O lançamento de Beco das Almas Perdidas, de William Lindsay Gresham, publicado pela Dom Quixote, com tradução de Francisco Silva Pereira, coincide com a estreia do filme de Guillermo del Toro nas salas de cinema portuguesas e nalguns canais de streaming, como HBO Max e Hulu. O filme conta com interpretações de Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara e Toni Collette. Ver artigo
O avesso da pele, publicado pela Companhia das Letras, é o terceiro romance de Jeferson Tenório, uma nova voz da literatura brasileira, e está a ser adaptado ao cinema. No dia 25 de Novembro, O avesso da pele foi anunciado como vencedor do Prémio Jabuti na categoria de Romance literário. Ver artigo
Feita a incursão num tema sensível, a singularidade de Jaime face a outros meninos, em O Jaime é uma Sereia, esta segunda obra de Jessica Love publicada pela Fábula retoma a personagem de Jaime e aprofunda a celebração do amor incondicional e da aceitação do outro. O Jaime no Casamento, publicado pela Fábula, mostra-nos como Jaime e Marisol acompanham as respectivas avós a um casamento. Quando a cerimónia termina, as duas crianças escapam sorrateiramente e encontram um recanto mágico, onde rapidamente esquecem que brincar nem sempre é compatível com vestir-se cerimoniosamente. Mas Jaime, dando mais uma vez mostras da sua criatividade resolve rapidamente o problema. Ver artigo
Já está disponível a série The Underground Railroad no canal de streaming da Amazon, realizada por Barry Jenkins, o realizador de Moonlight. O que o livro tem de fantasia, é aqui apresentado em tons mais sombrios, com alguns episódios mais chocantes no primeiro episódio que se demora na descrição da vida dos escravos na plantação. Ver artigo
Depois da demora de que já vos falei, com um intervalo de anos entre o 1.º e o 2.º volume, mais uma espera de um ano, em que deixei o 2.º volume a meio para voltar a lê-lo apenas há uns dias, li praticamente de uma assentada, no fim-de-semana, o terceiro volume. Não sei se por começar finalmente a engrenar na tetralogia napolitana, se por estar mais familiarizado com as personagens e logo mais curioso com o desfecho das suas vidas, ou se apenas porque agora que entram na idade adulta é também mais fácil relacionar-me com os seus dilemas, a verdade é que a leitura de História de Quem Vai e de Quem Fica, volume terceiro de A Amiga Genial, publicado pela Relógio d’Água, fluiu de forma muito distinta. A prosa mantém-se a mesma, fazendo jus ao que se escreve, no livro, sobre o livro que Elena Greco publicou “por acidente”: «uma escrita acelerada, nova, intencionalmente caótica» (p. 206). Mas a história ganhou novo ímpeto. Ver artigo
Se Os Memoráveis encerrava um ciclo, iniciado com a obra de estreia sobre a Revolução de Abril, O Dia dos Prodígios, e fechado com esse trabalho de reconstrução ou resgate da memória da Revolução em Os Memoráveis, então este Estuário pode bem marcar uma nova fase na escrita da autora, como se pode ler na passagem: «Então, alguém teria de escrever esse livro, um livro que fosse, ao mesmo tempo, o último do passado e o primeiro do futuro.» (p. 15) Ver artigo
Morrem Mais de Mágoa, de Saul Bellow, é relançado agora, em edição revista e com nova capa, onze anos depois da sua primeira edição pela Quetzal Editores. Um dos grandes romances de Saul Bellow, Prémio Nobel da Literatura em 1976. Ver artigo
“Livro de Vozes e Sombras”, o mais recente romance de João de Melo, editado pela Dom Quixote, é um dos mais importantes romances de 2020. Um livro que acredito ter sido escrito ao longo de vários anos, até pela sua arquitectura complexa. Uma prosa torrentosa, ainda barroca e hiperrealista, mas onde a linguagem sempre poética é mais depurada.
Cláudia Lourenço, jornalista, é enviada de Lisboa à ilha de São Miguel ao serviço do jornal “Quotidiano” para entrevistar um conhecido ex-operacional da Frente de Libertação dos Açores. A partir dessa narrativa condensa-se gradualmente a história da Ditadura, do fim das guerras em África, a descolonização, a diáspora portuguesa e o «retorno» a casa, quase sempre intranquilo.
Cláudia Lourenço, jornalista, é enviada de Lisboa à ilha de São Miguel ao serviço do jornal “Quotidiano” para entrevistar um conhecido ex-operacional da Frente de Libertação dos Açores. A partir dessa narrativa condensa-se gradualmente a história da Ditadura, do fim das guerras em África, a descolonização, a diáspora portuguesa e o «retorno» a casa, quase sempre intranquilo.
1 – A jornalista Cláudia Lourenço, mais confidente do que protagonista, pertence a uma nova geração pouco conhecedora da história não muito remota de Portugal. É um ajuste de contas com o passado, mas também parece constituir um final de um ciclo na sua obra para, naturalmente, abrir novo ciclo.
R – Quando olho para trás, para os livros que até hoje escrevi, nunca vejo ciclos nem outros caminhos programáticos da minha escrita. O meu passado decide-se entre boa ou má literatura. Daí ter repudiado os primeiros livros: de quando absorvia o mundo dos outros através da leitura. Só me senti “escritor” a partir de O Meu Mundo Não é Deste Reino, um romance que Você conhece muito bem. Porquê? Se descobrimos uma linguagem dentro de nós, associamos-lhe uma geografia íntima e uma possibilidade existencial para o mundo dos outros. Este de agora é um livro que se explica e justifica a si mesmo: tinha de ser escrito, só eu podia fazê-lo. Não o concebo de outra maneira. Nem faço ideia, ainda, do que irei escrever a seguir.
2 – Este é também o seu romance mais metaficcional, aliado à reflexividade da história, que cruza Açores, Portugal e África colonial. Não será por acaso que a jovem jornalista vem da metrópole, capaz de oferecer um olhar crítico externo às ilhas.
R – Concordo. Houve a preocupação de contextualizar no mesmo tempo narrativo a memória de três lugares distintos entre si, todos eles complementares em relação à “crónica” e à recuperação da memória histórica ainda recente. Açores, Lisboa e África são geografias muito próprias, ainda que tangidas pela mesma vitalidade da mudança política. O golpe de Estado e a Revolução de Lisboa abriram portas às “independências contraditórias” dos Açores e das Colónias africanas. Se me tivesse cingido ao caso da FLA, haveria a ilusão de pensar-se que tudo acontecera como por geração espontânea, não como causa e consequência do fim da Ditadura e do Processo Revolucionário. Da mesma forma que se concertam três geografias narrativas, também pretendi opor duas gerações no conhecimento desse passado ainda tão recente, porém ignorado pela nova juventude portuguesa. Aproveito para acrescentar o seguinte: este livro abre-se a todas as gerações de leitores. Só elas o podem entender e completar à sua maneira e à medida de cada uma.
3 – A escrita deste livro representa um acto de coragem, o risco de confundir a ironia com a sua opinião dos factos. Nomeadamente quando tece toda uma crítica à guerra colonial pela óptica de um branco colonizador que a defende (p. 51), ou na pessoa de Mariano, que por lá combateu, quer na de Custódio, latifundiário, explorador colonialista com características próximas do animalesco (descrito como “touro” na pág. 156). Este é um ponto de vista que se reparte entre vencedores e vencidos, uma visão crítica dicotómica a apontar a complexidade histórica da mudança: «a história mudava de uma margem para outra da razão» ( pág. 360).
R – Podemos, antes, falar de uma espécie de “jogo”. O jogo da ficção sobre as verdades históricas, em que ambas (ficção e realidade) se invocam e provocam com frequência. Mas eu pertenço a uma ideia ou escola de literatura quase sempre motivada na ousadia social e na ética do compromisso com o mundo. Gosto dos livros que suscitam diversas leituras. Não me interessa a unanimidade. Uma das coisas que mais me atrai na literatura é, como no meu caso, criar narradores. Que se contradigam, que sejam como que um inventário de ideologias opostas.
4 – Como o título indica, as vozes têm um peso imenso neste romance polifónico. O lexema vozes é recorrente na narrativa: as vozes do povo, dos Açores, etc. A perspectiva muda diversas vezes entre a primeira e a terceira personagem, temos diversas personagens que em algum momento se tornam centrais e a perspectiva da voz narrativa oscila de acordo com o ponto de vista de cada uma dessas personagens, recorrendo ao discurso indirecto livre e acedendo à sua voz interna. Temos ainda um narrador que de vez em quando fala directamente com o leitor (p. 83), ao mesmo tempo que percebemos como a entrevista de Cláudia a Mariano dará origem a um livro feito a partir das histórias deste mosaico.
R – A minha ideia era justamente acordar as vozes portuguesas que tudo viveram até ao 25 de Abril e depois, e que aos poucos foram recuando no meio de nós, a ponto de se calarem. Este livro quer provocar o clamor, trazer de volta a palavra, a dor e revolta. E a justiça, também. Refiro-me a um processo português global. Não se trata de um livro “açoriano” strictu senso, mas de uma paisagem protegida da nossa vida colectiva – em Lisboa, na África e nos Açores ao tempo em que conceberam um sonho independentista à direita de toda a política. Qualquer leitor que entre no livro entra também nesse jogo narrativo. Creio que a linguagem flui, que não se ocorre no obscurantismo nem num mero exercício de estilo. Concorda?
5 – Claro. Tanto que a própria entrevista rapidamente se torna uma conversa, uma narrativa com vida própria e cronologia desfasada, em que, como convém, a voz da jornalista se silencia. Apenas sabemos das suas questões através da voz de Mariano.
R – Quem é Mariano? Quem é a jornalista Cláudia Lourenço? Podia dizer, como Flaubert disse da sua Madame Bovary, “sou eu”. Esses os ingredientes e mistérios da ficção. Tal como eu, cada um pode ir buscar a este Livro de Vozes e Sombras a voz e a sombra da própria pessoa.
6 – Não só volta ao Rosário (p. 79), como retoma a atmosfera do seu romance sobre o Rosário. Ele representa aqui, uma vez mais, o arquipélago?
R – A povoação do Rosário pode ser, tanto neste como noutros livros que escrevi, o meu Macondo (salvo seja); ou o masculino simbólico de Achadinha, a terra açoriana em que nasci, para melhor se identificar com Portugal (nome masculino). Será sempre um lugar inserido na corrente contínua do tempo histórico. Nessa medida, já o referi como “Rozario”, “Rozário” e na sua grafia actual. A sua descrição não é muito distinta de outras aldeias açorianas. Interessa é que a sua representação seja endossada ao leitor. Não tenho nenhum sentido de posse sobre os lugares da minha ficção.
7 – Nova Roma parece ser igualmente um cenário atópico, entre a ficção e o real, ao jeito do Rosário. Ou mesmo Munakala. A África colonialista, uma África nunca nomeada (porque será?) mas que se toma por Angola (na referência aos musseques).
R – Tem razão. Aparentemente, Nova Roma não existe, mas pode intuir-se sob outros nomes: como a “Nova Lisboa” de Angola, por exemplo. Por outro lado, talvez que Munakala seja o eco perdido de Calambata, o aldeamento em que se situava o quartel da minha guerra colonial. Assim sendo, não me escondo daquilo que escrevo; mas só em parte o revelo em termos pessoais. Nunca pretendi ser um autor autobiográfico. Sou apenas uma peça e um enigma do jogo. Acrescento: no livro nunca se menciona o nome de “Angola”; é sempre a Colónia. O propósito era identificar o colonialismo português. Mariano, sim, conta a sua paixão pela Guiné-Bissau: esse capítulo é fulcral para a caracterização ideológica dele.
8 – Além dos temas que lhe são recorrentes, e do léxico que lhe é caro, este livro parece subsumir anteriores títulos seus… quase como um mosaico do conjunto da sua obra. A começar pelo Rosário, passando pela guerra colonial, temos ainda o vinho como estimulante da verdade, os anjos, os vencidos.
R – Isso pode ser claro como água corrente; ou ser uma parte fictiva da chamada “unidade da obra”. Tenho formação em Filologia Românica, fui professor da hermenêutica textual. Podia muito bem escrever uma tese em sede própria. A quem interessaria? Nem ao próprio eu. Já estou numa fase da vida em que cada vez me interessam mais as leituras múltiplas dos outros. Fico-me com a minha pequena, quem sabe se inútil, “mitologia” literária. Só isso me pode individualizar entre outros escritores e ser eu próprio “uma voz” literária.
9 – Uma das personagens, combatente da guerra colonial, tenta purgar-se do trauma da guerra transferindo a sua memória para «cinco cadernos escritos à mão» (p. 57). Foi isso que de certa forma deu origem aos seus dois primeiros romances, depois reescritos em “Autópsia”?
R – Não, nada. A personagem Mariano deste livro oscila entre o linear pessoal e a complexidade do ser, do carácter e sobretudo da ideologia colonialista. Quanto a mim, o chamado “stress pós-traumático de guerra” levou-me a escrever tudo o que vivi em tempo de guerra em Angola. Vim de lá desiludido, cheio de mágoa e muito perturbado. Só a literatura me pôde valer. Costumo dizer, aliás, que nós, o da geração da guerra colonial, fomos para África uns e voltámos outros, diferentes de nós mesmos. Nesse sentido, foi um privilégio assumir a condição da escrita e regressar à vida verdadeira depois da guerra. Trago-a ainda na pele e nos ossos, pois como disse o poeta René Char, “há guerras que não acabam nunca”.
10 – Ângela Mendes Pinto parece ser a personagem central ou fio condutor destas histórias. Uma espécie de anjo cego da História, que nos guia pelo livro, mesmo quando parece desaparecer dele para depois regressar. É esta cega – de visão clarividente e sentidos sobreapurados – uma metáfora da necessidade de olharmos mais para dentro face ao ruído dos tempos?
R – Ora aí está! O nosso povo diz que “a verdade vem da boca dos inocentes”. Também eu quis acreditar na cegueira de Ângela como mecanismo de uma visão outra do nosso mundo. A cegueira dela é, simultaneamente, a sua inocência e a descoberta de novas formas de verdade. Lembra-se de quando, ao abandonar Nova Roma com a família de regresso a Portugal, ela jura ver milhões de mortos espalhados pela cidade? Essa é a Ângela histórica a falar. A consciência e a culpa. Fala pelo lado avesso da epopeia portuguesa. Só ela “vê” a derrocada histórica de um império que afinal nunca existiu.
11 – Para um leitor mais atento, o apelido Mendes Pinto é claramente um piscar de olhos que reforça este livro como uma antiepopeia da história portuguesa das últimas décadas, a partir da descolonização e da revolução de Abril. E tal como Fernão Mendes Pinto que procura contar o reverso da expansão portuguesa, este seu livro é dedicado à sua neta para quando ela o poder ler e compreender.
R – Nós, portugueses, precisamos de sair de “Os Lusíadas” heróicos e assumir o pícaro da nossa “Peregrinação”, dentro e ao redor de nós mesmos. É por complexo de inferioridade que nos exaltamos no heroísmo do passado; nunca por nunca nos referimos à nossa condição de piratas do mar e da terra; nem nos penitenciamos da feroz Inquisição que tanta gente torturou brutalmente e mandou arder nas suas fogueiras; nem do tráfego de escravos de África para o Brasil, aos milhões. Na minha ideia, cabe à literatura nomear a vítima e resgatá-la do esquecimento. Faço-o por sistema, de livro para livro. Também tenho uma ideologia histórica.
12 – A certa altura Mariano diz à jovem jornalista: «– É muito jovem, vive num mundo novo, não tem obrigação de o saber. O seu tempo português resulta dos fardos que nós carregámos, para que a sua geração se risse dos excessos de memória e de uma experiência que a geração seguinte julga ser coisa de taralhoucos: velhos a matutar em utopias que já não servem para nada.» (p. 52)
Partilha desta visão desencantada?
R – À minha maneira sim, nunca à de Mariano. Acontecem perdas contínuas entre nós, de geração para geração. Refiro-me ao caso português. Os nossos jovens não têm consciência dos sacrifícios que marcaram a vida dos avós e dos pais. E não fazem ideia de como Portugal subiu da miséria miserável e da exploração laboral para a libertação do 25 de Abril, para um talvez notável progresso económico, a liberdade individual e a democracia social. Conheço os novos problemas da nossa juventude, com a qual sou sempre solidário. Mas gostaria de ver nela mais cultura, mais livros, um sentido crítico e sobretudo auto-crítico do seu inconformismo.
13 – Em jeito de conclusão, qual é hoje a sua relação com os Açores? É um local onde ainda regressa por imperiosa necessidade ou sente que nunca de lá saiu?
R – Os Açores são o que sempre foram para mim. O lugar que me completa. O sítio do regresso perfeito. Devo a essa idealização a fonte de onde mana o meu desejo de criação pela literatura. O propósito foi sempre o mesmo: impor as ilhas como imaginário da Literatura Portuguesa, não como regionalismo, antes como simbologia do humano universal. Se olhar para um planisfério, verá que todo o Mundo é um arquipélago, sendo os continentes ilhas muito grandes e as outras fragmentos verdadeiros da mesma natureza. O humano não tem de ser geográfico, e sim global, ontológico, no sentido em que todo o ser apenas tem sentido quando visto à escala ou à medida do planeta Terra. Daí para baixo, é o chão, o barro, a pedra, a contingência da nossa passagem por aqui. Muito obrigado.
João de Melo
(Lisboa, 27 de Dezembro de 2020)
Uma Vida no Nosso Planeta – O meu testemunho e a minha visão para o futuro de Sir David Attenborough, publicado pela Temas e Debates, acompanha o documentário com o mesmo título disponível na Netflix. Mas não se tome este livro como um balanço da vida deste naturalista, pois este senhor, um dos rostos mais conhecidos da televisão, toma o seu mediatismo como uma responsabilidade acrescida de, aos 94 anos, nos dar um retrato do declínio numa vertiginosa espiral da biodiversidade como consequência da sobre-exploração dos recursos naturais do nosso planeta.
Dividido em três partes, o autor passa em revista, na primeira parte, os últimos 80 anos, de 1937 a 2020 (ano em que o livro foi terminado e publicado), começando quando aos 11 anos vagueava em busca de fósseis como amonites. Passando por diversos anos cruciais na sua vida, do seu percurso de estudante de Ciências Naturais a produtor da BBC, o autor cinge-se sobretudo à sua relação com o mundo natural, no que foi observando nas suas várias expedições, enquanto testemunha de um mundo que se tornou cada vez mais pequeno e menos selvagem, conforme o ser humano continuou a assumir que este era o seu planeta e podia explorar os seus recursos ilimitadamente. Na segunda parte, a mais breve, é feita uma projecção da evolução do nosso impacto no mundo nas próximas décadas, se não encontrarmos forma de aligeirar a nossa pegada. Na terceira parte, e a mais cativante, revela como podemos ajudar a repor a biodiversidade do planeta, de modo a alcançar uma estabilidade autosustentável, num período em que começámos finalmente a perceber que existe uma associação entre vírus emergentes e a morte do Planeta (p. 132). Com exemplos fascinantes de diversos países, como a Nova Zelândia, e com dados precisos e actuais de vários relatórios, o autor deixa-nos neste livro, de leitura fácil e acessível, um derradeiro apelo. Depois de anos a falar em sítios como as Nações Unidas ou o Fundo Monetário Internacional, o autor dirige-se directamente a cada um de nós numa chamada final à consciência que ainda podemos revelar nos mais pequenos passos de forma a salvar não o mundo mas a nós mesmos, pois o mundo, esse, é certo que encontrará forma de nos sobreviver, regenerando-se, como já aconteceu nas anteriores 5 extinções.
Uma nota final para este livro enquanto objecto. Um belíssimo livro, pesado, em papel reciclado, de páginas densas, olorosas, enriquecido por belíssimas fotografias coloridas e diversas outras ilustrações.
Dividido em três partes, o autor passa em revista, na primeira parte, os últimos 80 anos, de 1937 a 2020 (ano em que o livro foi terminado e publicado), começando quando aos 11 anos vagueava em busca de fósseis como amonites. Passando por diversos anos cruciais na sua vida, do seu percurso de estudante de Ciências Naturais a produtor da BBC, o autor cinge-se sobretudo à sua relação com o mundo natural, no que foi observando nas suas várias expedições, enquanto testemunha de um mundo que se tornou cada vez mais pequeno e menos selvagem, conforme o ser humano continuou a assumir que este era o seu planeta e podia explorar os seus recursos ilimitadamente. Na segunda parte, a mais breve, é feita uma projecção da evolução do nosso impacto no mundo nas próximas décadas, se não encontrarmos forma de aligeirar a nossa pegada. Na terceira parte, e a mais cativante, revela como podemos ajudar a repor a biodiversidade do planeta, de modo a alcançar uma estabilidade autosustentável, num período em que começámos finalmente a perceber que existe uma associação entre vírus emergentes e a morte do Planeta (p. 132). Com exemplos fascinantes de diversos países, como a Nova Zelândia, e com dados precisos e actuais de vários relatórios, o autor deixa-nos neste livro, de leitura fácil e acessível, um derradeiro apelo. Depois de anos a falar em sítios como as Nações Unidas ou o Fundo Monetário Internacional, o autor dirige-se directamente a cada um de nós numa chamada final à consciência que ainda podemos revelar nos mais pequenos passos de forma a salvar não o mundo mas a nós mesmos, pois o mundo, esse, é certo que encontrará forma de nos sobreviver, regenerando-se, como já aconteceu nas anteriores 5 extinções.
Uma nota final para este livro enquanto objecto. Um belíssimo livro, pesado, em papel reciclado, de páginas densas, olorosas, enriquecido por belíssimas fotografias coloridas e diversas outras ilustrações.
A Cultura Moderna, uma obra polémica de Roger Scruton, publicada pelas Edições 70, representa uma defesa da alta cultura contra os ataques do desconstrutivismo e outras correntes dos Estudos Culturais (desautorizando figuras como Derrida). Mas é, sobretudo, um livro em que o autor «pretende explicar o que a cultura é, e por que motivo ela é importante» (p. 11), demonstrando, especialmente, que «a cultura tem uma raiz religiosa e um sentido religioso» (p. 13).
O autor, um dos mais controversos pensadores da nossa época, começa por discernir entre a alta cultura e a cultura comum, e procura desvelar como a alta cultura se tornou no substituto da fé no mundo descrente produzido pelo Iluminismo: «Desde o Iluminismo, os filósofos têm-se debruçado sobre o valor da alta cultura (nem sempre utilizando esse termo para a designar): o que é que aprendemos, em rigor, quando estudamos arte, literatura, história e música?» (p. 33)
Scruton distingue três tipos de saber: saber que, saber como e saber o que, argumentando que a cultura comum nos diz como sentir e o que sentir, enquanto que a alta cultura, tal como a religião antes, «trata a questão que a ciência deixa sem resposta: a questão de o que sentir» (p. 35).
Scruton está ciente da controvérsia que os seus argumentos irão gerar, de que o acharão absurdo e que a sua visão é muito pouco pós-moderna. O autor considera até as críticas tecidas à primeira edição do livro, por fazer pouca menção à fotografia, cinema e televisão (áreas fortes da cultura popular moderna), e responde com humor que fez a devida pesquisa, descobrindo o que dizer sobre televisão, sendo agora capaz de «discorrer com erudição sobre comida de plástico, bonés de basebol e Cadillacs platinados» (p. 11). E sempre com humor, e não poupando críticas à cultura moderna, em particular à música pop, Scruton ajuda-nos a enxergar como a «nossa existência é transfigurada pela arte» (p. 62) e como a (alta) cultura nos ensina a ética de viver «como se as nossas vidas importassem para a eternidade»: «Devemos ser inteiramente humanos e, ao mesmo tempo, respirar o ar dos anjos; naturais e, simultaneamente, sobrenaturais.» (p. 31)
Passo a passo, o autor tenta não deixar nenhuma ponta solta, e cada uma das suas ideias se encadeará perfeitamente num raciocínio lúcido e transparente, não deixando de focar questões bem prementes no ensino hoje, em particular na área dos estudos literários (até porque é especialmente sobre a literatura que o autor se debruça). O exemplo paradigmático de como alta cultura e religião se entrelaçam reside sobretudo na literatura, havendo lugar a uma apologia do cânone: «Se é esperado que os estudantes leiam e analisem textos literários, certamente deverá existir algum acordo que defina quais os textos que devem ser estudados. Se qualquer texto servir, nenhum texto servirá. (…) Porém, quando os jovens crescem sem um texto sagrado, têm dificuldade em compreender que o segredo da vida se possa encontrar numa coisa inanimada, como um livro; sobretudo, se for um livro escrito há milhares de anos e numa língua que já não se fala.» (p. 38)
Roger Scruton é filósofo e escritor. Foi Professor de Estética no Birkbeck College, Londres, e Professor Visitante no Boston College, nos EUA.
O autor, um dos mais controversos pensadores da nossa época, começa por discernir entre a alta cultura e a cultura comum, e procura desvelar como a alta cultura se tornou no substituto da fé no mundo descrente produzido pelo Iluminismo: «Desde o Iluminismo, os filósofos têm-se debruçado sobre o valor da alta cultura (nem sempre utilizando esse termo para a designar): o que é que aprendemos, em rigor, quando estudamos arte, literatura, história e música?» (p. 33)
Scruton distingue três tipos de saber: saber que, saber como e saber o que, argumentando que a cultura comum nos diz como sentir e o que sentir, enquanto que a alta cultura, tal como a religião antes, «trata a questão que a ciência deixa sem resposta: a questão de o que sentir» (p. 35).
Scruton está ciente da controvérsia que os seus argumentos irão gerar, de que o acharão absurdo e que a sua visão é muito pouco pós-moderna. O autor considera até as críticas tecidas à primeira edição do livro, por fazer pouca menção à fotografia, cinema e televisão (áreas fortes da cultura popular moderna), e responde com humor que fez a devida pesquisa, descobrindo o que dizer sobre televisão, sendo agora capaz de «discorrer com erudição sobre comida de plástico, bonés de basebol e Cadillacs platinados» (p. 11). E sempre com humor, e não poupando críticas à cultura moderna, em particular à música pop, Scruton ajuda-nos a enxergar como a «nossa existência é transfigurada pela arte» (p. 62) e como a (alta) cultura nos ensina a ética de viver «como se as nossas vidas importassem para a eternidade»: «Devemos ser inteiramente humanos e, ao mesmo tempo, respirar o ar dos anjos; naturais e, simultaneamente, sobrenaturais.» (p. 31)
Passo a passo, o autor tenta não deixar nenhuma ponta solta, e cada uma das suas ideias se encadeará perfeitamente num raciocínio lúcido e transparente, não deixando de focar questões bem prementes no ensino hoje, em particular na área dos estudos literários (até porque é especialmente sobre a literatura que o autor se debruça). O exemplo paradigmático de como alta cultura e religião se entrelaçam reside sobretudo na literatura, havendo lugar a uma apologia do cânone: «Se é esperado que os estudantes leiam e analisem textos literários, certamente deverá existir algum acordo que defina quais os textos que devem ser estudados. Se qualquer texto servir, nenhum texto servirá. (…) Porém, quando os jovens crescem sem um texto sagrado, têm dificuldade em compreender que o segredo da vida se possa encontrar numa coisa inanimada, como um livro; sobretudo, se for um livro escrito há milhares de anos e numa língua que já não se fala.» (p. 38)
Roger Scruton é filósofo e escritor. Foi Professor de Estética no Birkbeck College, Londres, e Professor Visitante no Boston College, nos EUA.
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