Considerado o romance mais importante deste autor, e lido e relido por Martin Scorsese que o adaptou para cinema (estreou hoje, dia 19 de janeiro, nas salas portuguesas), este é um romance breve e intenso que se lê de um fôlego, com uma escrita ligeira e concisa, onde se traça um retrato da presença cristã, mais especificamente, portuguesa, no Japão do século XVII pela mão e perspectiva de um escritor japonês.

O padre Sebastião Rodrigues, nascido em 1610, parte com João de Santa Marta e Francisco Garpe, colegas de seminário, partem numa missão, de tipo diferente, em busca do seu velho mestre Ferreira, professor de Teologia, missionário que terá apostatado, renegando a sua fé, e vivendo agora entre os japoneses – o conversor que acaba convertido.

Apesar de o Japão contar na época com milhares de convertidos, a presença dos cristãos no Japão entretanto não é pacífica e Sebastião Rodrigues acabará por se ver capturado e repensar a sua fé, as suas prioridades, os seus valores, enquanto vive um Calvário em muito semelhante aos últimos momentos da vida de Cristo – figura que aliás está sempre presente no seu íntimo, como uma alucinação ou uma chama de fé que o conforta e fortalece, apesar de o padre Sebastião apelar várias vezes a Deus para que este quebre o seu silêncio face às injúrias que Sebastião sofre, da mesma forma que permaneceu silencioso face ao sofrimento de muitos outros mártires da fé cristã.

É mais louvável morrer por uma ideia vã ou é mais premente renunciar na aparência, enquanto se tenta resgatar a vida daqueles que se vêem ameaçados em nome da sua fé? Até que ponto a palavra de Cristo espalhada no Oriente, e noutras paragens e missões, é abraçada na íntegra ou foi adaptada consoante a fé e a necessidade dos povos convertidos?

«… nesse recuado tempo ainda Deus não era, como agora, um ser terrível, sempre envolto na escuridão do medo e da dúvida. Estava-lhe mais próximo, era o companheiro que lhe fazia sentir a alegria de viver e a harmonia do Universo.» (pág. 172).

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.