Depois de História da Violência (recenseado no Cultura.Sul), narrativa de pendor autobiográfico em que Édouard Louis conta a violação e violência de que foi vítima, chega-nos agora, novamente pela Elsinore, Quem Matou o Meu Pai: uma breve narrativa sobre a complexa relação do autor/narrador com o pai, como uma carta em que pretende acertar contas com a memória dele, chegando a conclusões conforme escreve, falando sempre do pai no passado, porque no presente já não o conhece…
E ainda que esta autoficção contenha aspectos que já surgiam no seu livro anterior – onde o autor afirma, a dada altura, como os estudos superiores foram uma consequência da sua fuga, quando compreende que esse seria o único caminho possível que lhe permitiria afastar-se socialmente do seu passado familiar –, a relação intertextual que mais ressalta é com Regresso a Reims, de Didier Eribon (Dom Quixote), um ensaio onde a escrita autobiográfica também se entrelaça com a reflexão sociológica. Quando o filósofo francês perde o pai, que não via há décadas, ao ponto de não o reconhecer numa foto tirada poucos dias antes de morrer, não comparece ao seu funeral, nem faz qualquer tentativa para ver os irmãos, de quem se separou há 30 anos e provavelmente também já não seria capaz de reconhecer. Mas quando visita a sua mãe, no dia seguinte ao funeral, acaba por dar início a um reencontro com o eu que tanto procurou, sem sequer se aperceber, reprimir. Tendo saído de Reims pelos vinte anos para viver em Paris, fugindo a um pai violento e homofóbico, para poder começar a ser verdadeiramente ele, verdadeiramente livre, sem ter de se envergonhar da sua sexualidade, Didier Eribon percebe que afinal ao libertar a sua sexualidade acaba por reprimir o seu passado sócio-cultural enquanto prossegue numa ascensão social. Sai de um armário sexual para se meter num armário social.
Com Édouard Louis o reencontro com o pai, e o seu próprio eu-criança, acontece mais a tempo, apesar de o pai estar já muito debilitado: «Já não podes conduzir, já não te é permitido beber álcool, já não consegues tomar banho ou ir trabalhar sem correres um enorme risco. Tens pouco mais de 50 anos. Pertences àquela categoria de seres humanos a quem a política reserva uma morte precoce.» (p. 12)
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A história de Édouard é difícil, íntima e dolorosa, tal como no seu livro anterior, e fala-nos agora de outro tipo de violência, essencialmente verbal: a que o pai exerceu sobre ele, como forma de o tornar mais masculino.
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Édouard Louis nasceu em Hallencourt, França, em 1992. Estudou História na Universidade de Picardia e Sociologia na Escola Normal Superior de Paris. Venceu o Prémio Goncourt para Primeiro Romance com a publicação do seu livro de estreia, Acabar com Eddy Bellegueule (Fumo Editora, 2014 – actualmente esgotado), onde se unem o pendor autobiográfico confessional e a força do romance moderno.
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