Canción, de Eduardo Halfon, com tradução de J. Teixeira de Aguilar, é o segundo livro do autor guatemaltecoque a Dom Quixote publica entre nós – depois de Luto, em Abril do ano passado.
Numa fria manhã de janeiro de 1967, em plena guerra civil da Guatemala, Eduardo Halfon, um comerciante judeu libanês, é sequestrado num beco sem saída da capital desse «país surrealista» (p. 59).
Nos nossos dias, um narrador chamado Eduardo Halfon desloca-se ao Japão e é nesse canto distante do mundo que comparecerá a um misterioso encontro num bar escuro para, de forma improvável, revisitar a sua infância na Guatemala dos anos 70 e desvelar uma ponta do véu do que terá sucedido ao avô nos trinta e cinco dias em que esteve sequestrado.
O autor parece retomar um projeto literário em que, à semelhança da obra anterior, num romance igualmente breve mas profundamente pessoal, autobiografia e autoficção se entrelaçam. Narrador e autor compõem um jogo de espelhos, de ilusões e verdades, ao mesmo tempo que a identidade do neto encontra eco na do avô sequestrado. É possível, inclusive, encontrar uma alusão ao rapto do avô numa passagem de Luto, o romance anterior: «Sabia que, nos anos sessenta, depois de estar sequestrado por guerrilheiros durante trinta e cinco dias, o meu avô tinha regressado a casa voando.» (p. 15)
Canción representa, ainda, uma denúncia da interferência do governo norte-americano, como quando o presidente Arbenz condena o regime económico feudal da Guatemala e, ao impor uma lei de reforma agrária que afetava especialmente a United Fruit Company (a companhia bananeira que García Márquez retrata em Cem Anos de Solidão), Arbenz será «rapidamente derrubado no âmbito de uma operação da CIA (…), mergulhando o país numa sucessão de governos repressivos e presidentes militares e militares genocidas e quase quatro décadas de conflito armado interno (enquanto John Foster Dulles, por seu turno, nesse mesmo ano de 1954, foi nomeado Personalidade do Ano pela revista Time).» (p. 59)
Leave a Comment