Esta é a história de uma típica família disfuncional norte-americana, os quatro irmãos Plumb: Melody, Jack, Leo e Bea.
A história começa com um Boom!, quando Leo meio embriagado e alterado pelo consumo de cocaína decide seduzir durante o casamento de uma prima a jovem Matilda, uma empregada de mesa com dezanove anos, a entrar no seu Porsche, com consequências desastrosas, pois quando ela começa a acariciá-lo no entrepernas Leo tem um acidente. Depois deste prólogo cinematográfico percebemos como este acidente de Leo vai colocar em causa a Fortuna que a família tem esperado pacientemente. Melody tem duas filhas gémeas, e precisa de pagar a hipoteca da casa, demasiado cara, além de ter de pensar nos estudos universitários das gémeas; Jack tem uma loja de antiquário que não dá lucro e tenta esconder do marido o facto de que já tem a sua casa de férias hipotecada; Beatrice foi uma escritora outrora talentosa, com alguns contos publicados, que claramente retratavam o irmão Leo; e Leo é o benjamim da família, outrora bem sucedido, mas agora parece levar uma vida tão postiça e pretensiosa como o Porsche que alugou para o casamento da prima, arriscando-se a perder tudo o que tem no divórcio. Estes quatro irmãos esperam (im)pacientemente que a irmã Melody, a mais nova, cumpra os seus 40 anos para poderem finalmente receber aquilo que designam a Fortuna, a herança proveniente de um fundo que o pai criou para eles, para lhes dar algum conforto extra no futuro – Melody tinha então 16 anos. Leonard Plumb Sénior foi um self-made men pois, apesar de descender de uma família com dinheiro e imóveis, quase tudo se perdeu, devido a má gestão, maus negócios e maus casamentos. Quando consegue vingar na vida mediante a sua aposta em produtos químicos de absorção – como os plásticos usados nas fraldas ou nas carnes de aves vendidas em supermercado – e decide criar o fundo para os filhos, nem ele pode adivinhar que daí a uns anos estará morto e que esse fundo continuará a crescer até se tornar uma considerável Fortuna. Até que o acidente de Leo e a indemnização que tem de ser paga à jovem Matilda colocam tudo em risco.
A história é bastante simples, bem escrita, e constitui um page turner que não desilude. O livro vale sobretudo por um retrato de uma América pós-recessão e como tantas famílias vêem as suas vidas em risco, apesar de no caso dos irmãos Plumb aquilo que se passa é sobretudo uma vida que, ao contrário do que o pai desejava, é levada na corda bamba, sempre com os olhos fitos nessa Fortuna, isto é, a contar com o ovo no cu da galinha… Mas A Fortuna é sobretudo a história de como esta família disfuncional – note-se que os tios mal conhecem as gémeas e poucas vezes as viram, e Leo há vinte anos que não passava um feríado com a família – volta a reunir-se, apesar de inicialmente não ser pelos motivos melhores pois o almoço de família que reúne os irmãos depois do acidente é, em suma, com vista a responsabilizar Leo pela delapidação da sua herança e obrigá-lo a compensá-los e, com sorte, convencer a mãe a adiantar-lhes o dinheiro antes do quadragésimo aniversário de Melody. É o acidente e essa necessidade de fazer Leo pagar pelo dinheiro que perderam, mas que nunca tiveram, que os aproxima novamente. Na tradução do livro e do título, publicado em inglês sob o título de The Nest, perde-se aliás a carga alusiva da palavra ninho como a casa, o conforto, o porto de abrigo que é, ou deveria ser, a sua família e o seu lar. Note-se aliás o pensamento de Walker, marido de Jack: «Além de ser infantil, não conseguia perceber como é que um grupo de adultos podia usar aquele termo com aparente convicção sem sequer pensar por alto que era uma complexa metáfora e estava diretamente relacionada com o comportamento disfuncional deles enquanto indíviduos e enquanto grupo. Era mais uma das muitas coisas sobre a família Plumb que ele deixara de tentar perceber.» (pág. 288).
Cynthia D’Aprix Sweeney decidiu aos 50 anos voltar à escola para tirar um curso de escrita e parece que teve sucesso, se considerarmos que este seu romance de estreia foi um êxito e já está a ser adaptado pela própria autora para o formato televisivo, pois a Amazon Films irá lançar o filme, pela mão de Jill Solloway, criadora da fantástica série Transparent (sobre um transexual que na terceira idade decide assumir perante a família a sua verdadeira identidade).
Gostei particularmente da subintriga em torno da estátua roubada dos destroços do World Trade Center que constitui uma réplica do Beijo de Rodin.
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