Irène Némirovsky nasceu em 1903 em Kiev, então pertencente ao Império Russo, numa familia abastada. De ascendência judia, o seu pai era banqueiro e com o deflagrar da Revolução Russa em 1917 a família foge para a Finlândia, por um ano, e depois assenta em Paris. Em 1929 publica o seu primeiro romance, que é desde logo um sucesso, e adaptado ao cinema no ano seguinte. As Moscas de Outono é um dos seus primeiros romances, publicado em 1931. Apesar do nome e prestígio que ganha como escritora, quando a França entra em guerra a autora é impedida de escrever e os seus livros tornam-se proibidos. Em 1942 é detida e deportada para o campo de concentração de Auschwitz (um dos lugares mais tenebrosos que já visitei, onde me senti fisicamente mal) e morreu com 39 anos. A sua obra caiu no esquecimento durante o pós-guerra até que em 2004 o romance inacabado Suite Francesa (que li há bastante tempo) foi publicado, tornando-se um sucesso mundial, vencedor póstumo do Prémio Renaudot, e adaptado ao cinema em 2014.
As Moscas de Outono evoca justamente os lugares e desventuras da sua juventude, tendo sido escrito quando tinha pouco menos do que 28 anos, ao narrar a vida da velha serva Tatiana Ivanovna que dedicou a sua vida aos Karine. Tendo criado duas gerações da família desde a sua tenra idade, e sendo ela que permanece sozinha na propriedade da família, outrora cenário de opulência e luxo, quando tem início a Revolução Russa, a velha ama irá percorrer o país a pé no encalço dos seus amos que fugiram para Paris, transportando consigo os diamantes que simbolizam o remascente da sua riqueza e que lhes permitirá sobreviver como nobres exilados russos.
«O apartamento era pequeno, escuro, abafado; cheirava a poeira, a tecidos velhos; o tecto baixo parecia pesar sobre as cabeças; (…) e nessas quatro pequenas divisões escuras, os Karine viviam até à noite, sem sair, estonteados com os ruídos de Paris (…). Eles iam, vinham, de um muro ao outro, silenciosamente, como as moscas de Outono, quando o calor, a luz e o verão aparecem, voam penosamente, exaustas e arreliadas, contra os vidros, arrastando as asas mortas.» (p. 52)
Enquanto os Karine envelhecem e definham, Tatiana Ivanovna parece não mudar, firme e digna apesar da idade de um século, como um símbolo da Mãe-Rússia, da pátria que tiveram de abandonar.
«-Nós envelhecemos, hã, minha pobrezinha? Mas tu, tu não mudas. Dá gosto ver-te… Não, realmente tu não mudas.
– Na minha idade, já só se muda no caixão – disse Tatiana Ivanovna com um sorriso esguio.» (p. 64) Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Policial
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Akiara
Alfaguara
Ana Teresa Pereira
Antígona
ASA
Bertrand
Bertrand Editora
Booker Prize
casa das Letras
Cavalo de Ferro
Companhia das Letras
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições Tinta-da-china
Elena Ferrante
Elsinore
Fábula
Gradiva
Hélia Correia
Ian McEwan
Isabel Allende
José Saramago
João de Melo
Juliet Marillier
Leya
Livros do Brasil
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Minotauro
New York Times
Objectiva
Patrícia Reis
Pergaminho
Planeta
Porto Editora
Publicações Dom Quixote
Quetzal
Relógio d'Água
Relógio d’Água
Série
Temas e Debates
Teorema
The New York Times
Thomas Mann
Tânia Ganho