A Escola de Topeka, de Ben Lerner, publicado pela Relógio d’Água no final do ano passado, com tradução de Alda Rodrigues. Considerado como um dos grandes autores contemporâneos, este livro foi finalista do Prémio Pulitzer, vencedor do Los Angeles Times Book Prize e considerado como um dos 10 Melhores Livros do Ano para o New York Times, a revista Time e o Washington Post. Sendo este o seu terceiro romance, Ben Lerner sofre no entanto, entre nós, da desvantagem da sua obra estar traduzida de forma dispersa e talvez por isso quase passar despercebida. O seu romance de estreia Leaving the Atocha Station continua por publicar entre nós. A Teorema publicou 10:04, o seu segundo romance, em 2015, e a Elsinore publicou o ensaio Ódio à Poesia (a poesia é curiosamente ominipresente na obra do autor, na sua prosa poética, bem como nas constantes citações implícitas de poemas).

Adam Gordon é o protagonista de A Escola de Topeka, à semelhança do que acontecia no seu primeiro livro, um escritor, cuja voz se imiscui no livro na primeira pessoa em alguns raros momentos. Ao fundir biografia com autoficção, o autor tem sido equiparado a Karl Ove Knausgaard e Rachel Cusk. Contudo a verdadeira proeza deste livro polifónico, dividido em várias partes, é a de retratar um Adam em diversos momentos da sua vida, maioritariamente na sua juventude, ao mesmo tempo que dá voz aos progenitores, ambos psicoterapeutas. Jane parece falar directamente com o leitor, sabendo que o filho vai reproduzir o seu discurso (p. 81-112), enquanto que no caso de Jonathan, o pai, a sua identidade parece fundir-se ou alternar com a do filho: «descemos, na primeira e terceira pessoa, juntos através das nuvens» (p. 184). Porque, afinal, «a criança é o pai do homem» (p. 265), uma belíssima imagem subtilmente latente no livro.

Este é também um romance profundamente inteligente onde percepcionamos uma América em convulsão. A América é aliás «uma adolescência sem fim» (p. 225) em que o povo está lentamente a reaprender a falar. O estrondoso início em que Adam dá por si na casa-de-banho da casa errada, ao mesmo tempo que numa estranha experiência extracorpórea sente que está em todas as casas ao mesmo tempo – uma clara alusão à vida nos subúrbios americanos. Temos a metáfora das enxaquecas de Adam, cuja ameaça é aterradora e omnipresente, deixando-o em constante ansiedade, e distorcem a sua visão. Note-se a inaptidão social de Darren, excluído e ridicularizado pelos seus pares. Atente-se na carreira académica de Adam foi particularmente brilhante por ser estrela de debates académicos, em que a forma como o discurso é explanado é mais importante do que o conteúdo. E termina com uma manifestação contra as crianças separadas dos pais e colocadas em jaulas. Ou até na forma como se narra momentos da vida de Adam, numa linha ténue entre o clichê e o irrepetível poético.

Ben Lerner nasceu em Topeka, Kansas, nos E.U.A., em 1979. Publicou três livros de poesia. Foi finalista do National Book Award de Poesia e recebeu bolsas Fullbright, Guggenheim e MacArthur, entre outras distinções. É professor de Literatura Inglesa na Faculdade de Brooklyn.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.