A obra da autora canadiana Margaret Atwood continua a ser relançada em Portugal, depois do sucesso de A História de uma Serva, que deu origem ao sucesso televisivo da série The Handmaid’s Tale, do canal Hulu.
À semelhança de outras obras publicadas pela Elsinore, já apresentadas aqui na rubrica da Leitura da Semana do Postal do Algarve, como Uma Odisseia ou O Mel do Leão, A Odisseia de Penélope recupera esse misto de anonimato e colectivo que vive num mito e dá-lhe nova vida, neste caso, uma nova voz, a da mulher de Ulisses.
Sempre irreverente, no seu humor e ironia, a autora recupera aqui a figura de Penélope e tece a sua própria teia narrativa: «as pessoas diziam-me que eu era bonita, mas, também, que remédio tinham senão dizê-lo sendo eu uma princesa, e, em pouco tempo, uma rainha, mas a verdade é que, embora não fosse aleijada nem feia, não era nada de especial. Em todo o caso, era esperta, muito esperta até, se tivermos a época em conta. Parece ser por isso que sou conhecida: por ser esperta. Isso e a minha tecelagem, a dedicação ao meu marido, e a minha discrição.» (p. 29)
A partir do reino de Hades, perfeitamente consciente de que os tempos são outros, até porque Ulisses entretanto tem vivido várias encarnações, entrando e saíndo do reino dos Infernos, Penélope conta a sua própria versão dos acontecimentos imortalizados na Odisseia de Homero: como casou tão jovem, aos quinze anos, e foi viver para Ítaca, ao contrário dos costumes da época; como ela própria tinha de ser sagaz como a raposa do marido e safar-se com o subterfúgio de tecer uma mortalha que desfazia durante a noite; a sua difícil relação com Telémaco, um jovenzinho que começa a querer afirmar-se, achando a mãe incapaz de continuar a governar o reino que é dele por direito; a ambiguidade em torno do seu comportamento num palácio com mais de 100 homens que lhe disputavam a mão e, por conseguinte, o leito conjugal; os rumores que corriam das aventuras do próprio Ulisses com feiticeiras e deusas; as complicações de se relacionar com Euricleia, ama de Ulisses, que se impõe como uma “sabe-tudo” ou não tivesse ela criado o rei; e a sua animosidade para com a sua bela prima Helena, cuja face foi capaz de lançar mil navios para a guerra.
Mas nesta teia em que Margaret Atwood nos enleia nem tudo é mera fantasia e capricho de escrita, pois sente-se como a autora estudou os mitos e avança as suas próprias hipóteses de reinterpretação dos mesmos, narrando sempre a partir da voz e perspectiva de uma Penélope que não está de todo votada ao passado e que se dirige directamente ao leitor:
«A mortalha em si tornou-se numa história quase instantaneamente. «A teia de Penélope», chamavam-lhe; as pessoas costumavam dizer isso de qualquer trabalho que fosse misteriosamente infindável. Eu não gostava do termo «teia». Se a mortalha era uma teia, então eu era uma aranha. Mas não fora tentada a apanhar homens como quem apanha moscas; pelo contrário, andara só a ver se me escapava a ser enredada.» (p. 93) Ver artigo
São sete os títulos da colecção da Bertrand em que diversos autores contemporâneos recriam uma obra de Shakespeare, com vista a celebrar Shakespeare. O quinto título da colecção lançada em cerca de 30 países é Semente de Bruxa, em que Margaret Atwood recria a peça A Tempestade. Esta autora canadiana tem dado muito que falar no último ano, com a adaptação para série televisiva de dois livros seus, História de uma serva e Alias Grace, encontrando-se já em produção mais duas adaptações das suas obras.
Felix é um director artístico no Festival de Teatro de Makeshiweg com produções ousadas que fazem com que o público saia cambaleante e ébrio, com cabeças de Macbeth ensopadas em sangue atiradas ao público, o Rei Lear nu em palco, ou Péricles encenado com naves espaciais.
Felix perdeu a mulher e a filha, aos 3 anos, com meningite. E mergulha por inteiro na encenação de Tempestade, aquela que será a sua melhor produção de sempre. Até ao dia em que é traído e afastado pela pessoa em quem mais confiava. A partir daí, Felix vive em reclusão, alucina com a sua filha Miranda, até que anos depois passa a trabalhar numa prisão como professor de literacia e mobiliza os seus alunos a representar Shakespeare.
Doze anos depois, Felix renasce assim como Próspero e tem a possibilidade de encenar finalmente o seu projecto outrora gorado, o que lhe permite também, dentro da prisão e com a ajuda dos presidiários que são seus alunos de teatro, encenar a sua vingança.
A autora abandona o género fantástico ou distópico que normalmente caracteriza as suas melhores obras, mas mostra versatilidade no tratamento do tema central à peça, ao mesmo tempo que atenta na forma como o próprio teatro precisa de ir sendo recriado para se manter actual e continuar a tocar os corações dos homens de hoje com temas e intrigas que foram criadas há séculos, celebrando-se assim, de forma justa, esse vulto maior do teatro mundial que foi, e permanece a ser, William Shakespeare. Ver artigo
Esta obra, publicada em 1986 com o título original de Alias Grace, vai estrear lá fora em mini-série televisiva no dia 26 de Setembro, parece-me que composta por 3 episódios transmitidos na Netflix.
Gostei muito deste romance da autora canadiana em que temos não um salto ao futuro como a distopia A História de uma Serva (já apresentado neste blogue) e que deu origem ao sucesso televisivo da série The Handmaid’s Tale, da Hulu, mas um recuo ao passado com um romance histórico baseado em factos verídicos, mais exactamente no polémico caso de Grace Marks, uma das mais famosas canadianas da década de 1840, condenada por homicídio aos dezasseis anos de idade.
O livro tem uma escrita apaixonante, e envolve num enredo intrigante, em que como o próprio título indica, nos mantém constantemente na dúvida entre a inocência ou culpa de Grace. É também e, antes de mais, um romance histórico que apresenta o Canadá nos seus primórdios e um romance feminista, até porque Grace representa «a ambiguidade contemporânea acerca da natureza das mulheres: seria Grace um demónio feminino e uma tentadora, a instigadora do crime e a verdadeira assassina de Nancy Montgomery, ou seria uma vítima involuntária, forçada a manter o silêncio pelas ameaças de McDermott e por recear pela sua própria vida?» (p. 434).
Existem diversas citações de obras da época que reflectem o mediatismo do caso de Grace mas como a própria autora refere no «Posfácio» à obra: «Quando tinha dúvidas, tentei optar pelo que me parecia mais provável, embora introduzindo todas as probabilidades sempre que possível. Quando havia meras sugestões e nítidas lacunas nos registos, senti-me à vontade para inventar.» (p. 437). Não falta, no entanto, uma certa nota de fantasia, condizente à época que acolheu entusiasticamente o espiritismo e o mesmerismo.
O livro foi publicado em Portugal pela Livros do Brasil, que aliás tem agora sido relançada com a colecção Miniatura, publicando grandes livros em formato pequeno e a preço reduzido. Sugeri ao departamento de comunicação que relançasse este Criminosa ou inocente?, sugestão que foi recebida com agrado, pelo que ainda acredito que o livro seja publicado a propósito da série que, esperemos, seja também transmitida nos canais nacionais. Ver artigo
Depois da leitura de Ballard e O Reino do amanhã continuamos numa de distopias talvez porque na actualidade a História que escremos hoje pareça ter tomado algum desvio errado. Esta semana chegam ao pequeno e ao grande ecrã, respectivamente, A história de uma serva, de Margaret Atwood, e O círculo, de Dave Eggers, duas distopias bastante distintas mas que contêm em si algo em comum, o facto de o futuro narrado não se afigurar assim tão longínquo. A história de uma serva foi adaptada a série televisiva pela Hulu, canal concorrente da Netflix, a estrear esta quarta-feira, dia 26 de Abril, com os 3 primeiros episódios, naquela que é a produção mais ambiciosa e dispendiosa deste canal de streaming com o acréscimo de Elizabeth Moss figurar no principal papel (quem não viu a sua brilhante interpretação em Top of the lake, série criada por Jane Champion, a realizadora de O piano), enquanto que O círculo estreia esta semana nos cinemas com Emma Watson e Tom Hanks nos principais papéis.
Mas o que aqui interessa é apresentar estas obras. Margaret Atwood venceu diversos prémios no conjunto da sua carreira, sendo também esta obra uma das mais premiadas, figurando na lista finalista do Booker Prize e do Nebula Award, e das mais marcantes, publicada originalmente em 1985 e entre nós, pela Bertrand Editora, em 2013.
Através de Defred, uma Serva da República de Gileade, outrora os Estados Unidos da América, ficamos a saber, sempre de forma gradual e com indicações muito dispersas, como o governo norte-americano foi derrubado por extremistas cristãos e Gileade é agora um país cuja Constituição foi suspensa sem qualquer motim ou resistência, assente em princípios fundamentalistas, onde se nega o direito à individualidade, a sociedade está agrupada em algumas classes privilegiadas principais (as Esposas, os Comandantes, as Martas, os Guardiães), vivem-se tempos próximos de uma Idade Média obscurantista, as mulheres estão proíbidas de ler, cita-se a Bíblia como forma de comunicação e ocultando o mais possível as ideias próprias, a poluição e o controlo da natalidade perturbaram gravemente o desenvolvimento demográfico, aboliram-se todas as medidas científicas que visavam auxiliar a gravidez e agora as mulheres férteis são agrupadas entre as Servas para poderem dar às classes privilegiadas os filhos que geram no seu próprio ventre. Defred na verdade não é o nome da nossa heroína, pois esta deixa de ter identidade e apenas tem importância enquanto “barriga de aluguer” capaz de gerar um filho a Fred, pois este nome é um patronímio, composto pelo pronome possessivo e pelo nome do seu dono. Conforme salvaguardado na passagem bíblica do Génesis em epígrafe, quando Raquel se revelou incapaz de conceder um filho a Jacob, ela disse-lhe que fosse buscar a sua serva Bila: «Que ela dê à luz sobre os meus joelhos; assim, por ela, eu também terei filhos.». Fred irá assim passar a possuir (literal e figurativamente) Defred algumas vezes, na presença da mulher. Mas esta mulher, que teve em tempos um nome, teve também um marido que não sabe agora se está ainda vivo e uma filha que lhe foi tirada. A narrativa narrada na primeira pessoa, a partir do ponto de vista de Defred, ajuda-nos a sentir mais proximamente o vazio e a subjugação que vive no quotidiano, à medida que a história alterna entre dois planos iniciando no momento em que a Serva passa a viver na casa do seu novo senhor, à medida que os seus flashbacks nos conduzem pelas suas memórias de um tempo em que tinha um família com quem era feliz e nos dão conta de como tudo mudou. Se bem que esta Serva tente sempre «não pensar demais» pois: «À semelhança de outras coisas, agora o pensamento tem de ser racionado. Há muitas coisas em que é insustentável pensar. Pensar pode diminuir as hipóteses de uma pessoa, e a minha intenção é durar.» (pág. 16).
Além da escrita cuidada e intimista da autora, a sua mestria reside essencialmente numa ambiguidade próxima à literatura fantástica em que deixa o leitor em suspenso até finalmente pela página 200 (de 348) descrever o que realmente sucedeu de modo a criar uma realidade como a de Gileade possível, um tempo de totalitarismo onde não há universidades ou advogados em que estas mulheres (e sente-se também aqui o feminismo da autora) não só não podem ler, como devem andar cobertas («Algumas pessoas chamam-lhes hábitos, uma boa palavra para os designar. Os hábitos são difíceis de quebrar» (pág. 36)), possuem tatuagens no tornozelo como uma «marca de gado», raramente têm acesso a notícias (e que nunca se sabe se não são falsas) e não podem olhar directamente nos olhos de outros. Mas resta-lhe ainda este poder, não só o de dar vida, mas também o de despertar desejo: «Gosto do poder; o poder de um osso de cão, passivo, mas que está ali. Espero que fiquem excitados por olhar para nós e que tenham de se esfregar colados às barreiras pintadas, sub-repticiamente. Hão de sofrer mais tarde, à noite, nas camas regimentais. Agora não têm alternativa que não eles próprios, e isso é um sacrilégio. Já não há revistas, nem filmes, não há substitutos; só eu e a minha sombra, a afastarmo-nos» (pág. 33).
A cor vermelha está presente de diversas formas ao longo do livro, nos tijolos vermelhos das construções, nas tulipas, na cor dos trajes das Servas, o vermelho do sangue menstrual e da vida, mas também da proibição e das letras escarlates do adultério. O vermelho da luxúria e da paixão que é uma das poucas armas que Defred possui como resistência à colonização do seu corpo. Ver artigo
Já ando de olho nesta autora há muito tempo e assim que soube da série a estrear em Abril baseada na obra A história de uma serva fui logo comprar. Ver artigo
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