tem já a certeza, pois ao reescrever a História falsifica-se todo o passado e apesar de ele próprio contribuir para tal não tem como o provar: «Todos os registos foram destruídos ou falsificados, todos os livros foram reescritos, todos os quadros foram repintados, todas as estátuas e ruas foram renomeadas, todas as datas foram alteradas. E esse processo continua, dia após dia, minuto após minuto. A história parou. Nada existe a não ser um presente sem fim no qual o Partido tem sempre razão.» (p. 160)
A reescrita da verdade, aliada à ideia de se viver numa guerra permanente, permite a uma sociedade completamente hierarquizada, descendente dos antigos regimes totalitários, manter a sua estrutura intocável. Os habitantes da Oceânia, cuja vestimenta foi em tempos uma farda dos trabalhadores manuais, vivem na pobreza e ignorância, o que se tornou fácil com a manipulação da ordem pública pela imprensa e uma vigilância permanente por parte do Grande Irmão, figura que parece viver nos telecrãs omnipresentes que tudo registam e tudo emitem, num escrutínio que parece até capaz de ler pensamentos. Por isto, acções simples como Winston registar os seus pensamentos num diário ou amar Julia revelam-se actos criminosos:
«Antigamente, pensou, um homem olhava para o corpo de uma mulher e sentia desejo, ponto final. Mas, hoje em dia, não era possível ter um amor puro, nem desejo puro. Nenhuma emoção era pura, porque estava tudo misturado com medo e ódio. O abraço tinha sido uma batalha, o clímax uma vitória. Tinha sido um golpe contra o Partido. Tinha sido um ato político.» (p. 131)
As Mulheres da Minha Alma, de Isabel Allende, publicado simultaneamente pela Porto Editora e pelo Círculo de Leitores em Novembro de 2020, com o subtítulo Sobre o amor impaciente, a vida longa e as bruxas boas, é o mais recente livro de Isabel Allende, pouco menos de um ano depois do seu retorno à ficção histórica em Longa pétala de mar, poderoso romance ao nível dos melhores livros da autora. Isabel Allende tem agora quase 80 anos, mais de 20 livros publicados, cerca de 70 milhões de exemplares vendidos um pouco por todo o mundo e é a autora de língua espanhola mais lida.
Este não é o primeiro livro de não-ficção da autora, mas é certamente dos mais complexos, construído num palimpsesto. Apesar de começar com um tom memorialista, num registo autobiográfico da infância à idade madura, converte-se depois num manifesto feminista, onde não faltam números, estatísticas, citações, situações experienciadas em primeira mão e dados preocupantes que revivificam a jornalista que Isabel Allende era antes de se dedicar à escrita por inteiro. Allende criou aliás uma Fundação destinada ao empoderamento das mulheres e meninas de alto risco com as receitas provenientes do livro Paula, uma memória e uma carta de celebração da vida da sua filha – não lhe podemos chamar despedida pois para Allende a sua filha Paula, tal como outros espíritos amigos, nunca partiu completamente.
Este livro, escrito para as suas leitoras, é também uma declaração de amor para essas mulheres extraordinárias que compuseram a sua vida – Paula, a agente literária Carmen Balcells, a mãe Panchita – e que nós já conhecemos tão bem como as suas personagens de papel, como a omnipresente Eliza Sommers (heroína de Filha da Fortuna), além de outras mulheres cuja vida tem sido dedicada a tornar o mundo um lar para todas as mulheres, e ainda escritoras companheiras de percurso que Allende vai evocando e citando, como Margaret Atwood ou Virginia Woolf. Mas além do feminismo este é também um livro sobre envelhecer com graciosidade e sobre o amor, mesmo em tempos de pandemia.
Este não é o primeiro livro de não-ficção da autora, mas é certamente dos mais complexos, construído num palimpsesto. Apesar de começar com um tom memorialista, num registo autobiográfico da infância à idade madura, converte-se depois num manifesto feminista, onde não faltam números, estatísticas, citações, situações experienciadas em primeira mão e dados preocupantes que revivificam a jornalista que Isabel Allende era antes de se dedicar à escrita por inteiro. Allende criou aliás uma Fundação destinada ao empoderamento das mulheres e meninas de alto risco com as receitas provenientes do livro Paula, uma memória e uma carta de celebração da vida da sua filha – não lhe podemos chamar despedida pois para Allende a sua filha Paula, tal como outros espíritos amigos, nunca partiu completamente.
Este livro, escrito para as suas leitoras, é também uma declaração de amor para essas mulheres extraordinárias que compuseram a sua vida – Paula, a agente literária Carmen Balcells, a mãe Panchita – e que nós já conhecemos tão bem como as suas personagens de papel, como a omnipresente Eliza Sommers (heroína de Filha da Fortuna), além de outras mulheres cuja vida tem sido dedicada a tornar o mundo um lar para todas as mulheres, e ainda escritoras companheiras de percurso que Allende vai evocando e citando, como Margaret Atwood ou Virginia Woolf. Mas além do feminismo este é também um livro sobre envelhecer com graciosidade e sobre o amor, mesmo em tempos de pandemia.
P – Iniciar este livro é como ler uma memória, mas apesar de ter sido escrito por uma mulher sobre as suas mulheres e para as suas leitoras mulheres (que interpela constantemente), páginas depois de evocar a sua mãe percebemos que há uma figura masculina que é quem mais se destaca, a do seu avô.
R – Alguns homens têm sido muito importantes na minha vida, em particular o meu avô, o meu padrasto e o meu filho Nicolás. Eu vivi com o meu avô até aos 10 anos; ele foi um pai-substituto para mim pois o meu pai biológico abandonou a família. Os seus ensinamentos, o seu exemplo, o seu código moral rígido e as suas histórias extraordinárias formaram o meu carácter desde cedo. A sua voz vive constantemente na minha mente. Creio que me tornei feminista em parte como desafio à autoridade patriarcal do meu avô.
P – Foi aliás para esse avô que escreveu A Casa dos Espíritos, romance que começou como uma carta de despedida quando soube que ele estava doente. Como conseguimos relacionar o avô que tantas vezes recorda, com carinho e admiração, com a figura autoritária e por vezes cruel de Esteban Trueba (que Jeremy Irons interpretou tão bem)?
R – Esteban Trueba representa uma elite conservadora e quase feudal de proprietários chilenos durante a primeira metade do século XX. Chamavam-se a si mesmos de “aristocracia castellano-vasca”, a aristocracia castelhana e basca. O meu avô tinha alguns dos traços de Esteban, em parte porque pertenceu à mesma alta classe social, mas não era um violador nem um assassino. O meu avô foi um homem digno, honesto, e com altos princípios. Tenho a certeza de que não se teria reconhecido no carácter de Esteban Trueba.
P – Neste livro refere-se sempre apenas de raspão à questão do exílio, quando se viu obrigada a sair do Chile, devido ao golpe militar.
R – Não era pertinente para o livro e já o contei em outras memórias, como Paula ou O Meu País Inventado.
P – A sua avó Isabel é uma memória frágil de quem herdou a sua espiritualidade e sensibilidade. A personagem Clara é inspirada na sua avó. Chegou a conhecê-la bem?
R – Não conheci bem a minha avó porque ela morreu quando eu era pequena. Lembro-me dela vagamente e suponho que terei inventado o resto com base naquilo que ouvi contar. Ela era uma espécie de lenda. Há muitas histórias e anedotas sobre ela e as suas faculdades paranormais. Eu cresci com uma avó mítica.
P – Por falar em Clara e Esteban Trueba, quando o filme foi rodado em Portugal chegou a acompanhar as filmagens? Como se sentiu ao ver o seu livro transformado num filme que, inclusivamente, corta uma das gerações, pois de Clara passa para Alba, esquecendo Blanca…
R – Não visitei as filmagens em Portugal. Passei uma semana com a equipa da filmagem num estúdio em Copenhaga. Gostei muito do filme e não me importei quanto às mudanças inevitáveis que o realizador teve de fazer.
P – Entre todas as personagens que chegam a pulular entre livros, como Nívea e Severo Del Valle, ou mesmo Clara que ressurge em Longa pétala de mar, a que aqui se destaca é Eliza Sommers, a jovem que partiu por amor para o cenário da febre do ouro e se fez passar por homem.
R – Para mim Eliza Sommers representa as primeiras feministas que tiveram de deixar a segurança (e prisão) das suas casas e tomar de assalto o mundo dos homens. Eliza foi à procura do amor e conquistou algo igualmente precioso: a liberdade.
P – Quase poderíamos pensar que a Isabel é uma céptica no amor… Eliza, como várias heroínas suas, não é a jovem donzela que se deixa arrebatar pois nos seus livros o amor nunca é cor-de-rosa mas sim uma espécie de via para a emancipação… Eliza, aliás, termina o livro sem o homem que perseguia e descobre o amor onde menos esperava…
R – O amor tem sido importante na minha vida. Sou abençoada; nunca vivi sem amor. É também importante na minha escrita, mas, tal como diz, o amor nunca é perfeito, porque não é perfeito na vida real. Desejava poder escrever romances com um final feliz!
P – Ainda sobre o amor… os seus últimos romances parecem pulsar com a pujança dos primeiros, como O amante japonês ou Longa pétala de mar.
R – A idade não alterou a sede por amor na minha vida ou o entusiasmo de escrever sobre o amor nos meus livros. E porque é que haveria de alterar? Sei que o amor e a paixão são possíveis em qualquer idade, por isso nos meus últimos três romances tenho amantes mais velhos.
P – Apesar de viver a maior parte da sua vida na Califórnia, ainda hoje escreve em espanhol. No livro, pode ler-se que «A linguagem é muito importante, pois costuma determinar a forma como pensamos.» (p. 68) Pode explicar-nos porque é que ainda hoje continua a escrever em espanhol? É também a língua em que pensa? A língua em que sente melhor?
R – Eu vivi em inglês durante 32 anos, mas ainda sonho, conto, rezo, cozinho, faço amor e escrevo apenas em espanhol. Claro que preciso de ter um dicionário de Espanhol na minha secretária porque esqueço-me com frequência de palavras em espanhol que só me ocorrem em inglês. E vice-versa…
P – Neste livro não só cria um manifesto feminista como um libelo do envelhecimento, mas sobretudo contesta o politicamente correcto e defende o binário pois separa muito bem a forma de sentir e de pensar da mulher da do homem…
R – Não sou contra os géneros fluídos, muito pelo contrário, defendo o direito de cada indivíduo definir o seu género. Não é preciso mantermo-nos apenas entre um género ou outro. Contudo, ao falar da nossa civilização, é necessário usar os termos masculino ou feminino para definir valores e atitudes. O patriarcado é o sistema prevalecente para a opressão política, económica, cultural e religiosa; durante milhares de anos tem assegurado o domínio e os privilégios do género masculino. O feminismo é uma revolta contra a autoridade masculina. Pretende substituir o patriarcado com um sistema em que a gestão mundial seja partilhada equitativamente entre homens e mulheres, em números e condições, e que os valores masculinos e femininos tenham o mesmo peso na sociedade. Esses valores são diferentes.
P – Além do empoderamento feminino, a sua Fundação também se centrou no apoio aos refugiados desde 2016, principalmente na fronteira entre os E.U.A. e o México.
R – Sim. Há uma crise humanitária na fronteira entre os E.U.A. e o México em que se reuniram milhares de pessoas que procuram asilo e migrantes que fugiram às condições terríveis na América Central. Entre eles, os mais vulneráveis são mulheres e crianças. A minha fundação tenta ajudá-los.
P – Num livro que apela à mudança de consciência, escreve as últimas páginas em março de 2020 em pleno confinamento justamente quando o mundo quase parou. O que acrescentaria quanto ao que se tem vivido desde então?
R – Espero que o mundo tenha aprendido uma lição difícil. O vírus tem-nos ensinado de que somos uma família humana; o que acontece a uma pessoa numa cidade na China acontece a todos nós e a única forma de vencer este inimigo invisível é através de um esforço colectivo global. Todos vivemos neste planeta frágil. Temos um destino comum. Espero que depois da pandemia sejamos capazes de imaginar e criar uma normalidade melhor, uma realidade mais inclusiva, sustentável, razoável, empática.
P – Por fim, os vários poemas citados e em destaque neste livro obedecem a critérios afectivos?
R – Os poemas ilustram alguns dos temas do texto. Por exemplo, quando eu explico porque é que o feminismo é Ruidoso, o poema «Arde» de Miguel Gane, que inicia por «Não, caladinha não ficas mais bonita», pareceu-me apropriado.
Os Tempos do Ódio, de Rosa Montero, publicado pela Porto Editora, é o último volume de uma trilogia (Lágrimas na Chuva e O Peso no Coração). É um romance intenso e certamente corajoso, no mínimo desconcertante para quem conhece Rosa Montero por A Louca da Casa em que a autora cria um futuro possível para o mundo em que vivemos. Trata-se de uma narrativa que ingressa nas potencialidades da ficção científica, e não o faz recorrendo a fantasia ou a indefinição acrónica, mas sim com base em todo um universo cuidadosamente imaginado pela autora, e que de alguma forma já tem sido premonitório de eventos entretanto ocorridos – após publicação dos primeiros 2 volumes da trilogia, conforme a própria autora nos explica na sua nota final: «Digo sempre que os romances de Bruna Husky são os mais realistas que já escrevi. De facto, são de um realismo um pouco inquietante, porque às vezes sinto que a atualidade vai confirmando as minhas invenções.» (p. 310)
Bruna Husky é uma rep tecno-humana de combate, isto é, uma andróide, um ser orgânico, mas hipermanipulado por engenheiros genéticos. Quase humana, são clones que amadurecem aceleradamente e que em 14 meses atingem os 25 anos de idade, mas com um prazo de validade curto, pois vivem apenas por 10 anos ao que depois “morrem” em agonia durante 2 semanas. Bruna Husky é independente, individualista, destemida, e tem uma intuição que raia o sobrenatural – uma espécie de sexto sentido hiperhumano. Contudo tem também um grande coração, ainda que o tente dissimular – e conforme nos embrenhamos na narrativa a nossa heroína híbrida tornar-se-á cada vez mais humana, capaz de experienciar ódio, ciúme e amor. Ou não fosse Bruna Husky proveniente do material genético de uma escritora e jornalista de há cem anos, chamada Rosa Montero…
O livro tanto lança uma ponte para um futuro possível, daqui a cem anos, como recupera factos históricos de um passado mais remoto, cheio de dados reais, das trivialidades à antiga paixão do homem pela criação de autómatos, passando pela Ordem de Rosa-Cruz.
Os Tempos do Ódio pode desencorajar aqueles que não apreciem particularmente ficção científica, mas este livro é também um thriller policial, num mundo em crise, à beira de uma guerra mundial interplanetária, onde tudo depende da tecnologia. É uma leitura intensa e emocionante (devorei-o num único dia), onde não deixam de estar presentes os principais temas da escrita de Rosa Montero: a efemeridade da vida, a passagem do tempo, a paixão como superação da morte, o amor ao próximo como caminho para uma vida plena, a luta contra o poder e a injustiça social.
A autora nasceu em Madrid, em 1951. Como jornalista, colabora em exclusivo com o jornal El País, tendo obtido, em 1980, o Prémio Nacional de Jornalismo e, em 2005, o Prémio da Associação da Imprensa de Madrid, por toda a sua vida profissional. Com A Louca da Casa recebeu o Prémio Grinzane Cavour de Literatura Estrangeira e o Prémio Qué Leer para o melhor livro espanhol, distinção que também foi atribuída, em 2006, a História do Rei Transparente. Recebeu, em 2017, o Prémio Nacional das Letras Espanholas pelo conjunto da sua obra.
Bruna Husky é uma rep tecno-humana de combate, isto é, uma andróide, um ser orgânico, mas hipermanipulado por engenheiros genéticos. Quase humana, são clones que amadurecem aceleradamente e que em 14 meses atingem os 25 anos de idade, mas com um prazo de validade curto, pois vivem apenas por 10 anos ao que depois “morrem” em agonia durante 2 semanas. Bruna Husky é independente, individualista, destemida, e tem uma intuição que raia o sobrenatural – uma espécie de sexto sentido hiperhumano. Contudo tem também um grande coração, ainda que o tente dissimular – e conforme nos embrenhamos na narrativa a nossa heroína híbrida tornar-se-á cada vez mais humana, capaz de experienciar ódio, ciúme e amor. Ou não fosse Bruna Husky proveniente do material genético de uma escritora e jornalista de há cem anos, chamada Rosa Montero…
O livro tanto lança uma ponte para um futuro possível, daqui a cem anos, como recupera factos históricos de um passado mais remoto, cheio de dados reais, das trivialidades à antiga paixão do homem pela criação de autómatos, passando pela Ordem de Rosa-Cruz.
Os Tempos do Ódio pode desencorajar aqueles que não apreciem particularmente ficção científica, mas este livro é também um thriller policial, num mundo em crise, à beira de uma guerra mundial interplanetária, onde tudo depende da tecnologia. É uma leitura intensa e emocionante (devorei-o num único dia), onde não deixam de estar presentes os principais temas da escrita de Rosa Montero: a efemeridade da vida, a passagem do tempo, a paixão como superação da morte, o amor ao próximo como caminho para uma vida plena, a luta contra o poder e a injustiça social.
A autora nasceu em Madrid, em 1951. Como jornalista, colabora em exclusivo com o jornal El País, tendo obtido, em 1980, o Prémio Nacional de Jornalismo e, em 2005, o Prémio da Associação da Imprensa de Madrid, por toda a sua vida profissional. Com A Louca da Casa recebeu o Prémio Grinzane Cavour de Literatura Estrangeira e o Prémio Qué Leer para o melhor livro espanhol, distinção que também foi atribuída, em 2006, a História do Rei Transparente. Recebeu, em 2017, o Prémio Nacional das Letras Espanholas pelo conjunto da sua obra.
Depois da originalidade e sucesso do seu romance de estreia é quase sempre difícil a um autor voltar a uma história tão poderosa e arrebatadora quanto a sua primeira. O Golfinho, o mais recente livro de Mark Haddon, autor de O Estranho Caso do Cão Morto (2003), com uma límpida tradução de Francisco Agarez e publicado pela Porto Editora, é um belo exemplo de arrebatadora e pujante prosa.
Viktor, Rudy e Maja, uma jovem mulher de beleza deslumbrante, actriz de televisão e gravidíssima, embarcam num pequeno avião. Duas horas depois, estão os três mortos e a criança que estava no ventre de Maja será a única sobrevivente desse desastre aéreo. E não, esta não é uma sinopse de todo o livro, pois ainda nem chegámos ao fim do primeiro capítulo.
A prosa de Mark Haddon é absolutamente deslumbrante e envolve-nos numa história que encanta como as de antigamente, até porque a intriga se distende numa ténue linha entre a efabulação própria das histórias de fantasia e o real. Quando a cabeça de Viktor, o piloto, acaba decepada na queda do avião e enterrada num lameiro nas proximidades, é difícil não interpretar esse evento como um castigo divino pela sua irresponsabilidade e distracção, perturbado pela beleza de Maja, que seguia consigo no avião. Ou quando Angelica, a menina com nome de contos de fadas que sobrevive, é criada pelo pai extremamente rico numa complexa e sofisticada clausura, no que hoje equivale a uma torre de marfim, sendo o pai o dragão que a guarda. Ou quando o jovem impante Darius tenta salvar Angelica, não será mera coincidência que surja num BMW série 3 branco.
Em suma, cada evento, por muito ordinário que se afigure, está sempre eivado de alguma simbologia, ou talvez seja a imaginação fértil de um leitor, estimulada por livros como este, a conferir-lhes esse sentido adicional, da mesma forma que Angelica é uma leitora ávida de mitologia. Mas a partir do terceiro capítulo, epónimo do livro, esta narrativa tira-nos por completo o tapete e leva-nos para novos mares, conforme parece dar lugar a uma outra história, em tempos míticos, com Péricles, príncipe de Tiro, a bordo do navio Golfinho, ou ainda quando nos leva, mais à frente, para a Londres dos tempos de Shakespeare.
O poder encantatório da efabulação, das possibilidades da ficção, os ecos da mitologia e o simples e velho prazer de contar e ouvir uma história tomam o leme e conduzem o leitor para águas cada vez mais profundas, onde se redescobre o prazer de ler, de ser completamente mergulhado numa história ao ponto de sairmos dela transformados. Pois, tal como cada uma destas personagens traz em si uma história (por vezes mais do que uma) – histórias que podem aliás revelar a sua verdadeira identidade –, também o leitor irá construir a sua própria história a partir deste vórtice de imaginação que comprova como as histórias mais antigas se podem renovar até ao fim dos tempos.
Viktor, Rudy e Maja, uma jovem mulher de beleza deslumbrante, actriz de televisão e gravidíssima, embarcam num pequeno avião. Duas horas depois, estão os três mortos e a criança que estava no ventre de Maja será a única sobrevivente desse desastre aéreo. E não, esta não é uma sinopse de todo o livro, pois ainda nem chegámos ao fim do primeiro capítulo.
A prosa de Mark Haddon é absolutamente deslumbrante e envolve-nos numa história que encanta como as de antigamente, até porque a intriga se distende numa ténue linha entre a efabulação própria das histórias de fantasia e o real. Quando a cabeça de Viktor, o piloto, acaba decepada na queda do avião e enterrada num lameiro nas proximidades, é difícil não interpretar esse evento como um castigo divino pela sua irresponsabilidade e distracção, perturbado pela beleza de Maja, que seguia consigo no avião. Ou quando Angelica, a menina com nome de contos de fadas que sobrevive, é criada pelo pai extremamente rico numa complexa e sofisticada clausura, no que hoje equivale a uma torre de marfim, sendo o pai o dragão que a guarda. Ou quando o jovem impante Darius tenta salvar Angelica, não será mera coincidência que surja num BMW série 3 branco.
Em suma, cada evento, por muito ordinário que se afigure, está sempre eivado de alguma simbologia, ou talvez seja a imaginação fértil de um leitor, estimulada por livros como este, a conferir-lhes esse sentido adicional, da mesma forma que Angelica é uma leitora ávida de mitologia. Mas a partir do terceiro capítulo, epónimo do livro, esta narrativa tira-nos por completo o tapete e leva-nos para novos mares, conforme parece dar lugar a uma outra história, em tempos míticos, com Péricles, príncipe de Tiro, a bordo do navio Golfinho, ou ainda quando nos leva, mais à frente, para a Londres dos tempos de Shakespeare.
O poder encantatório da efabulação, das possibilidades da ficção, os ecos da mitologia e o simples e velho prazer de contar e ouvir uma história tomam o leme e conduzem o leitor para águas cada vez mais profundas, onde se redescobre o prazer de ler, de ser completamente mergulhado numa história ao ponto de sairmos dela transformados. Pois, tal como cada uma destas personagens traz em si uma história (por vezes mais do que uma) – histórias que podem aliás revelar a sua verdadeira identidade –, também o leitor irá construir a sua própria história a partir deste vórtice de imaginação que comprova como as histórias mais antigas se podem renovar até ao fim dos tempos.
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