Este foi o romance de estreia da autora em 1995 e publicado entre nós pela antiga Planeta Editora uns anos depois, penso que 1998. Foi escolhido como Livro do Ano da Whitbread e para quem conheceu a autora pelo seu penúltimo romance, Vida após Vida, pode confirmar como a sua voz se destacava já neste primeiro romance como uma voz original, uma escrita finíssima, elegante (que sobrevive a uma tradução mediana e a uma revisão deficiente), e principalmente, a característica que mais aprecio na autora, um forte sentido de humor capaz de arrancar pequenas gargalhadas, muitas vezes através de pequenos à partes que pontuam a narrativa, com temas comuns que perpassam a sua escrita. Apesar de ser descrito como um retrato de família vulgar (e a tradução do título também deixa a desejar mas acaba por se adequar ao livro), a história de Ruby Lennox é tudo menos vulgar. Acompanhamos a sua vida exactamente desde o momento da sua concepção, no preciso instante em que o pai e a mãe a concebem ao som das badaladas da meia-noite, e nas próximas cerca de 370 páginas a autora faz um retrato da vida desta rapariga, que tem diversas irmãs (todas elas acabam por desaparecer), ainda que se demore muito mais na sua infância, passando pela juventude de forma mais breve e quase voando pela sua idade adulta. Logo aqui sentimos uma familiariedade com a narrativa de Vida após Vida, mas mais ainda pela forma como a autora procura sobretudo transmitir, percorrendo várias gerações e várias personagens (convém ir traçando uma árvore genealógica), um sentido de oportunidades perdidas, de chances que desperdiçamos ao longo da vida, ao mesmo tempo que vai deixando perpassar em alguns momentos que há alguns segredos (inerentes a todas as famílias que se prezem) que serão posteriormente desvendados, havendo também direito a um pequeno volteface, e que reforça a ideia das vidas que não se cumprem… Se bem que Alice, a personagem que de facto arriscou e largou tudo em busca de um sonho também não se parece ter dado muito melhor do que as outras. Bunty, a mãe de Ruby, é talvez a figura mais forte de toda a galeria feminina, pela sua frieza e sarcasmo, ao ponto de as próprias filhas temerem e odiarem a mãe que parece sempre incapaz de um único gesto de carinho.
É especialmente louvável a inovação formal na narrativa. Depois de cada capítulo sobre a vida de Ruby, todos eles datados com o ano e intitulados, segue-se um capítulo seguinte, desta forma: Capítulo 1, Nota de Rodapé 1, etc… As Notas de Rodapé são basicamente um capítulo à parte e estão devidamente referenciadas nos anteriores, a propósito de algo que justifique essa pequena história paralela, remetendo o leitor para o que sucedeu com os antecedentes familiares de Ruby, objectos da casa que passaram de geração em geração, etc.. A história desdobra-se assim em várias narrativas, além de andarmos aos saltos no tempo. É comum aliás a autora fazer uso de prolepses que arrumam inclusivamente o destino de algumas personagens secundárias. E tal como em Vida após Vida sente-se como a autora parece acarinhar o outro lado da vida na sua dimensão oculta, mas de forma contida e sóbria (e talvez por isto gosto tanto desta autora): à semelhança de Ursula, Ruby também irá fazer psicanálise – ou regressão, talvez com hipnose? – de forma a recordar aquilo que aconteceu na sua infância e lhe foi escondido quando ela aparentou ter esquecido o incidente.
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