Um livro incontornável, e não somente por ser publicado agora com a celebração do centenário do nascimento de José Saramago (1922-2022), Prémio Nobel da Literatura em 1998. Este pequeno grande volume de ensaios (em formato de bolso, embora com quase 400 páginas), essencial este ano e sempre, foi publicado pela Tinta-da-China.

Reúnem-se 21 textos que representam apenas metade do resultado das conferências e comunicações apresentadas ao longo de uma jornada decorrida entre 18 a 21 de dezembro de 2020. A V Conferência Internacional José Saramago da Universidade de Vigo congregou, não obstante o contexto da pandemia que então se vivia, cerca de 40 estudiosos de vários países e continentes, de gerações distintas. Nestes ensaios que se leem de forma fluída, sem pretensiosismo nem tecnicismos de linguagem, os autores “dialogam com as palavras, as ideias, as personagens e as situações criadas por um autor que nos deixou um número surpreendente de obras-primas na forma e no conteúdo, algumas deles breves ou muito curtas” (p. 13). Estes estudos intentam desmistificar a obra saramaguiana, vertendo novas leituras e novos sentidos a partir das mais emblemáticas obras do Nobel, numa linguagem naturalmente clara, como convém a uma prosa que, ainda que académica, pretende promover um diálogo permanente com as palavras de um escritor profundamente implicado com a vida e a linguagem verbal. Porque um texto, mesmo depois de escrita, nunca fica assinado por uma única leitura. Um bom exemplo é O Conto da Ilha Desconhecida (2016), fonte de três leituras tão distintas, que se complementam e articulam. Sendo um dos poucos contos de Saramago, foi escrito para a inauguração do Pavilhão de Portugal na Expo 98. Com contornos de parábola, este conto, aparentemente simples, condensa temas centrais ao autor: personagens sem nome próprio; inconformismo existencial, que leva à inquietude e ao desejo de rutura com o conformismo; a luta de classes e a contestação do poder; um ambiente próprio do realismo mágico; a força das personagens femininas que servem, quase sempre, de guia aos homens.

Sem se proceder a uma leitura exaustiva de toda a sua obra, estes ensaios versam sobre alguns títulos essenciais, como Ensaio sobre a Cegueira, A Jangada de Pedra, Todos os Nomes, A Viagem do Elefante, ou O Ano da Morte de Ricardo Reis.

Para este volume contribuíram nomes como Fernando Venâncio, Manuel Frias Martins, Miguel Real, Monica Figueiredo, etc. A organização é de Carlos Nogueira, diretor científico da cátedra José Saramago da Universidade de Vigo, que recebeu recentemente o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2022, instituído pela Câmara Municipal de Gouveia, atribuído à obra José Saramago: a Literatura e o Mal.

print
Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.