Se fosse fácil era para os outros (2012), de Rui Cardoso Martins, é a história de uma road trip aparentemente inversosímil feita por um grupo de amigos, agora em plena idade adulta, todos eles aparentemente a fugir de um passado de insatisfação ou desilusão, o que pode levar a desfechos, à medida que a narrativa se aproxima do fim, inesperados, pois esta viagem de carro ao longo da interestadual norte-americana parece também uma forma de viverem a vida e aproveitarem uns bons últimos momentos. As situações descritas são muitas vezes insólitas, anedóticas mesmo, quase saídas de um filme cómico de série B.
O narratário desta vez é uma ela, aparentemente a mulher do protagonista que terá falecido de doença.
O processo de escrita, mais uma vez, é livre, numa prosa fluída, em que a corrente de consciência determina uma narrativa que se torna livre, desconexa por vezes, com constantes divagações e deambulações, e histórias factuais e documentadas ou simplesmente inventadas que se aproveitam, onde se coloca a “nu” muitas vezes os próprios pensamentos do narrador, que por sua vez se parecem entrelaçar com os do autor. As marcas de diálogo são inconstantes pelo que por vezes aquilo que parece ser discurso do narrador é apenas o reproduzir de diálogos entre as personagens, onde tudo é passível de discussão e revisão. Além de outras características comuns à escrita do autor existem algumas diferenças: neste livro é muito mais forte e visível um processo de metaficção em que o narrador/autor por várias vezes coloca também a nu o próprio processo de escrita, onde parece derivar em torno da palavra ou da expressão certa, em que alterna entre um “agora” e um “então”, sendo por vezes claro que narra in locu outras vezes que claramente se esforça por relembrar com exactidão o sucedido. Ao pósmodernismo deste compósito caótico juntam-se constantes alusões ao cinema, pois a descrição muitas vezes traz a recordação de filmes norte-americanos, nomeadamente filmes de cowboys. O Alentejo continua a ser o local de referência do protagonista e o contraste entre Portugal e os Estados Unidos da América são recorrentes, pois as descrições são muitas vezes feitas em decalque ou por comparação entre os dois países. Além da questão da crise, foca-se muito a questão do capitalismo – note-se que o que permite às personagens ingressarem nesta louca viagem para a América e subsequente road trip é um cartão de crédito da falecida esposa (?) do protagonista que será utilizado enquanto os bancos não derem pelo erro, pois a correspondência e a publicidade continuava a a chegar à sua casa, como se ela ainda fosse viva. Pelo meio, denunciam-se ainda questões como a escravatura, a exploração dos índios, a bomba atómica, em suma, toda a série de extremismos e totalitarismos possíveis. O tom dominante é o de um certo pessimismo para com a vida e a realidade actual.
Próximo do final, os últimos capítulos serão cada vez mais curtos e breves, conforme o grupo se vai desfazendo, por vezes com finais insólitos ou incertos.
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