Julius é um jovem médico nigeriano que ao jeito de Sebald deambula pelas ruas de Manhattan. É nesse caminhar que encontra a liberdade e a descompressão do trabalho com os seus pacientes, libertando-se assim da tensão e do estado de vigília: «Os passeios vinham ao encontro de uma necessidade: eram uma libertação do ambiente mental que vigorava no trabalho, com as suas regras apertadas, e mal percebi que eram uma boa terapia tornaram-se algo absolutamente normal, ao ponto de me esquecer como era a minha vida antes dessas caminhadas.» (p. 15)
Cada recanto da cidade explorado por Julius é descrito não só pela sua presença sólida no agora mas também pela história que traz consigo, pois a cada passo o próprio tempo se torna elástico: «Aquele sítio era um palimpsesto, como o era toda a cidade, escrita, apagada, reescrita. Havia comunidades organizadas muito antes de Colombo aqui ter desembarcado, de Verrazano ter ancorado os seus navios nestes estreitos canais e do mercador de escravos português Estêvão Gomes ter subido o Hudson» (p. 70).
Da mesma forma que vai descobrindo a paisagem física da cidade de Nova Iorque, cenário que serve inclusive para algumas analepses em que rememora a sua infância na Nigéria, de onde saiu com uma bolsa de estudo, Julius desvenda ainda uma paisagem social, onde se cruza com as mais diversas nacionalidades, como haitianos, nigerianos… e negros: «Essa troca de olhares era feita entre os homens negros por toda a cidade em todos os momentos do dia, uma solidariedade instantânea e enraizada nas ocupações banais de cada homem, um aceno, um sorriso, uma breve saudação. Era como se todos disséssemos uns aos outros: eu também sei um pouco o que é estar desse lado.» (p. 229)
Este é um romance sobre a condição de se ser estrangeiro, e em particular um estrangeiro provindo de África, de cor diferente, mesmo que a cidade pareça aberta aos devaneios dos transeuntes: «De onde eu me encontrava, a Estátua da Liberdade era uma mancha verde fluorescente, projetada contra o céu e, por trás dela, Ellis Island, o berço de tantos mitos; mas tinha sido construída demasiado tarde para os primeiros africanos aqui chegados – que estavam longe de poderem ser considerados imigrantes – e tinha fechado demasiado cedo para que fosse possível que, mais tarde, tivesse qualquer significado para outros africanos como Kenneth, o taxista e eu próprio.» (p. 65)
Mas Julius é ainda, mais que um estrangeiro em Nova Iorque, um estranho na sua própria pele, dado ser um nome pouco comum – de origem romana – para um nigeriano, mestiço, como o atesta a cor da sua pele e o seu passaporte. E apesar do seu nome do meio, Olatubosun, ser ioruba, Julius nunca o usa… Talvez porque para se sentir nova iorquino, ou integrado no seu novo país, um estrangeiro tenha de perder a sua singularidade diferenciadora para melhor se confundir.
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