«Contos à Moda do Porto de Miguel Miranda» in O Conto Português Pós-25 de Abril. O Grande Prémio Camilo Castelo Branco, Org. de Petar Petrov, Roma Editora, Lisboa, 2012, pp. 105-110. Ver artigo
Publicado na Colóquio Letras, n.º 190, Set. 2015, p. 229-231. Ver artigo
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, tem várias edições mas a que lemos é a de formato de bolso da Cotovia, numa edição cuidada e esmerada que dá gosto transportar para todo o lado para nos sentirmos em boa companhia. Ao fechar um livro como este, cuja leitura não termina, fica sempre a sensação de que há muito a dizer mas resta ainda o conforto da certeza de que voltaremos a ele. O título diz tudo: Memórias, escritas pelo próprio, mas Póstumas, isto é, de um qualquer lugar pós-morte e talvez por isso Brás Cubas ganha em objectividade e desprendimento quando nos deixa este magnífico relato na primeira pessoa da sua vida. O narrador-personagem não se foca jamais na morte ou naquilo que está para lá dela – pelo que os seguidores do espiritismo podem ficar um pouco desiludidos. Sabe-se apenas que ele escreve a partir do sepulcro ou, paradoxalmente, de algum sítio entre as nuvens: «Unamos agora os pés e demos um salto por cima da escola» (pág. 53). Tem sido ainda apontado que Brás Cubas possui um certo cunho autobiográfico, fantasia à parte, o que pode explicar passagens em que o narrador se assume como o autor, sempre interpelando directamente o leitor (o que muito contribui para a modernidade deste texto), por vezes até quase o ridiculariza ao mesmo tempo que arvora saber quais os gostos do leitor (que são apenas uns cinco…); ou pela certeza expressa de que as suas Memórias de além túmulo serão publicadas e lidas por aqueles que o conheceram em vida, aliás, pelos poucos que lhe sobreviveram, nomeadamente Virgília. Neste livro, não há personagem que não seja introduzida que não seja depois retomada, e conforme a vida de Brás Cubas decorre assistiremos a várias mortes, sendo a da mãe aquela que despoleta o maior abalo na personagem – levando ao desabrochar da flor da melancolia de que Anabela Mota Ribeiro fala. Brás Cubas parece sempre perder a sua oportunidade, mas fica também a ideia de que é por inércia – como na passagem em que a sege já está parada no seu destino e ele se pergunta porque não avançam – que a sua vida, afinal, se resume por uma série de falhanços pois ao contrário do que o pai pretendia, e por isso o mimava, Brás Cubas não parece deixar grande feito de «nomeada». O seu ímpeto cesariano parece perder-se, como se traduz num bacharelato feito sem grande aproveitamento, um noivado falhado e uma carreira pública que é referida mas parece que sempre de forma indirecta – ou talvez porque Brás se deixa mais depressa enredar nos seus amores e desamores do que num feito que perdure, mas agora vistos de forma clínica e crua: «Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis» (pág. 63). É um claro golpe de ironia, que revela como alguém apesar do seu berço de ouro e das aspirações que lhe teciam pode falhar na vida, que a noiva de Brás Cubas seja depois a sua amante.
Os capítulos são curtos, por vezes limitando-se a certas piadas gráficas, todos eles intitulados de forma sugestiva, outras vezes num piscar de olho irónico ao conteúdo («Vá de intermédio»), a linguagem é escorreita e puxa o leitor imediatamente para o centro da história e talvez por isso ficamos sempre com a sensação de que Brás Cubas, ao narrar as suas desventuras, é um ser, aliás, uma alma que mais do que resignada se encontra em paz com o destino que lhe coube em sorte – e que terá sido ele próprio a traçar até porque entidades omnipotentes como Deus não são para aqui chamadas. Por isso nunca sofremos como tragédias as perdas e as desilusões do protagonista, dado o tom ligeiro e quase jocoso por vezes assumido na narração, até porque «o leitor (…) não se refugia no livro, senão para escapar à vida» (pág. 262).
Tenho sempre a clara sensação de estar a ler Eça de Queirós, com a sua lupa de análise crítica da sociedade, na forma como se narram adultérios que parecem conhecidos por toda a cidade, como Brás Cubas acaba por gorar as expectativas de uma «grande futuro» e nunca chega a assentar como se esperaria de alguém na sua posição, pela amizade com Ega, perdão, Quincas Borba, na sua filosofia revolucionária, talvez fruto de uma semidemência, nos presságios que por vezes se sentem – e mesmo em Eça também os há – como as borboletas negras,…
E por fim, e acho que aqui reside a grande magnitude deste livro, quando chegamos ao fim somos remetidos novamente para o princípio numa circularidade fechada e que deixa ao leitor o critério de como opta por se adentrar neste texto ou de como prefere deixá-lo: «hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte» (pág. 19). O último capítulo é todo ele de «negativas» mas a verdade é que a história começa nas primeiras páginas, onde se narram também os últimos episódios da sua vida, como o emplastro para a melancolia que não se cumpriu, e é a elas que deveremos voltar para apurar se afinal essa vida se cumpriu ou não. A circularidade traduz-se ainda na forma como a partir deste livro podemos chegar a outras personagens de outros escritos do autor, como Quincas Borga ou o alienista do seu conto.
Machado de Assis, cuja vida dava ela própria um filme, perdão, um livro, nascido em 1839 no Rio de Janeiro na pobreza, sofrendo de epilepsia – o que pode explicar a sombra da morte e do ridículo neste livro, como quando Brás se recusa a pensar casar com uma coxa – até se tornar fundador da Academia Brasileira de Letras de que foi o primeiro presidente, influenciou muitos autores – até Woody Allen elege este livro de entre os seus cinco favoritos. Ver artigo
Pesquisar:
Subscrição
Artigos recentes
Categorias
- Álbum fotográfico
- Álbum ilustrado
- Banda Desenhada
- Biografia
- Ciência
- Cinema
- Contos
- Crítica
- Desenvolvimento Pessoal
- Ensaio
- Espiritualidade
- Fantasia
- História
- Leitura
- Literatura de Viagens
- Literatura Estrangeira
- Literatura Infantil
- Literatura Juvenil
- Literatura Lusófona
- Literatura Portuguesa
- Música
- Não ficção
- Nobel
- Policial
- Pulitzer
- Queer
- Revista
- Romance histórico
- Sem categoria
- Séries
- Thriller
Arquivo
- Novembro 2024
- Outubro 2024
- Setembro 2024
- Agosto 2024
- Julho 2024
- Junho 2024
- Maio 2024
- Abril 2024
- Março 2024
- Fevereiro 2024
- Janeiro 2024
- Dezembro 2023
- Novembro 2023
- Outubro 2023
- Setembro 2023
- Agosto 2023
- Julho 2023
- Junho 2023
- Maio 2023
- Abril 2023
- Março 2023
- Fevereiro 2023
- Janeiro 2023
- Dezembro 2022
- Novembro 2022
- Outubro 2022
- Setembro 2022
- Agosto 2022
- Julho 2022
- Junho 2022
- Maio 2022
- Abril 2022
- Março 2022
- Fevereiro 2022
- Janeiro 2022
- Dezembro 2021
- Novembro 2021
- Outubro 2021
- Setembro 2021
- Agosto 2021
- Julho 2021
- Junho 2021
- Maio 2021
- Abril 2021
- Março 2021
- Fevereiro 2021
- Janeiro 2021
- Dezembro 2020
- Novembro 2020
- Outubro 2020
- Setembro 2020
- Agosto 2020
- Julho 2020
- Junho 2020
- Maio 2020
- Abril 2020
- Março 2020
- Fevereiro 2020
- Janeiro 2020
- Dezembro 2019
- Novembro 2019
- Outubro 2019
- Setembro 2019
- Agosto 2019
- Julho 2019
- Junho 2019
- Maio 2019
- Abril 2019
- Março 2019
- Fevereiro 2019
- Janeiro 2019
- Dezembro 2018
- Novembro 2018
- Outubro 2018
- Setembro 2018
- Agosto 2018
- Julho 2018
- Junho 2018
- Maio 2018
- Abril 2018
- Março 2018
- Fevereiro 2018
- Janeiro 2018
- Dezembro 2017
- Novembro 2017
- Outubro 2017
- Setembro 2017
- Agosto 2017
- Julho 2017
- Junho 2017
- Maio 2017
- Abril 2017
- Março 2017
- Fevereiro 2017
- Janeiro 2017
- Dezembro 2016
- Novembro 2016
- Outubro 2016
Etiquetas
Akiara
Alfaguara
Annie Ernaux
Antígona
ASA
Bertrand
Bertrand Editora
Booker Prize
Caminho
casa das Letras
Cavalo de Ferro
Companhia das Letras
Dom Quixote
Editorial Presença
Edições Tinta-da-china
Elena Ferrante
Elsinore
Fábula
Gradiva
Hélia Correia
Isabel Allende
Juliet Marillier
Leya
Lilliput
Livros do Brasil
Lídia Jorge
Margaret Atwood
Minotauro
New York Times
Nobel da Literatura
Nuvem de Letras
Pergaminho
Planeta
Porto Editora
Prémio Renaudot
Quetzal
Relógio d'Água
Relógio d’Água
Série
Temas e Debates
Teorema
The New York Times
Trilogia
Tânia Ganho
Um Lugar ao Sol