
A Linha do Sal, de Katherine Vaz, publicado pelas Edições ASA, com tradução de Tânia Ganho, é mais uma das leituras adiada – um pouco inexplicavelmente, atendendo aos meus costados madeirenses e à curiosidade que tal despertou relativamente a esta leitura.
Na década de 1840, na ilha da Madeira, João Alves é filho de uma conhecida vítima de perseguição religiosa. Ambos estão encarcerados porque a mãe recusa-me a negar que fala com Deus. A intriga trata do pouco conhecido conflito religioso entre católicos e protestantes na Madeira no século XIX, sendo, portanto, inspirada em factos reais e documentados. Páginas depois, uma vez libertados, João procura o mestre botânico Augusto Freitas, para que lhe dê um remédio que cure a sua mãe das suas enxaquecas. Augusto vive rodeado de plantas (medicinais e tintureiras), num mundo muito seu, e conta à sua filha, adotiva, a pequena Maria, que os pais dela vivem no fundo do mar, onde brincam com os animais marinhos, escudando-a assim da verdade, pois a mãe foi executada por ser uma tecelã de anjos (afogava recém-nascidos indesejados). Um artifício bondoso, intrínseco à melhor ficção, que envolve a menina em fantasia e naquela “alegre melancolia que era a fonte de calor da alma portuguesa”. É esse o sentimento de João Alves ao abraçá-la em despedida.
João passar-se-á a chamar John, quando emigra para os Estados Unidos, onde entra na idade adulta, e começa a trabalhar como professor de linguagem gestual.
Certo dia, ele e Maria Freitas reencontram-se como imigrantes, e a surpresa retoma o fascínio inicialmente sentido no primeiro encontro enquanto crianças e incendeia uma paixão desmedida entre estes dois protestantes. Reacende-se um amor entre hereges, com a Guerra Civil como pano de fundo – e a Guerra é apenas uma das várias cisões desta relação, e que pode também remeter para o enigmático título.
Outro aspeto histórico cativante é o desvelar de como a costa oeste e leste não foram os únicos pontos de fixação dos portugueses na América. O verdadeiro John Alves integrou um contingente de protestantes madeirenses que emigraram para o Illinois.
A uma narrativa sólida, documentada, inspirada em factos, alia-se uma prosa pontuada por magia, eivada de profundo lirismo. Lirismo que só se preserva, como o sal, com uma excelente tradução de Tânia Ganho.
Katherine Vaz, filha de pai açoriano e mãe irlandesa, é uma autora premiada, detentora de bolsas da Universidade de Harvard, do Radcliffe Institute for Advanced Study e do National Endowment for the Arts, bem como da Harman Fellowship. É uma voz ativa na divulgação da cultura lusa por todo o mundo. Escreve em inglês, mas dedica-se diariamente à leitura em português, e inspira-se nas suas raízes portuguesas para os seus romances, como o recentemente reeditado Mariana, sobre Mariana Alcoforado, foi escolhido pela Biblioteca do Congresso como um dos 30 melhores Livros Internacionais, tendo sido traduzido para seis idiomas. Atualmente, a escritora vive em Nova Iorque com o marido, Christopher Cerf.
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