Estes são os dois primeiros romances de Murakami, que foram publicados em inglês numa versão flipover, cada um dos romances numa das pontas do livro. Há ainda a vantagem de o livro possuir uma breve introdução do autor em que explica como começou a escrever, como era a sua vida antes, e como chegou ao estilo que tem hoje. O livro parece um pouco desconexo de início, sempre num registo mais existencialista próprio deste eterno candidato ao Nobel (coisa com que eu pessoalmente não concordo muito, mas se calhar porque para mim a literatura ainda é outra coisa qualquer – aliás a introdução do autor versa isso mesmo, em parte), mas encontramos já alguns dos seus temas ficcionais, e personagens como o Rato, de Em busca do carneiro selvagem. Ver artigo
Já li praticamente toda a sua obra (falta-me Mães e Filhos, e New Ways to kill your mother, que intuo estarem bastante ligados a este seu último romance). Já tinha visto o livro à venda mas como as leituras a fazer são tantas evito comprar livros em inglês, porque apesar de tudo os originais levam-me mais tempo e porque são bastante caros onde vivo. Depois consegui ver o filme Brooklyn, adaptação do seu último romance, que também me tocou muito – o filme é belíssimo também e comovente sem raiar o melodramático e o xaroposo. Resumindo acabei por sentir cada vez mais vontade de comprar o seu último livro que aliás já saiu o ano passado, pelo que há quase dois anos que aguarda tradução, o que começo a achar inquietante por parte da Bertrand (a não ser que tenha sido tomado por outra editora).
Passando ao livro em questão: à semelhança de Brooklyn, a escrita deste autor, considerado aliás um dos expoentes da literatura irlandesa, é extremamente contida, despojada de qualquer vaidade ou de ornamentação. A história começa imediatamente a seguir à morte do marido de Nora, nunca sabemos exactamente o ano ou o momento em que a acção decorre, pouco sabemos sobre o que aconteceu a Maurice e numa sequencialidade bastante simples, quase seca, vamos seguindo o retomar do quotidiano desta viúva, num registo tão “monótono” como: Nora fez chá, deu um gole, pousou a chávena, recostou a cabeça. Contudo o livro prende desde o início, e mesmo estando eu em ambiente de férias de praia que normalmente requerem-me leituras mais leves, não o consegui pousar nem nunca me aborreceu a tensão lenta da intriga.
A cena inicial do livro é emblemática, em que Nora se prepara para receber mais uma visita que fez questão de apresentar as suas condolências apenas depois das pessoas se começarem a retirar da vida da Nora, enquanto um vizinho assiste ao momento da chegada desta nova visita e opina ele próprio que as pessoas irão sempre continuar a procurá-la com mais uma história ou mais palavras de conforto. O próprio vizinho aliás continua lá, a rondá-la, quando tudo aquilo por que ela realmente anseia é estar a sós. Mas Nora nunca sucumbe à dor da perda, aliás sentimos sempre, pela falta de analepses, que ela faz por tudo para esquecer o marido e seguir em frente, como quando vende a casa de férias – se bem que também por necessidades económicas. E Nora faz questão de viver essa sua recém adquirida independência, sem querer que ninguém se intrometa na sua vida – quando na verdade todas as pessoas que por ela passam a conhecem a si e à sua história, pois falamos de uma pequena aldeia, não muito perto de Dublin. Nora tem quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, e inclusivamente nem os filhos consulta aquando das decisões que toma, da mesma forma que nunca testemunhamos conversas com eles sobre o pai que perderam. Nora parece quase fria na sua dignidade (mais à frente leremos aliás que ela não é considerada uma pessoa fácil e que só parece ter suavizado quando conheceu Maurice) e na sua resolução de encaminhar a vida para a frente, por muito que lhe custe – terá também de voltar a trabalhar, se bem que inesperadamente o estado a apoie constantemente, e com retroactivos, devido a novas políticas de apoio às viúvas. Só muito mais à frente é que percebemos que o ano em que se passa a acção é 1969, aquando da chegada do homem à Lua. E mais no final percebemos que as 300 páginas do livro seguem os seus 3 últimos anos, após a morte do marido.
No final há um desfecho bastante intrigante e não propriamente deslindado em que o luto e a dor que Nora tanto tentou recalcar acaba mesmo por se impôr na forma de um fantasma, de forma a que a personagem tenha mesmo de resolver a dor das pessoas que perdeu na sua vida e seguir decididamente em frente, com a paixão que entretanto descobriu, a do canto e da música clássica.
Espero não ter deixado demasiados spoilers e aconselho vivamente a leitura. Ver artigo
Este pequeno livro é mais uma pérola deste grande autor, prémio Nobel em 1929, cuja obra tenho estado a ler ultimamente (o que me leva a querer reler os que lera entretanto). Seguir-se-ão certamente Os Buddenbrook, o seu primeiro romance cuja escrita iniciou aos 21 anos de idade. Ver artigo
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