A Guerra dos Pobres, de Éric Vuillard, publicado pela Dom Quixote – a par de Um Terrível Verdor, de Benjamín Labatut, publicado pela Elsinore -, é das poucas obras traduzidas entre nós entre os finalistas da edição deste ano do International Booker Prize, cujo vencedor será anunciado dia 2 de Junho.

O autor, conhecido por ter ganho o Prémio Goncourt, em França, com A Ordem do Dia, inspirou-se num episódio brutal e pouco conhecido dos grandes levantamentos populares ocorrido na Alemanha, no século XVI, em que os camponeses e os pobres das cidades se revoltaram em busca da igualdade há muito desejada. Há sublevações desde os confins da cristandade que ameaçam chegar a Roma, com castelos e muralhas arrasados: «a respiração do mundo parecia ter-se acelerado, era sempre de dia, os pássaros comiam terra, os bichos dormiam de pé.» (p. 50)

Este pequeno livro de 70 páginas conta como hordas de miseráveis afluem dos quatro cantos do Império com um teólogo, Thomas Müntzer, à cabeça. Lutero teria dito que não eram os camponeses a revoltar-se, mas Deus…

«Mas não era Deus. Eram de facto os camponeses que se tinham revoltado. A menos que se desse o nome de Deus à fome, à doença, à humilhação, aos farrapos. Não é Deus que se revolta, são a corveia, os direitos banais, os dízimos, a mão-morta, o aluguer, a talha, o viático, o imposto de palha, o direito de pernada, os narizes cortados, os olhos arrancados, os corpos consumidos pelas chamas, quebrados, sujeitos às tenazes.» (p. 60)

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.