Gabo e Mercedes – Uma Despedida, de Rodrigo García, com tradução de J. Teixeira de Aguilar, foi publicado pela Dom Quixote.

Para a semana, num lançamento internacional, chega às livrarias um pouco por todo o mundo «Vemo-Nos em Agosto», romance inédito de Gabriel García Márquez, com tradução de J. Teixeira de Aguilar e publicado pela Dom Quixote, a editora que tem vindo a publicar religiosamente a obra do autor de «Cem Anos de Solidão».

Não vou falar sobre o novo romance, cuja sinopse nem quero ler, mas Gabriel García Márquez é, desde os meus 16, um autor basilar para mim. A minha tese foi aliás sobre o realismo mágico no caso específico da literatura portuguesa. A obra de João de Melo é aliás magistral nesse realismo mágico, muito próprio das ilhas mas também muito próximo do modelo sul-americano.

Em jeito de antecipação, achei que era uma boa altura para ler finalmente esta memória do filho de Gabo.

Em março de 2014, Gabriel García Márquez, um dos mais aclamados escritores do século XX, já velho e doente, teve uma pneumonia. O autor já tinha, entretanto, demência, a sua memória (que como ele afirmava era a sua principal ferramenta de escrita) falhava-lhe pelo que era igualmente incapaz de reconhecer tanto os dois filhos como a pilha de livros que lhe diziam que tinha sido ele a escrever.

Quando li «Viver para Contá-la», o volume de memórias de Gabo, fiquei com a nítida certeza de ter lido a certa altura algures que aquele era o primeiro de uma série de 3 livros de memórias. Quando se tornou manifestamente claro que o projecto fora abandonado, pois não houve novo volume, presumi que tinha sido pelo facto de o autor estar a perder a memória. Gabo e Mercedes – Uma Despedida esclarece-nos, a certa altura, que foi Gabo que desistiu mesmo da ideia de escrever além da sua infância, pois achava que escrever sobre os seus períodos de êxito seria gabar-se de conhecer pessoas de renome.

Rodrigo García também escreve com a nítida premonição de que pode ser acusado de se aproveitar do pai para promover a sua própria fama nesta “era da vulgaridade”. Mas o facto é que além de Rodrigo, à semelhança do pai, viver para escrever, é ele próprio um realizador e argumentista de sucesso nos E.U.A.

Gabo e Mercedes – Uma Despedida é, portanto, a crónica de uma morte anunciada, quando o pai de Rodrigo está já muito debilitado, e se percebe claramente que “Desta não escapamos”, como vaticina Mercedes Barcha, a esposa de Gabo há mais de cinquenta anos (mais conhecida como “La Gaba” e que a certa altura exclama, muito ofendida, “Eu não sou a viúva. Eu sou eu.”). Tal como anuncia a Rodrigo que a família se deve preparar pois a doença e a morte de Gabo serão “um circo” – logo nos primeiros dias mais de 100 pessoas e jornalistas começam a rodear a casa.

Um livro intimista que trata com pudor dos últimos dias da vida de Gabo, ao mesmo tempo que recorda momentos da sua vida e do que foi crescer com um pai que causava furor por onde passava – é inegável que Gabo é um autor mundialmente acarinhado. Um testemunho que é sobretudo uma carta de amor de um filho ao pai, e à mãe (que viria a morrer em 2020), sobre a “morte como ordem e desordem, como lógica e contrassenso, como o inevitável e o inaceitável” (p. 36).

Como exclama a agente de Gabo ao anunciarem-lhe que este acabou de morrer, “Que barbaridade!”.

Rodrigo García, filho de Gabriel Garcia Márquez e de Mercedes Barcha, nasceu em Bogotá, Colômbia, e foi criado na Cidade do México e em Barcelona. Estudou História na Universidade de Harvard, mas enveredou pelo cinema e pela televisão, tendo-se tornado argumentista e realizador. Entre os seus filmes contam-se Nove Mulheres, Nove Vidas, Mães e Filhas, Albert Nobbs e Últimos Dias no Deserto. Realizou também episódios das séries Sete Palmos de Terra, Os Sopranos e o episódio-piloto de Big Love, pelo qual recebeu uma nomeação para um Emmy. Foi escritor, produtor executivo e criador da série Terapia, da HBO, e realizou vários dos seus episódios. Reside em Santa Monica, na Califórnia.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.