Já está no ar a adaptação a mini-série do livro A Vida Mentirosa dos Adultos, de Elena Ferrante, com tradução de Margarida Periquito e publicado pela Relógio d’Água. Esta leitura foi um agradável regresso a Ferrante. Apesar de ter comprado a tetralogia logo quando começou a ser badalada, fiquei-me apenas pelo primeiro volume – estou actualmente suspenso a meio do segundo volume, pois retomei a leitura da saga napolitana quando estreou a segunda temporada da série da HBO que também ainda não terminei.
«Dois anos antes de sair de casa, o meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia» é a frase inicial deste romance e é nela que se encerra quase toda a trama do livro.
Giovanna, protagonista e narradora, tinha uma boa relação com os pais, até ao momento em que por acidente ouve o pai dizer à mãe que a filha está a ficar com a cara da Tia Vittoria. Primeiramente, a reacção inicial de Giovanna será descobrir quem é afinal a Tia Vittoria que nunca viu, mas limita-se a descobrir fotos riscadas. Depois disso, a narrativa corre numa espiral ascendente (descendente?) que é, afinal, a perda da inocência da jovem Giovanna e a sua entrada na plena adolescência. E quando finalmente entra na zona pobre de Nápoles, nunca antes frequentada, e a tia lhe abre a porta, a verdade sobre Vittoria não é afinal aquela se esperava.
«Esta foi a última etapa da longa crise da minha casa e, ao mesmo tempo, um momento importante da fatigante aproximação ao mundo adulto. Soube (…) que era impossível parar de crescer.» (p. 234)
E conforme continua a crescer, a desvendar os segredos e mentiras dos adultos, a começar pelos dos pais, correndo aliás o risco de assumir o papel da tia ao trair a sua melhor amiga quando se apaixona pelo namorado desta, Giovanna passa a mover-se entre duas famílias, conforme a sua própria família se desagrega, e deambula entre duas zonas da mesma cidade, cujos habitantes não se “tocam”, em busca da sua própria identidade, na passagem da adolescência para a idade adulta, ao mesmo tempo que percebe que entrar na idade adulta é afinal incorrer num mundo de ilusões, de conveniências, e de enganos. Só a sua Tia Vittoria, uma criada, uma mulher espampanante, sem tento na língua, e com uma personalidade digna de um furacão, parece manter-se igual a si mesma.
Este livro é uma verdadeira viagem e a prosa de Ferrante agarra-nos desde a primeira frase. A mim deu-me foi vontade de regressar à Amiga Genial e parar de adiar a leitura dos restantes volumes.
«O tempo da minha adolescência é lento, feito de grandes blocos cinzentos e inesperadas gibosidades de cor verde, vermelha ou roxa. Os blocos não têm horas, dias, meses, anos, e as estações são incertas, está calor e frio, chove e faz sol. (…) De resto, o próprio colorido que certas emoções adotam é de duração irrelevante, quem escreve estas linhas sabe-o. Assim que procuras as palavras, a lentidão transforma-se em vórtice e as cores confundem-se, como as de diferentes frutos numa batedeira. Não só «passou o tempo» se torna uma expressão vazia, como também «uma tarde», «uma manhã», «uma noite» passam a ser indicações oportunas.» (p. 219) Ver artigo
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