Depois de A Linha da Beleza (adaptado pela BBC a mini-série), A Biblioteca da Piscina (o meu favorito), O Filho do Desconhecido, chega agora o recentíssimo romance de Alan Hollinghurst, autor britânico e provavelmente um dos melhores da sua geração, publicado pela Dom Quixote, numa belíssima tradução de Tânia Ganho e uma capa fantástica.
O Caso Sparsholt mantém a escrita elegante do autor, cujos livros versam sempre uma certa temática gay (passemos agora ao lado da polémica em torno da questão queer), mesmo quando não chama as coisas pelos nomes. Neste romance, e acompanhando o próprio espírito da época, a palavra gay nem sequer é mencionada, na primeira parte do livro, e as personagens gay são sempre ambíguas, pelo que cabe ao leitor perceber a intenção de um gesto e a subtileza de um olhar.
Em Outubro de 1940, um quarto de jovens alunos de Oxford fica meio em sobressalto com a visão de um jovem recém-chegado a levantar halteres na contra-luz do seu quarto, desconhecendo que é observado e que imediatamente se torna alvo de desejo e de uma certa obsessão para Evert Dax, filho de um célebre escritor.
Na segunda parte do livro, intitulada «A Atalaia», o título não é inofensivo, e constitui outro dos méritos da tradução, pois não só um espaço que será relevante para todo o futuro da acção se chama, de forma nada inocente, a Atalaia, como é também uma parte do enredo em que todos se vigiam e observam mutuamente, e à socapa. E é por não estarem “de atalaia” que alguns acabam por ser apanhados à socapa.
No final do livro, o passado parece cada vez mais um fragmento de um sonho mal lembrado, à medida que a realidade gay contemporânea, com aplicações de engate e discotecas onde jovens em torso nu dançam ao rubro, parece submergir toda a história de uma cultura e de um modo de estar, antes pautada pela cultura, pela erudição e pelo amor à beleza.
À semelhança de O Filho do Desconhecido, o seu romance anterior, o autor desdobra a história ao longo do tempo em capítulos com saltos temporais, onde as próprias personagens vão mudando, apesar de haver sempre elos de ligação entre as várias partes, que se tornam mais definidos consoante a narrativa adensa.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.