(agora quase recuperado da doença, e atropelado por trabalho, é altura de regressar à actividade e para isso nada melhor que ler um grande romance de uma grande dama da literatura portuguesa) Se Os Memoráveis encerrava um ciclo, iniciado com a obra de estreia sobre a Revolução de Abril, O Dia dos Prodígios, e fechado com esse trabalho de reconstrução ou resgate da memória da Revolução em Os Memoráveis, então este Estuário pode bem marcar uma nova fase na escrita da autora, como se pode ler na passagem: «Então, alguém teria de escrever esse livro, um livro que fosse, ao mesmo tempo, o último do passado e o primeiro do futuro.» (p. 15)
Se em O Vale da Paixão, o sentimento era de diáspora, e havia uma casa abandonada assombrada pelos passos desiguais dos seus poucos ocupantes, em Estuário, apesar do título dar a entender que há um desaguar ou um fluir, do rio para esse «mar oceano», o sentimento é de retorno, pois os vários filhos do pai Galeano regressam a casa.
Este é um novo marco, estou certo, na obra da autora e que nos prepara para o fluir de um novo ciclo. Ver artigo
Os Memoráveis, romance de Lídia Jorge (publicado em 2014 pela Dom Quixote) que constitui «Uma revisitação literária aos mitos fundadores da Revolução e da Democracia» passa a fazer parte da Colecção Essencial – Livros RTP, um projeto cultural concebido pela RTP em parceria com a LeYa, sob curadoria do editor Zeferino Coelho.
Ao ler Os Memoráveis prevalece a agradável sensação de um quase retorno ao “extra-ordinário” dos primeiros dois romances da autora, com uma aura fantástica, ou melhor, de realismo mágico. Em 2014, a autora concedeu uma entrevista ao Cultura.Sul e relembramos agora algumas das suas próprias palavras para chegarmos «ao coração do coração da fábula».
Quando em 2000 o suplemento literário do jornal Público, então designado «Leituras», solicitou
A situação que inspirou este romance foi, em parte, a forma como cinco jovens escritores portugueses, com menos de trinta e cinco anos, que escreveram textos tendo por mote a revolução, acabaram todos por evitar o assunto, pois a revolução de 1974 parecia ser-lhes alheia.
A autora declara ter havido um processo de pesquisa, embora não sistemático, acumulando ao longo dos anos vários dados, como livros, artigos, documentários, entrevistas. Fez inclusive várias entrevistas e o contacto com determinadas figuras confirmava a sua ideia: «Era preciso escrever sobre o “Olhar de Ulisses” português.»
Este romance não se pode definir como um romance historiográfico, pois o que interessava à autora era escrever «sobre o momento da História em que os dados reais se transfiguram em lenda. Trata-se de um livro sobre uma mitologia. Escrevi sobre factos irreais para tentar atingir a realidade.»
Lídia Jorge habituou-nos, nos seus romances, a uma jovem que vê o mundo com uma certa ingenuidade ou inocência, muitas vezes perdida no final. Ana Maria, a Machadinha, como o próprio nome indica, revela-se uma surpresa na sua galeria de personagens, pois é uma mulher aparentemente fria, calculista, que desde o início do romance indicia não revelar tudo o que sabe (parecendo deixar a inocência para Margarida Lota). Este foi um processo consciente, pois essa figura ambígua fazia falta, como alguém que visse o mundo de forma lúcida e ao mesmo tempo amasse a realidade tal como esta se afirma.
Esta é provavelmente das obras da autora aquela que tem uma leitura mais fluída, quase ininterrupta, onde a linguagem é reduzida ao osso, ao essencial, num registo muito próximo da oralidade. Ver artigo
Este pequeno texto (44 págs.) inédito de Lídia Jorge foi criado para a Companhia de Teatro do Algarve (ACTA) e não é um livro fácil de encontrar – parece-me aliás que não se encontra mesmo à venda. Conta a história de dois migrantes, um homem e uma mulher, um imigrante e uma emigrante de origens geográficas diversas, que se encontram junto a um aeroporto. Ver artigo
A noite das mulheres cantoras, o último romance de Lídia Jorge, foi publicado depois de um interregno de quatro anos, tendo sido atribuídos à autora o Prémio da Latinidade, de Escritora Galega Universal, e o Doutoramento Honoris Causa, pela Universidade do Algarve. A sua escrita reflecte acerca de diversos aspectos sociais, sempre centrada nos problemas da actualidade, sem perder o burilar lento e ritmado de uma linguagem poética, por oposição à arte que se consome fugazmente e não deixa sequelas. Este romance versa o poder do espectáculo e do mediatismo televisivo, designado como «império minuto», oferecendo um testemunho da condição humana, mas, principalmente, da mulher, na qual a própria autora, por vezes, logra reflectir-se de forma autobiográfica. Solange de Matos conduz a narrativa, desfiando o fio da intriga até chegar a um clímax já previsto e, tal como outras protagonistas que assombraram a escrita da autora, é uma personagem cândida, ingénua, com um olhar intocado sobre o mundo, lançada na rede do mal e das complexas relações humanas, mas conseguindo salvaguardar a sua integridade moral. Próximo do final da narrativa e depois de revelado o desenlace não completamente imprevisto que contesta a perfeição de uma noite em que o grupo de mulheres cantoras apareceu na televisão, Solange disserta: «A credulidade é um estado de alma que não se adquire e raramente se perde. Quando se é viciado nessa espécie de não prudência, ela se desfaz e logo se recompõe, persistindo sob a forma de uma natureza intrínseca.» (pp. 302-303). Esta jovem faz o seu ingresso na universidade e na grande cidade, no ano de 1988, data que coincide justamente com a publicação de A Costa dos Murmúrios, vinda da província, onde a família recompôs a sua vida e o seu património, enquanto retornados. Na urbe lisboeta vê-se confrontada com os subterfúgios e dissimulações de uma boa parte da natureza humana, retratada em Gisela Batista, que se assume como a líder deste grupo de mulheres que a recruta como letrista. Não sendo esta nenhuma comparação inédita, a nossa memória cultural pode remontar ao período de fama das Doce, que como muitas outras bandas dos anos 80, período de frenesim de criação artística, tiveram o seu apogeu e queda, muitas vezes de forma meteórica. A vida parece resumir-se a um instante tão repleto de promessa que raia a eternidade, condensada num momento-chave em que tudo se resume: «Eu tinha a ideia de que aquela noite não era uma noite, era aquele momento circular e totalitário de que falam as pessoas que uma vez estiveram à beira da morte e contam que, num ápice, reúnem numa só paisagem todos os pontos altos da sua vida, tudo o que viram e experimentaram» (p. 302). O império minuto de Solange e dessa banda é não propriamente a noite perfeita em que reaparecem num espectáculo televisivo, duas décadas depois, para comemorar o seu único disco, mas também a falsa epifania de um grupo de pessoas, «os filhos da década», que atingiu um êxito, efémero, à custa de um incidente, constituindo uma metáfora judicativa de todos aqueles que se consomem na busca do sucesso, ardendo como borboletas nas luzes e nos brilhos da ribalta a que toda uma geração parece aspirar, desde a década de 80, mas mais ainda nos tempos de hoje: «O pequeníssimo mundo minuto em que a Terra se transformou» (p. 299). Hoje, o egotismo tornou-se uma constante dos tempos modernos e, mais do que um sintoma, é considerado e defendido enquanto apanágio da sociedade, numa geração em que todos criam os seus books fotográficos e mantêm páginas sociais ou blogs onde comentam as mais perfeitas trivialidades, analisando-as como alguma passagem literária de grande projecção. Lídia Jorge traça o rastro da sociedade actual que vive para o imediatismo e efemeridade de um momento de fama, cujo início possivelmente remonta ao boom cultural e social da época em análise neste romance. Ver artigo
O Amor em Lobito Bay, publicado pela D. Quixote, é o quarto volume de contos da autora Lídia Jorge. Natural de Boliqueime, e uma das grandes romancistas da literatura portuguesa pós-25 de Abril, a autora opta por escrever estas narrativas breves entre os seus romances, como forma de experimentação literária, sendo o romance aquilo que a autora chama de “demonstração longa”. Os anteriores volumes de contos foram Marido e outros contos (1997), onde está integrado «Marido», um dos seus melhores contos, O Belo Adormecido (2004), e Praça de Londres (2008). Foram ainda publicados dois contos em edição individual: O organista e A instrumentalina, que já antes tinha conhecido uma edição isolada e estava ainda integrado na antologia de Marido e outros contos. Ver artigo
O Dia dos Prodígios foi o romance de estreia de Lídia Jorge, publicado em 1980, e nele perpassa um forte sentido de autobiografia, escrito com base na memória da terra de Boliqueime, onde nasceu, e em que reflecte o imaginário e o modo de vida de um ambiente rural. O registo linguístico remete para o regional e popular, com recurso a diversos termos algarvios, mas existe igualmente uma forte dimensão mítica, que se constrói a partir do realismo mágico. Logo quando publicado, este romance foi apontado como uma obra inaugural desse género de ficção, caracterizado pelo uso do maravilhoso, aproximando-se de escritores como Gabriel García Márquez ou William Faulkner (um dos seus escritores preferidos). Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Março 2025
- Fevereiro 2025
- Janeiro 2025
- Dezembro 2024
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016