O Ano do Dilúvio, de Margaret Atwood, publicado pela Bertrand Editora, com tradução de Miguel Batista, é a continuação do universo (ou mundo em ruínas?) apresentado em Órix e Crex – O Último Homem, reeditado no final de 2020. Este livro integra, portanto, uma trilogia que conclui com MaddAddam. A intriga é paralela ao livro anterior, Órix e Crex, e reencontramos velhas personagens, como Jimmy, agora definitivamente louco, ao mesmo tempo que ficamos a saber mais sobre outras personagens, como a mãe fugitiva de Jimmy.

O mundo foi devastado por tornados e secas, há tempestades elétricas todos os finais de tarde, o homem dizimou a maioria das espécies animais para depois se entreter em laboratório a cruzar espécies, também com o objetivo de rentabilizar essas criaturas. Uma das proezas da autora é criar um mundo detalhado, perigosamente plausível, sem se tornar explicativa. Há inclusivamente aspectos desta distopia (originalmente publicada em 2009) intrigantemente próximos à realidade, como o muro construído para não deixar entrar os refugiados texanos ou o dilúvio seco, uma pandemia que subitamente dizimou a maior parte da população, sendo a tosse um dos sintomas.

O leitor é indiciado gradualmente nas personagens e na intriga desta distopia e vai juntando as peças do enigma. O país (muito certamente os Estados Unidos da América, ainda que nunca seja nomeado) vive agora sob um regime totalitário (não declarado) em que a CorpoSegur domina o país – até porque são os únicos autorizados a possuir armas. Enquanto isso difundiram-se seitas, como o culto dos Jardineiros de Deus, que vive marginalmente, advoga o amor ao próximo, não come proteína animal (aliás um bem escasso), e possui um livro oral de cânticos (cujos hinários vão sendo apresentados ao longo do livro).

A narrativa centra-se em duas mulheres, uma mais jovem e a outra mais adulta, separadas antes do fim do mundo, cuja sobrevivência depende do seu reencontro; alternando entre a primeira pessoa, Ren (Brenda), outrora uma dançarina de varão, e a terceira pessoa, com Toby, uma mulher forte, corajosa, sábia, que numa fuga pela vida teve de mudar a sua aparência física e criar uma nova identidade, como gerente num SPA. É do terraço desse SPA, onde conseguiu sobreviver à epidemia, que Toby observa o exterior e se interroga se é a única sobrevivente no mundo.

Margaret Atwood nasceu em Otava em 1939. É a mais célebre autora canadiana e publicou mais de quarenta livros entre ficção, poesia e ensaio. Recebeu diversos prémios literários ao longo da sua carreira, incluindo o Arthur C. Clarke, o Booker Prize, o prémio para Excelência Literária do Sunday Times (Reino Unido), a Medalha de Honra para Literatura do National Arts Club (EUA), o título de Chevalier de l’ Ordre des Arts et des Lettres (França), tendo sido a primeira vencedora do Prémio Literário de Londres.

A Bertrand Editora publicou também, este ano, o livro de poemas Afectuosamente.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.