Escrito com «o fólego de um clássico», este livro tem ecos de outros grandes que subiram a montanhas para se tornarem maiores do que a vida, e talvez por isso esteja também dividido em três partes mais ou menos correspondentes às três fases de vida de um homem.
A montanha neste livro é mais do que a neve onde se pode esquiar ou as escarpas que alpinistas desafiam ou onde os caminhantes trepam. Há no ar rarefeito, frio e por vezes árido das montanhas quem encontre um modo de vida e prefira viver no silêncio e na solidão do recato de uma maneira de ser perdida nos tempos.
Pietro é um jovem quando vai com os pais pela primeira vez para a aldeia de Grana, no sopé do Monte Rosa, onde os pais alugaram uma casa e é aí que também descobre facetas novas dos pais que rapidamente se adaptam ao modo de vida da montanha, com o pai a seguir para as suas escaladas à montanha feitas com obstinação e petulância, e a mãe rapidamente mostra desenvoltura na forma como acende uma lareira ao mesmo tempo que ordena ao filho que «fosse apanhar vento e sol e perdesse aquela (…) delicadeza urbana» (p. 27). Começando por explorar o rio, Pietro acaba por travar amizade com Bruno, o rapaz que pastoreava as vacas, numa espécie de calmo cerco amoroso: «A última descoberta foi que não só eu o tinha observado, lá no pasto, como ele me tinha observado a mim enquanto os dois fingíamos ignorar-nos.» (p. 29).
É nas montanhas, onde os pais de Pietro se conheceram e apaixonaram, acabando por ficar isolados do mundo, que Pietro descobre também o valor da amizade e do companheirismo, mesmo quando se passam anos sem ver ou saber do amigo. É na montanha que se dá o desencontro e o reencontro com o pai, e que Pietro descobre o sentido da sua própria vida, mesmo quando esse destino implica virar costas a tudo o que se conheceu.
É um belíssimo livro que nos mostra como há lugares que vivem apenas na nossa infância e, perdidas as pessoas, ficam as memórias que são demasiado aguçadas para serem confrontadas com as realidades que desmoronam face ao brilho de um passado que não volta mas que está sempre vivo no íntimo. Ver artigo
John Maxwell Coetzee nasceu na Cidade do Cabo, estudou em África do Sul e nos Estados Unidos, e vive actualmente na Austrália. Foi o primeiro escritor a vencer por duas vezes o Prémio Booker, com A Vida e o Tempo de Michael K e Desgraça, e em 2003 foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura.
Este romance saído em Maio de 2017 constitui a sequela de A Infância de Jesus, publicado em 2013 também pela Dom Quixote, obra em que o autor se demarca do seu estilo habitual e entra no domínio da distopia. No romance anterior, o leitor ficou a saber como este trio improvável de um homem, uma mulher e uma criança, sem qualquer ligação prévia entre si, passou a constituir uma família, pois Simón e Inés reclamam para si a protecção e educação de Jesus, vendo-se inclusivamente a procurar refúgio numa outra colónia, Estrella. Tem-se falado muito em linguagem alegórica ou metafórica a propósito destes dois romances, mas a escrita é aqui essencialmente cerebral, concisa, limpa de qualquer excess. Se David parece ter muito pouco de Jesus – é emblemático o episódio em que ele aliás se recusa a perdoar Dmitri – já Simón é uma personagem muito curiosa e sensata, com os seus diálogos algo socráticos, especialmente na forma como ele, Simón, responde às inúmeras questões de David, rapazinho vivaço e precoce, que recusa por norma as convenções que a sociedade possa impôr. Talvez por isso David se adapte tão bem à escola da Academia de Dança onde vai aprender a dançar para chamar os números. Como profere Simón: «-Não nos opomos a este recentíssimo desejo pela simples razão de que não temos força para isso – diz ele. – Connosco o David leva sempre a sua avante. É o tipo de família que nós somos: um amo e dois servos.» (p. 96). Simón, dotado de uma suma paciência, parece sim simbolizar toda uma geração de pais da actualidade que se vêem impotentes face à vontade dos filhos: «Eu não lhe oriento a vida, já nem sequer finjo aconselhá-lo. A verdade é que estamos fartos da sua obstinação, a mãe e eu. É como um buldózer. Espalmou-nos. Fomos espalmados. Já não temos resistência.» (p. 48). Apesar da escrita enganadoramente simples e despretensiosa, entre a questão de encontrar uma escola adequada para David e um crime passional, este livro levanta questões bem complexas e prementes. Ver artigo
A vida política Ver artigo
Nomeado para o International Man Booker Prize 2016 e agora vencedor do International Dublin Literary Award recordo que quando comecei a ler as primeiras páginas deste livro de José Eduardo Agualusa, publicado pela Dom Quixote, de repente fiquei agarrado. Ludovica sofre de agorafobia e vive fechada no seu mundo de sobrevivência, o que de alguma forma espelha a realidade do que se passou durante o caos pós independência em Angola e reflecte a luta de cada um para sobreviver. Contudo, apesar de isolada no seu apartamento, chegam-lhe ecos do que se passa em Angola e vai conhecer alguém de forma inesperada… Ver artigo
A desconstrução do silêncio Ver artigo
Gabo, um dos autores favoritos de muitos leitores, tem agora mais uma obra publicada pela Dom Quixote, originalmente lançada em fascículos na mesma altura e à semelhança de Relato de um Náufrago. O autor então um jovem jornalista viaja por vários países da Europa de Leste, passando por cidades como Berlim, Praga, Varsóvia, Moscovo, Kiev ou Budapeste, e apesar de esta viagem ocorrer durante os anos 50 é um relato inestimável de como mesmo depois da queda da Cortina de Ferro estes países e povos continuam a viver num ambiente triste e fechado, de grande repressão, onde os convidados estrangeiros são raros e se vêem a ser permanentemente acompanhados por intérpretes que não dominam outra língua que não a sua e que, no fundo, têm apenas a função de vigiar e acompanhar. É curioso como o autor não deixa ainda assim de reconhecer a cordialidade e a generosidade das pessoas que vivem sob a sombra do regime soviético, e vai estabelecendo apesar das devidas diferenças comparações pontuais com a vida na América Latina: «A ordem pública na Alemanha Oriental parece-se muito com a da Colômbia dos tempos da perseguição política.» (p. 44).
Fica um testemunho pertinente da passagem deste autor colombiano pelos países socialistas, com laivos do seu humor, ironia e perspicácia. Só tenho pena de não ter podido ler as impressões que o autor aqui nos deixa na altura em que vivi em Varsóvia, cidade completamente arrasada durante a guerra e reconstruída a partir de fotografias (leia-se História natural da destruição, W. G. Sebald), e do seu povo: «É difícil saber o que os polacos querem. São complicados, difíceis de lidar, de uma suscetibilidade quase feminina e com tendência para o intelectualismo» (p. 96). Ver artigo
Chega hoje às livrarias Em queda livre, de William Golding, publicado pela Dom Quixote.
Partilhamos a sinopse:
«De alguma forma, em algum momento, Samuel Mountjoy perdeu a sua liberdade, o livre-arbítrio que «não pode ser discutido, apenas sentido, como uma cor ou o sabor das batatas».
Nascido na pobreza, de pai incógnito e mãe alcoólica, Sam cresce na vida, superando as suas origens e transformando-se num pintor de sucesso, com quadros expostos na Tate Gallery. Arrastado para a Segunda Guerra Mundial, é feito prisioneiro, submetido a tortura e fechado na escuridão de uma cela de onde emerge, como Lázaro do túmulo, descobrindo a infinidade num grão de areia e a eternidade numa hora.
Transfigurado pela traumática experiência, inicia o processo de compreensão do que o Homem pode ser. Determinado em entender a pessoa em que se transformou pelas escolhas que fez na vida, Sam relembra o passado na tentativa de encontrar o momento exacto em que o peso acumulado dessas escolhas o privou do livre-arbítrio.» Ver artigo
É quase com receio, ou pelo menos com imenso respeito, que nos aventuramos a indagar de um sentido subjacente a este magnífico e desafiador livro de um dos grandes autores da literatura portuguesa (cuja obra está publicada pela Dom Quixote), sobretudo quando nos deparamos com uma passagem que ironiza acerca das teses que hoje se possam conjecturar: «aparecia-me aquele desconchavo como uma metáfora da cultura contemporânea, um labirinto de citações de citações, projectado no espaço virtual, expediente que de resto não deixa de seduzir gente tão desejadamente articulada como o autor desta prosa» (pág. 58). E é esta voz narratorial que se assume como sendo o próprio autor («indaguei de mim próprio em que espécie de salgalhada me deixava envolver, aquele novelo de vidas ligadas a vidas» (pág. 39) que se institui como um dos grandes trunfos deste autor de biografias ficcionalizadas e de sagas familiares com fundo histórico que permitem, dessa forma, ficcionalizar a História. E de modo a reescrever a História, ou aquilo que se toma como certo sobre Luís de Camões, este romance está tripartido de forma sequencialmente regressiva, como só podia ser, de modo a nos deslumbrar no fim com a confirmação de que mesmo as teses mais polémicas e desconchavadas podem esconder um fundo de verdade.
A primeira parte tem lugar na altura em que o autor escreve Tiago Veiga, e dá a conhecer a correspondência encetada por Timothy Rassmunsen, o neto de Tiago Veiga (em que o autor numa estratégia bem pósmodernista recorre a um empréstimo homoautoral, mantendo vivas as suas personagens e fazendo-as transitar de um livro para outro), mas à qual o autor/narrador não considera sequer responder, dada a insólita tese que Timothy vai alimentando de que Camões nunca teria sobrevivido ao naufrágio no delta do Mekong, onde teria afinal perdido não só a sua amada Dinamene mas também a vida. Contudo esta «abstrusa teoria», ainda que apoiada nos escritos do explorador britânico Richard Burton, que é tida como produto de uma mente que caminha na corda bamba entre a crise de meia-idade e a loucura, consegue provocar no autor «o apetite de o converter em protagonista de um livro como este» (pág. 27).
Na segunda parte, situada por volta de 1830-90, o autor ao esbarrar num contratempo que encerra a parte precedente, vê-se forçado a recorrer à figura do camonista e tradutor de Os Lusíadas, passando a narrar algumas das peripécias vividas por este explorador que na «truculência de Luís de Camões, evidenciada pelo registo que ficou do brigão de rua, do soldado destemido, e do rebelde a burocracias, detectaria Richard Burton o traço de uma personalidade afim da sua.» (pág. 92). Será curioso notar como tanto Richard Burton como o neto de Tiago Veiga parecem idolatrar Camões tanto mais quanto se identificarão com ele, ao ponto de começar a declamar os versos da sua obra como se fossem fruto do seu engenho.
Finalmente, a terceira parte recua até ao cenário das conjecturas dos protagonistas das partes anteriores, e Ruy (nome que não é inocente…), o escrivão de bordo, narra o percurso de São Lourenço, a nau anual da China, que parte de Macau com Camões agrilhoado, e Dinamene a seus pés, o que não o impedia de ir escrevendo a sua obra durante a travessia até que, numa passagem que lembra fortemente a do Adamastor, se dá o fatídico naufrágio.
De um fino sentido de humor que perpassa a primeira parte, e em que lemos como se de um diário se tratasse as peripécias do autor/narrador, até à forte crítica social que perpassa na terceira parte, acusando a vida de um Portugal que parece não ter mudado muito nos últimos 500 anos, este é um romance com o seu quê de polémico e que confirma Mário Cláudio como um escritor dos que ficarão na História. Ver artigo
A construção do vazio, de Patrícia Reis (autora já aqui apresentada) chega às livrarias no dia 21 de Março e fecha um tríptico iniciado com Por Este Mundo Acima (2011) (um magnífico livro que foi recenseado para o Cultura.Sul – cujo texto podem consultar no blog). A obra da autora, jornalista e directora da Revista Egoísta, tem sido publicada pela Dom Quixote. Ver artigo
Surge a reedição de O Sistema Periódico, de Primo Levi, pela editora Dom Quixote:
«Na véspera de se retirar do universo da Química para se dedicar exclusivamente à escrita, Primo Levi oferece-nos – ao longo de 21 capítulos, cada um com o nome de um elemento da tabela periódica – um relato da sua vida enquanto cientista, através do qual responde a inúmeras e complexas questões sobre o mundo e sobre si próprio. O Sistema Periódico é, pois, um conjunto de vivências de um químico judeu do Piemonte, combatente antifascista, deportado e escritor, vistas através do caleidoscópio da Química. As histórias cobrem a vida do autor, do nascimento à redação deste livro, passando por momentos fulcrais como a infância, a descoberta da vocação e a sua formação como químico, os amores e as amizades, o crescimento do movimento fascista italiano e o aparecimento das leis raciais, a vida na clandestinidade, a prisão e o encarceramento em Auschwitz, e o regresso aos laboratórios do campo de concentração já no pós-guerra.
Um testemunho autobiográfico único, por um dos principais romancistas do século xx.
Nas livrarias a 14 de Março» Ver artigo
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