Claire Keegan – A grandeza da concisão
Claire Keegan, autora irlandesa agora publicada em Portugal pela Relógio d’Água, tem poucos livros publicados, em mais de 20 anos de carreira literária, às vezes com um hiato de mais de uma década. Nasceu em Wicklow, na Irlanda, em 1968, filha mais nova de uma família numerosa. Ainda adolescente viajou para Nova Orleães, nos EUA, e aí estudou Inglês e Ciência Política na Universidade Loyola. Regressou à Irlanda em 1992 e, um ano mais tarde, tirou o mestrado em Escrita Criativa e deu aulas de licenciatura na Universidade do País de Gales. Os seus contos apareceram na The New Yorker, Granta, The Paris Review e Best American Short Stories. Entre as distinções que recebeu, contam-se o Rooney Prize para Literatura Irlandesa e o William Trevor Prize. O escritor norte-americano Richard Ford escolheu o seu conto «Foster» como vencedor do Davy Byrnes Short Story Award em 2009, sublinhando o instinto da autora para palavras exatas e a sua “paciente atenção às amplas consequências e finalidades da vida”. Keegan está incluída na exibição permanente do Museu de Literatura da Irlanda, inaugurado em 2019.
Que Claire Keegan é um dos melhores escritores de ficção, de prosa tão cirúrgica concisa quanto inquietante, já é conhecido. O que talvez não se saiba é que esta novelista tem não um mas dois dos seus livros já adaptados ao cinema. Além do mais recente “Pequenas Coisas como Estas”, com estreia no Festival Internacional de Cinema de Berlim, de Tim Mielants, num elenco que conta com Cillian Murphy, Ciarán Hinds e Emily Watson, existe ainda “The Quiet Girl” (“A menina silenciosa”), que adapta “Acolher”. Filme que ganhou vários prémios e foi nomeado para o Óscar de Melhor Filme Internacional.
Este ano saiu ainda um pequeno volume de breves contos, A Uma Hora tão Tardia.
Pequenas Coisas como Estas, de Claire Keegan
Pequenas Coisas como Estas, da autora irlandesa Claire Keegan, foi o primeiro livro seu publicado entre nós pela Relógio d’Água. A tradução desta novela é de Inês Dias.
Num tempo em que se multiplicam os romances de grande dimensão, em cartapácios de mais de 700 páginas, ou em obras que se estendem ao longo de vários volumes, Claire Keegan prima pela concisão. O que nos pode remeter para uma passagem do mais recente Montevideu, de Enrique Vila-Matas, que afirma que “Os relatos breves são estampas de vida com uma estranha adesão à realidade” (p. 29).
A imagem de marca desta autora, que foi finalista do Booker Prize em 2022 e vencedora do Prémio Orwell na Categoria de Ficção Política com este livro, parece ser a de uma prosa tão breve quanto impactante, em novelas cujo impacto no leitor se deve sobretudo ao não-dito.
Pequenas Coisas como Estas narra, na terceira pessoa, em tom enganosamente distanciado, a vida de Bill Furlong, um comerciante de carvão e homem de família, alguém que “vinha do nada”, cuja mãe engravidou aos 16 anos. Nascido no dia 1 de abril de 1946, correndo assim o risco de se tornar um mentiroso, filho de pai desconhecido, acaba por ser perfilhado por uma mulher generosa, a Sra. Wilson. Pela situação da mãe, solteira, e por ser pai de cinco filhas, há ainda vislumbres rápidos (como se tocássemos a consciência do protagonista) do que significa ser mulher num mundo de homens.
Quando Bill tem cerca de 40 anos, e a acção remonta agora a 1985, há breves traços que rapidamente caracterizam o ambiente social que nos remete para outras obras de autores irlandeses, como Douglas Stuart. Naquela pequena cidade irlandesa, onde Bill (bafejado pela sorte, ou por ser um bom homem) consegue ainda assim fazer pela vida, e sustentar a sua família. Vivem-se tempos difíceis. Há poucas oportunidades de trabalho, à excepção do depósito de carvão. Os jovens emigram para Londres, Nova Iorque ou Boston. As filas do desemprego crescem.
Bill, ao entregar uma encomenda no convento local, faz uma descoberta inquietante, que o leva a confrontar-se com o seu próprio passado e com os complicados silêncios de uma povoação controlada pela Igreja.
Como se torna claro numa nota final escrita pela autora, esta ficção inspira-se numa situação verídica.
O que torna a escrita desta autora tão especial e única? A sua concisão, a forma como encadeia a simples descrição de gestos, em que as personagens “avançam sempre mecanicamente, sem pausas, para a tarefa seguinte” (p. 23) – ou porque se vivem tempos pouco propícios a reflexões ou por ser essa a única forma de sobreviver -, com súbitos rasgos da sua interioridade que lançam uma nova luz sobre gestos aparentemente banais e quotidianos – “a mecânica dos dias” (p. 27).
Em cerca de 80 páginas, não há lugar para excessos ou devaneios. Como também acontece na música, a autora aposta mais nas pausas (imaginamo-las nós no meio das frases) e nos silêncios que se criam. A acção cinge-se ao essencial e, ao termina o livro, o leitor fica ainda assim com uma estranha sensação de inquietude, a apalpar sentidos possíveis para o que acabou de ver acontecer ao longo daquelas páginas.
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