«Era uma vez, numa grande floresta, uma pobre lenhadora e um pobre lenhador.
Não, não, não, não, tenham calma, isto não é O Pequeno Polegar! De modo nenhum. Tal como vocês, também detesto essa história ridícula. Onde e quando já se viu pais a abandonarem os filhos por não terem o que lhes dar de comer? Vá lá…
Recomeçando: nessa grande floresta reinavam a fome e o frio.»
Assim começa esta breve narrativa, como um conto de fadas.
Era uma vez um casal de lenhadores muito pobres que vivia numa floresta, por onde passava um comboio de mercadorias. Tinham frio, porque se estava no Inverno, e tinham sempre fome, porque grassava uma guerra.
E assim continua a história como um conto de fadas, apesar do narrador que a conta na primeira pessoa, com um registo muito próximo da oralidade, a mesma oralidade que lhe permite brincar com as palavras e com a musicalidade de uma prosa próxima do registo encantatório.
A Mais Preciosa Mercadoria é uma fábula sobre Auschwitz e inspirada num episódio real.
Recorrendo sempre e apenas a alusões, todos os símbolos estão lá, mais ou menos translúcidos, mais ou menos fulgentes: os comboios que circulam sem parar, o xaile precioso com fios de ouro e prata, os gémeos separados, os sem-coração com a sua marca, o bosque proibido, a raça maldita nascida sob a boa estrela amarela, os países ocupados pelos carrascos devoradores de gente estrelada, a ajuda concedida com uma contrapartida… O autor reconta assim a velha história do Holocausto (mas tão presente e angustiante), esse momento da história tão horrível que é sempre reconhecível em que o impossível se fez real.
«Os dias sucederam aos dias, os comboios aos comboios. Nos vagões selados agonizava a humanidade. E a humanidade fazia de conta que não sabia.» (pág. 91)
O autor Jean-Claude Grumberg é um conhecido dramaturgo, nasceu em França em 1939, e assistiu ao momento em que o pai foi levado pelos nazis para o comboio que tinha como destino o seu extermínio, assim como o de um número assombrosamente incontável de judeus. Este livro publicado pela Dom Quixote, com formato de bolso e tradução de Luísa Benvinda Álvares, finalista de vários prémios literários e a ser adaptado a filme de animação, deve ser lido em todas as idades.
Obrigada pelo texto.