A Fera na Selva, de Henry James, com tradução de Ana Maria Pereirinha, publicado no início do ano pela Dom Quixote, é um livro imperdível.

Uma novela publicada em 1903, na fase tardia de escrita do autor, quando a sua prosa se tornava cada vez mais ambígua, na forma imprecisa como desenha a intriga e nos agarra, apesar de nos manter simultaneamente no desconhecimento, e por isso mesmo em suspense. Um exemplo disso é o fantástico A Volta no Parafuso – livro que deu origem a mais do que um filme, como, por exemplo, Os Inocentes.

Depois de se terem conhecido em Itália e passado dez anos sem qualquer contacto, um casal de amigos reencontra-se numa visita à mansão de Weatherend. A partir desse encontro a sua relação intensifica-se, sem nunca ganhar contornos amorosos. John Marcher já quase mal recorda as circunstâncias do seu primeiro encontro com May Bartram, mas ela lembra-se perfeitamente dele, e inclusivamente de um segredo que ele guarda e de que nem se recordava de ter partilhado. Segredo esse apenas partilhado com May e que parece ser tão incrível como terrível: o sentimento de John Marcher é semelhante à constante vigilância de uma “fera na selva” à espera de saltar. E quando finalmente a fera se revela, ele literalmente esconde a cara. O final do livro é tão insólito quanto a mestria do autor em nos manter permanentemente atentos ao longo das cerca de cem páginas deste mistério, a ansiar uma revelação que nunca chega.

Entre as várias leituras possíveis de A Fera na Selva podemos destacar uma leitura queer (homossexual) do livro, o que se pode alicerçar num medo tão intenso quanto o desejo de que May desmascare essa fera que o ronda, como se despertasse as suas mais íntimas pulsões. Leia-se a passagem quando May se dirige a John: “Tudo o que me preocupa é fazer-te passar por um homem como qualquer outro.” (p. 52)

Henry James nasceu em 1843, em Nova Iorque, e morreu em Londres, em 1916. É um dos mais importantes autores da literatura em língua inglesa. Passou grande parte da sua vida na Europa, dedicando-se sobretudo à escrita. Além de muitos contos, livros de crítica literária, autobiografia e literatura viagens, escreveu cerca de vinte romances, tendo sido o primeiro deles – Roderick Hudson – publicado inicialmente em capítulos, na revista The Atlantic Monthly, em 1875, e em livro em 1876. Da sua vasta obra destacam-se Os Europeus, Daisy Miller, Retrato de Uma Senhora (agora relançado numa nova edição da Clube do Autor e que deu origem a um filme de Jane Campion, com Nicole Kidman), O Que Maisie Sabia, A Volta no Parafuso e A Taça Dourada.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.