Annie Ernaux nasceu em Lillebonne, na Normandia, em 1940, e estudou nas Universidades de Rouen e de Bordéus, sendo formada em Letras Modernas.
É atualmente uma das vozes mais importantes da literatura francesa, destacando-se por uma escrita onde se fundem a autobiografia e a sociologia, a memória e a história dos eventos recentes. Foi galardoada com o Prémio de Língua Francesa (2008), o Prémio Marguerite Yourcenar (2017), o Prémio Formentor de las Letras (2019) e o Prémio Prince Pierre do Mónaco (2021) pelo conjunto da sua obra. Destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984), vencedor do Prémio Renaudot, e Os Anos (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional. Em 2022, Annie Ernaux foi distinguida com o Prémio Nobel de Literatura.
Todos os livros da autora têm sido recenseados no Postal do Algarve.
Perder-se, de Annie Ernaux
Perder-se, daautora francesa Annie Ernaux, integrou o catálogo da Livros do Brasil em junho deste ano.
Os seus livros são tão singulares quanto envolventes, pelo estilo intimista que põe a nu o eu, o processo de escrita, a vida de uma jovem da classe trabalhadora, as suas aspirações e recalcamentos. Contudo este livro pode oferecer resistência.
Publicado em Portugal pela primeira vez, Perder-se, com tradução de Tânia Ganho, é o diário dos tempos em que a autora vivia o caso proibido narrado no seu outro livro, Uma Paixão Simples, publicado entre nós ainda antes de a autora ter recebido o Nobel. A autora vive uma relação tórrida e desesperada com S., um diplomata e um “bonito rapaz russo” (p. 161), doze a treze anos mais novo.
Para quem é fã da autora naturalmente que vale a pena lê-la num registo cru, visceral, telegráfico, por vezes repetitivo, onde também acaba por unir os vários pespontos dos seus anteriores livros. A autora está aliás ciente de que um eventual leitor pode cansar-se: “penso que esta história é extremamente monótona, banal” (p. 119).
Por outro lado, não é obvio que esta história tenha sido escrita para ser lida. A autora despe aqui a alma, e despe-se de preconceitos, pois mais que uma história de amor consumado está é uma récita sobre o desejo e a obsessão, tanto mais premente quanto mais esquivo for o amante. A certa altura, a autora deste testemunho indicia como este amor assolapado e excessivo ameaça a sua própria existência, e a sua sanidade: “É evidente que esta perda da consciência de si próprio, como acontece com o álcool ou com a droga, é o que há de mais desejável e de mais perigoso, pelo menos para mim.” (p. 156) Por outro lado, é também na escrita que a autora confessa poder reencontrar-se: “a escrita como maneira de me fazer amar, que significa para mim para de amar.” (p. 161)
Na relação da diarista com S., é curiosa a ligação que a própria a certa altura estabelece entre a natureza das suas relações, reflectindo na personalidade do russo alguns aspectos que ela associa à própria cultura do país: “verbalmente simplistas, conquistadoras e brutais” (p. 113)
É também em torno da cultura que gira uma boa parte das entradas deste diário. À semelhança de outras obras, a autora deixa diversas referências a livros e filmes, o que pode ser uma forma de contrabalançar a torrente confessional, tornando-a mais cerebral e menos emocional; mas sobretudo evidencia a natureza culta desta escritora, que se desdobra ao longo destas páginas entre várias convocações e eventos, que procura na arte um sentido para a sua própria angústia existencial, na espera de uma chamada telefónica ou de uma visita-relâmpago deste amante fugidio.
É sobretudo em torno do sexo que revolvem estes encontros casuais entre Annie e S., e algumas referências à forma como se ocupam nessas horas roubadas são bastante claras.
Uma leitura que incomoda, em que a autora se perde no desejo como única certeza de vida. Uma leitura que pode até cansar o leitor, se este não encontrar o ritmo certo, compassado, espaçado.
Leave a Comment