Quando as Montanhas Cantam, da autora vietnamita Nguyen Phan Qué Mai, publicado pela Alma dos Livros, com tradução de Carla Ribeiro, é um daqueles romances de leitura fluída, de prosa lírica, sem gorduras ou excessos, que é difícil pousar. Entra também na categoria daqueles poderosos romances históricos que atravessam a história de um país, ao longo de várias gerações, e contado por uma voz feminina. Esta leitura remete-nos por exemplo para Terra Abençoada, de Pearl S. Buck, ou Cisnes Selvagens, de Jung Chang. Um livro que entra assim num grupo de leituras que constituem também uma mensagem (utópica? ou praticável?) em parte intertextual e em parte intercultural: “se as pessoas estivessem dispostas a ler-se umas às outras e a ver a luz de outras culturas, não haveria guerra no mundo.” (p. 177)
A acção começa no ano de 1972, no Vietname. Decorre a chamada Guerra do Vietname, que é designada diferentemente pelo governo vietnamita como «Guerra de Resistência Contra a América para Salvar a Nação» (p. 176). Um “banho de sangue que tinha inundado” o país durante cerca de 20 anos, “afogando mais de três milhões de pessoas e deixando ainda outros milhões de feridos, traumatizados e desalojados”. Estima-se que tenham sido largados sete milhões de toneladas de bombas durante a guerra (p. 119).
Do seu refúgio nas montanhas, a pequena Hương e a sua avó observam Hanói a arder sob o fogo dos bombardeiros americanos. Ainda que tenham conseguido proteger-se num abrigo antiaéreo, quando regressam à cidade descobrem a sua casa completamente destruída. Os pais da menina, narradora desta história, estão ambos na guerra, assim como todos os seus tios. A sua avó, professora, é a sua maior companheira e raramente a deixa fora de vista. É também a avó quem lhe incute o gosto pela leitura. Certo dia, a avó decide travar a sua própria guerra, e cansada de ter de sobreviver a custo de um parco ordenado como professora obrigada a transmitir propaganda nacionalista, decide enveredar por caminhos obscuros e passa a ser comerciante no mercado negro.
A narrativa desta menina que rapidamente se torna mulher alterna com as memórias que a avó Diệu Lan conta à neta, sempre sedenta de histórias, desfiando assim a história da sua própria vida: desde os anos nas terras da família durante a ocupação francesa, as invasões japonesas e a chegada dos comunistas; do dia em que perde tudo, como um adivinho previu, e da sua fuga desesperada para Hanói, sem comida nem dinheiro, e a dura decisão de deixar os filhos pelo caminho, na esperança de que, mais tarde ou mais cedo, se reencontrassem.
Uma narrativa que se conta a partir de várias microhistórias que se vão encaixando umas nas outras.
As memórias de uma nação, contadas oralmente, que são na verdade a forma de reescrever uma História silenciada pelo próprio poder do país.
“Nos teus manuais escolares, não encontrarás nada sobre a Reforma Agrária nem sobre as lutas internas dos Viêt Minh. Parte da história do nosso país foi apagada, juntamente com as vidas de inúmeras pessoas. (…) Mas tu tens idade suficiente para saber que a História se escreverá nas memórias das pessoas e, enquanto essas memórias perdurarem, podemos ter fé em como podemos fazer melhor.” (p. 183)
Nguyen Phan Qué Mai nasceu em 1973 numa pequena aldeia no norte do Vietname e viveu a devastação da guerra desde muito cedo. Trabalhou como vendedora ambulante e agricultora de arroz antes de ganhar uma bolsa de estudos para estudar numa universidade na Austrália. Autora e poetisa aclamada, ganhou alguns dos mais prestigiados prémios literários do Vietname. É autora de vários livros de ficção e não-ficção, e o seu trabalho foi traduzido e publicado em diversos países. Ganhou prémios como o PEN Oakland/Josephine Miles Literary Award e foi finalista do Dayton Literary Peace Prize.
Quando as Montanhas Cantam tornou-se rapidamente um bestseller, traduzido um pouco por todo o mundo.
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