Gilead, de Marilynne Robinson, com tradução de António Pescada, publicado pela Relógio d’Água em 2021, foi vencedor do Prémio Pulitzer de Ficção 2005, do Prémio National Book Critics Circle de Ficção, e foi considerado pelo The Guardian o segundo melhor livro do século XXI.

Gilead é uma povoação do Iowa com casas dispostas ao longo de algumas ruas, lojas, um depósito de água e uma estação de comboios.

A narrativa, sem apresentar uma forma verdadeiramente epistolar, constitui uma longa carta que John Ames, aos setenta e seis anos, escreve ao seu filho de sete anos. John, nascido em 1880, um filho muito devoto de famílias bastante devotas numa cidade bastante devota, foi reverendo tal como o seu pai, e o pai do pai do seu pai. Consciente de que está prestes a morrer, John espera que o filho leia esta carta, que entende ser “um exercício de sinceridade” (p. 14), apenas em adulto, depois da sua morte. Para si, “escrever foi sempre como rezar” (p. 25). Em tempos, o seu próprio pai também lhe deixou uma carta, que John queimou sem ler.

Escrever esta “carta interminável” talvez seja também uma forma de encontrar conforto, uma vez que sendo perito em suportar os aflitos, não ocorre a ninguém que ele próprio possa procurar algum tipo de alívio.

Mais do que uma longa carta, por esta narrativa perpassa um tom de divagação reflexiva, com arroubos líricos, em que um homem religioso medita sobre a vida à luz do texto divino. Em suma, quase como se estivéssemos a ler um sermão e, nalgumas passagens, uma elegia à beleza da vida mortal.

“És apenas um rapazinho bem-parecido, um pouco franzino, asseado e de boas maneiras. Tudo isso é bom, mas é principalmente pela tua existência que te amo. Hoje acho que a existência é a coisa mais formidável que alguma vez pôde ser imaginada. Estou quase a alcançar a imortalidade. Dentro de um instante, num piscar de olhos.” (pág. 55)

Gilead forma uma espécie de quarteto com os romances Lila, Jack e Casa. Apesar de estarem relacionados entre si, são livros independentes, que partilham personagens, e em que alguns dos acontecimentos narrados serão vistos sob uma nova perspetiva.

Casa foi recentemente publicado, com tradução de Alda Rodrigues.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.