A Quetzal lançou hoje sugestões de Livros para a Quarentena, das quais gostaria de destacar Uma Casa para Mr. Biswas, de V. S. Naipaul.
No dia 11 de Agosto de 2018, Sir Vidiadhar Surajprasad Naipaul, vencedor do Booker em 1971 e do Prémio Nobel de Literatura em 2001, faleceu aos 85 anos, de forma pacífica, acompanhado por entes queridos. O autor britânico V. S. Naipaul, cuja obra em Portugal tem sido publicada pela Quetzal, nasceu em 1932, na ilha de Trindade, nas Caraíbas, vivia em Inglaterra desde 1950. Visitou Portugal por três vezes, a última das quais em 2016, como participante no festival Fólio, em Óbidos.
A Quetzal publicou também recentemente Sementes Mágicas que dá seguimento a Metade da Vida. Dois romances do vencedor do Prémio Nobel de Literatura, V. S. Naipaul, que acompanham a vida de Willie Chandran, um homem de identidade incerta que, apesar dos seus 45 anos, sente-se deslocado, estranho à sua própria história.
Depois de 20 anos a escrever ficção e não-ficção sobre realidades que só seriam realmente abordadas muito mais tarde, como o exílio, a diáspora, o multiculturalismo, Naipaul foi um autor polémico, ora acarinhado, ora criticado pelos seus virulentos retratos. É o caso de Mohun Biswas, a personagem central de Uma Casa para Mr. Biswas, um dos mais emblemáticos romances do autor que narra as peripécias de um homem, muitas vezes pouco simpático, que passa um romance inteiro a lutar por poder morrer na sua própria casa, ao mesmo tempo que repele a pouca ajuda que vai recebendo da família da mulher. Mr. Biswas tem algo de pícaro e anti-herói, até na forma como movido pela ânsia do sonho se precipita mais que uma vez a comprar uma casa, desbaratando o muito pouco dinheiro que guarda e tem, e endividando-se perigosamente. Naipaul escreveu este livro com cerca de 20 anos e conseguiu a proeza de criar uma obra-prima, inspirando-se livremente na história de vida do seu próprio pai, um homem que, tal como Mr. Biswas, se rebelou contra as suas origens e se tornou um jornalista para o Guardian de Trindade. Ora cómico, ora trágico (o romance inicia com o nascimento de Mr. Biswas, uma criança com seis dedos), esta é a história de um homem que passa por sucessivas casas para voltar a ficar sem nada, quase sempre em choque com a mulher e a família desta. Mas esta é também a história de vida de um homem que se revolta com iras extremas (como que nascidas da força do mito) e se recusa a ser acorrentado ou escravizado pelas normas sociais e familiares que lhe são impostas (o eco do colonialismo e do exílio, pois lembre-se que Trindade era uma colónia britânica, e Mr. Biswas um hindu que nunca visitou a Índia). Ver artigo
É possivelmente o melhor romance de Dickens mas não a sua melhor-obra, disse alguém…
Cansei-me de esperar pela tão longamente anunciada edição da Relógio d’Água e comprei a da E-Primatur, editora que funciona em regime de crowdfunding, ou seja, as obras propostas pelos editores, leitores ou padrinhos do projecto são apresentadas e avaliadas na página da editora, e depois publicadas com o apoio dos leitores através de um mecanismo de financiamento colectivo.
Nesta obra tece-se num novelo a vida de várias e diversas personagens, quer da classe alta como das classes mais baixas de Londres, um pouco à semelhança do próprio processo cujo penoso arrastar se narra nestas páginas e que desgraça a vida de personagens como Richard, que se deixam enlear na miragem de uma fortuna fácil que nunca chegará, deixando-se além disso arruinar no pleito jurídico. O enredo é complexo, dada a prolixidade das personagens, mas o autor não deixa que o leitor se perca ou boceje pois, como se sabe, dominava a pena com mestria, ou não fosse ainda hoje um dos autores mais conhecidos mundialmente e cujas personagens lhe sobrevivem, nos mais variados campos artísticos…
A par da ironia e de alguns apontamentos mais divertidos deixados pelo narrador, abordando directamente o leitor, existe ainda uma propensão para o sombrio ou tétrico, a condizer com o título, como quando se fala do mau agoiro dos passos ouvidos no Passeio do Fantasma.
A história de uma mulher altiva e de orgulho frio, Lady Dedlock, cujo desvendar de um segredo revela a sua verdadeira natureza, com fins trágicos, ao mesmo tempo que a doce Esther desabrocha de uma condição humilde para a de uma mulher de destaque social e de uma bondade que ilumina todos em seu redor.
Terminada a obra, sugere-se ainda o visionamento da série da BBC, lançada em 2005 e constituída por 15 episódios, e com Gillian Anderson (Dana Scully dos Ficheiros Secretos) num dos principais papéis. Ver artigo
O autor, publicado pela Gradiva e laureado com o Nobel da Literatura em 2017, parece aqui fazer uma reflexão subtil da arte ao mesmo tempo que nos leva àquela que é a sua herança cultural, pois apesar do autor ter nascido em Nagasáqui, vive em Londres desde os 5 anos de idade.
A intriga decorre entre Outubro de 1948 e Junho de 1950, época em que o Japão recupera da Segunda Grande Guerra e está em franca reconstrução e reorganização, inclusive em termos culturais. Pela voz do mestre pintor Masuji Ono, ficamos assim a conhecer um país em busca de uma nova identidade e fôlego, ao mesmo tempo que apesar de já estar na reforma acompanhamos a memória desse período conturbado, época que coincide ainda com a formação do então jovem pintor. Ver artigo
O mais recente romance de Salman Rushdie (autor publicado pela Dom Quixote) foi lançado menos de um ano depois da eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos da América e consegue ainda assim fazer uma parábola da América Moderna. Rushdie ter-se-á mudado em 1999 para os Estados Unidos e já no anterior romance, Dois Anos Oito Meses e Vinte e Oito Noites, se podia ler uma reflexão paródica do que significa viver na América nos dias de hoje. Contudo, nesse título que brinca com As Mil e Uma Noites, a intriga era claramente fantasiosa, misturando heróis com mitologia, sob forte influência do cinema e da banda-desenhada.
A Casa Golden inicia «No dia da tomada de posse do novo presidente» (p. 13) e a acção decorre sensivelmente nos oito anos subsequentes de administração Obama. O narrador é René Unterlinden, um jovem de 29 anos, cineasta (e as referências ao cinema desmultiplicam-se, bem como a linguagem cinematográfica utilizada em diversos momentos). René narra assim, em mais de 400 páginas, o momento em que Nero Golden e os seus três filhos chegam aos Estados Unidos, oriundos de um país não nomeado se não no final do romance, mas fácil de identificar como sendo a Índia. Este «rei destronado de setenta e tantos anos» que ocupa o palácio Golden traz ainda um «cheiro inconfundível do perigo rude e despótico» (p. 13), como perceberemos melhor no final do romance, quando finalmente se percebe a origem da riqueza do magnata que, entretanto, soçobra sozinha numa América ela própria em decadência, e sobrevive à morte sucessiva dos seus três filhos.
Salman Rushdie está certamente no auge da sua pujança, com este romance ambicioso e denso, que foca temas tão díspares como a transexualidade, a emigração ou as alterações climáticas, com diversos ecos e referências musicais, literários, cinematográficos (também apontado como uma espécie de O Grande Gatsby), mas que infelizmente também se pode tornar uma leitura pesada que desafia o leitor comum.
Na segunda metade do romance, começamos a pressentir os ventos de mudança, conforme proliferam as referências ao novo candidato, designado como Joker: «As origens do Joker eram objeto de controvérsia; o sujeito parecia gostar de deixar que houvesse versões contraditórias a competir pelo espaço aéreo, mas em relação a um facto toda a gente, apoiantes apaixonados e acirrados antagonistas, estava de acordo: ele era completamente louco, a precisar de ser internado. O que era espantoso, o que tornava esta eleição tão diferente de todas as outras, era o facto de as pessoas o apoiarem pelo facto de ele ser louco, e não apesar disso.» (p. 281) Ver artigo
Um escritor norte-americano bem conhecido do público, com mais de 300 milhões de livros vendidos em todo o mundo, e obras adaptadas ao cinema como A Firma, com Tom Cruise. A trama do seu mais recente livro apela a qualquer leitor inveterado, ao juntar três histórias e três personagens, aparentemente desirmanadas e sem nada em comum. Um gangue de ladrões de alto nível, um jovem ambicioso que quando se depara com uma herança roubada de primeiras edições assinadas se torna um livreiro de sucesso, e uma escritora com um bloqueio criativo.
Os primeiros capítulos da obra dão conta da descrição de um fabuloso roubo dos manuscritos originais de Fitzgerald. Mas aquele que parecia o golpe perfeito acaba por correr mal e a arrogância dos ladrões não joga a seu favor. Em seguida, ficamos a conhecer Bruce Cable e a história de como se tornou dono de uma livraria muito popular na pequena povoação turística de Santa Rosa, Florida, que acolhe e suporta uma multitude de escritores, ainda que a sua verdadeira actividade seja como negociante de livros raros. E por último, mas na verdade, sendo ela o centro da trama a partir de certa altura, deparamo-nos com Mercer Mann, uma jovem escritora à deriva, que escreveu um primeiro livro aclamado pela crítica e que desde então se depara com um bloqueio criativo, além de que foi despedida da escola onde leccionava e se encontra há oito anos com uma dívida preocupante resultante dos seus juros de empréstimos de estudante. Até que Mercer Mann é abordada por uma mulher misteriosa, que sabe tudo sobre ela, e lhe oferece uma saída, ainda que isso implique mentira e duplicidade, recrutando-a como espia ao serviço de uma agência paralela ao FBI.
John Grisham é, em suma, um autor que sabe escrever uma boa história com qualidade literária que não se assemelha simplesmente a um guião cinematográfico, constrói personagens com densidade, e oferece-nos um livro de leitura compulsiva sobre leitores, editores, escritores, livreiros, colecionadores; sobre aqueles que são capazes de tudo, inclusive roubar ou matar, apenas para se poderem apoderar de um objecto que para muitos outros provavelmente não teria qualquer valor, como uma primeira edição autografada pelo autor ou um manuscrito original de um clássico como O Grande Gatsby. Ver artigo
Orhan Pamuk nasceu na Turquia em 1952 e em 2006 foi laureado com o Prémio Nobel da Literatura. Estudou Arquitectura e formou-se em Jornalismo, mas nunca exerceu. De todas as obras deste autor, publicado pela Editorial Presença, esta é possivelmente uma das suas obras de ficção mais bem conseguidas. Deixemos Istambul – Memórias de uma cidade no seu campo próprio da não-ficção ou guia de viagens, como livro de histórias e memórias dessa capital que faz a ponte entre o Ocidente e o Oriente.
A Mulher de Cabelo Ruivo é um romance dividido em três partes. Se na primeira parte o leitor pensa estar perante um romance de descoberta e crescimento, bem como de enamoramento por uma estranha mulher de beleza madura e exótica, na segunda parte deparamo-nos com a idade adulta de um homem que se afasta entretanto dos seus sonhos de juventude e paixões de adolescente, para finalmente na terceira parte termos o relato na voz própria dessa mulher por quem o nosso protagonista em tempos se apaixonou, logo à primeira vista, como em qualquer história de amor que se preze. Mas é também na segunda parte que os indícios, bastante subtis, da verdadeira intriga se começam a tornar mais insistentes, conforme o leitor começa a tentar perceber afinal por onde nos leva a trama, quando esta tão subitamente se desvia do que parecia ser o seu tema central, conforme a vida do próprio jovem herói sofre uma reviravolta e o seu percurso tergiversa por outras vias. O narrador assim o anuncia logo na abertura do romance: «O meu desejo era ser escritor. Mas, depois dos acontecimentos que vou narrar, estudei engenharia geológica e tornei-me empreiteiro da construção civil. Mesmo assim, o facto de eu estar a contar a história agora não deveria levar os leitores a pensar que ela acabou, que pus tudo para trás das costas. Quanto mais recordo, mais fundo caio dentro dela. Talvez vós me sigais também, atraídos pelo enigma de pais e filhos.» (p. 13)
Cem é filho de um farmacêutico, que acaba por desaparecer quando este tem 17 anos. O pai já tinha desaparecido antes, aparentemente já chegou a estar preso por algum tempo, mas este desaparecimento parece ser decisivo, ou seja, permanente… A Farmácia Vida acaba por ser encerrada e a mãe vê-se sem rendimentos para criar o filho e pagar-lhe os estudos. Este é também um dos romances mais marcadamente políticos do autor, com as referências declaradas ao esquerdismo do pai de Cem, que chegou a ser preso, levado para o Departamento de Assuntos Políticos, e torturado. Assim no Verão de 1985, o jovem Cem passa a trabalhar numa livraria, o que desperta também o seu gosto pela leitura bem como a sua aspiração a se tornar escritor. Cem torna-se depois aprendiz de um escavador de poços, o Mestre Mahmut, com quem irá trabalhar em Öngören, uuma pequena cidade nos arredores de Istambul, quando se depara com a visão magnífica e obsessiva de uma mulher de cabelo ruivo, imagem essa que se torna a sua obsessão e o objecto do seu amor.
À semelhança de outros romances como Uma Estranheza em Mim, Orhan Pamuk faz a ponte entre a tradição e a modernidade, como por exemplo nas personagens que invoca com profissões emblemáticas de um passado extinto, como o vendedor de iogurte ou, nesta obra mais recente, um escavador de poços. Mas nesta obra, o Nobel turco vai ainda mais longe e dá uma nova vida ao mito clássico de Édipo num mundo em mudança: «No momento em que saí da estação, fiquei com a certeza de que a velha Öngören já não existia: o prédio para o qual ficava a olhar à procura da janela da Mulher de Cabelo Ruivo fora demolido e, no seu lugar, um centro comercial movimentado enchia toda a praça, atraindo uma multidão jovem ansiosa por comer hambúrgueres e beber cerveja e refrigerantes.» (p. 192) Ver artigo
Regresso a este novo género tão em voga actualmente e que cruza ensaio com autoficção.
Daniel Mendelsohn (Nova Iorque, 1960) é doutorado em Estudos Clássicos pela Universidade de Princeton, professor de literatura clássica no Bard College, tradutor de poesia, ensaísta e crítico literário. Quando o autor se prepara para leccionar um seminário no Bard College sobre a Odisseia, é surpreendido com a decisão do seu pai de 81 anos, Jay Mendelsohn, se decidir inscrever também. O autor revisita o clássico homérico, com todo o rigor e erudição, mas em linguagem escorreita, enquanto disserta sobre as suas próprias memórias, especialmente em torno do pai. Ver artigo
Quando Mary acorda num hospital de Londres – sabemo-lo porque a contracapa acaba por o explicar, pois na verdade o leitor apenas encontra sugestões –, começa um périplo pela cidade em que percebemos que, primeiro, Mary se depara com as outras pessoas, através das quais tenta perceber o mundo que a rodeia, como se o visse pela primeira vez, e, segundo, tenta recuperar a memória da sua vida anterior, pois Mary afinal é uma «amnésica», num mundo que parece estar em chamas.
A perseguição da memória de Mary Lamb, aliás Amy Hide, surge como uma alegoria e reflexão da vida, feita de parâmetros ditos normais (um emprego significa vender o tempo), feita da rotina, feita de pessoas, e feita substancialmente de livros (para Mary e para grande desconcerto dos que a encontram): «Uns quantos livros estavam mortos – estavam vazios, não tinham realmente nada dentro. Mas alguns estavam vivos: expandiam-se para nós parecendo conter todas as coisas, como oráculos, como alefes. E quando ela se orientava para acordar cedo, eles estavam ainda abertos na mesa, bem conscientes do seu poder, aguardando friamente.» (pág. 133)
Há ainda laivos de distopia neste livro, como acontece, por exemplo, com os corpos dessas outras pessoas com que Mary se vai cruzando: «Havia muitos corpos realmente maus à volta de onde viviam, com falta de bocados ou bocados acrescentados, ou torcidos, ou esticados. Portanto, Mary estava satisfeita com o seu; e era tudo muitíssimo interessante.» (pág. 66)
Martin Amis faz ainda, como não podia deixar de ser, uma crítica subtil ao mundo na era do capitalismo, um mundo que vive essencialmente de sexo e de dinheiro, os principais bens a oferecer: «Pensava que era a vida que era pobre. Agora sabe que não precisa de ser – pobre, pobre, não, nesse sentido. Pensava que o dinheiro só acontecia nos livros. (…) A vida é interessante, a vida tem muito que se lhe diga, mas a vida pode ser tremendamente pobre. Agora Mary sabe isso. Viu o suficiente das pessoas abastadas, mal-encaradas nas lojas e nos carros. Não quer o dinheiro delas; só quer o tempo delas. E a mudança da luz diz-lhe qualquer coisa sobre os pobres e o inverno.» (pág. 182-183)
Intrigante, enigmático, desconcertante, são muitos os adjectivos que se podem aplicar a este livro também rotulado de «thriller metafísico», mas é certo que cativa e seduz o leitor, mantendo-o preso. Ver artigo
A ingressar num género que leio muito pouco, o policial, este livro, de peso, promete ainda assim ser uma leitura leve e ágil, pois os capítulos são curtos e a intriga é veloz, em capítulos que se sucedem inclusivamente numa contagem decrescente, a começar 33 dias antes da estreia do 21.º festival de teatro da (outrora) pacata cidade de Orphea.
Jesse Rosenberg é um ainda jovem capitão, com apenas 45 anos mas a poucos dias de se reformar com uma taxa de 100% de sucesso, quando é confrontado pela jornalista Stephanie Mailer de que um dos seus primeiros casos foi mal resolvido…
Fico sempre com a sensação que estou a ler um mero argumento de filme – o que retira grande prazer da leitura, apenas contrabalançado pelo ritmo frenético em que a escrita nos leva.
Joël Dicker, publicado pela Alfaguara, tornou-se um fenómeno literário global de sucesso de vendas com A verdade sobre o caso Harry Quebert (2013). Este é o seu quarto romance e tem criado grande burburinho (em Barcelona lembro-me que invadiu todos os escaparates). Ver artigo
Nascido em Nápoles, em 1943, foi professor e escreveu para um suplemento cultural, autor de vários romances e contos, alguns adaptados a filmes e séries televisivas. Laços foi distinguido como melhor livro do ano por vários jornais internacionais (The New York Times, Kirkus Reviews, The Sunday Times) e venceu o Prémio Bridge de melhor romance.
São 141 páginas, numa história repartida em três partes, ou livros. No primeiro livro, que parece constituir um breve prólogo, é a mulher abandonada e traída que se lamenta e apela ao marido uma explicação. É no fundo o discurso na primeira pessoa que compôs diversas cartas escritas ao marido, e às quais percebemos que ele foi respondendo. No segundo livro, curiosamente bastante mais extenso, é o marido que discorre sobre aquilo que foi para ele o casamento e como deu por si a “estar com outra mulher” ainda antes de “se apaixonar” por essa mulher, num tempo (quarenta anos antes) em que o divórcio era ainda inconcebível, apesar do adultério e de os homens deixarem mesmo a sua mulher e filhos para começar de novo com outra. No terceiro livro, fala-nos um dos filhos deste casal.
Aldo, agora um «senhor falsamente distraído de setenta e quatro anos», casado com Vanda «uma senhora falsamente enérgica de setenta e seis anos», regressam de férias a uma casa que foi vandalizada, apesar de nada existir para roubar (uma metáfora de um casamento vazio onde tudo foi destruído). Ao arrumar os destroços espalhados pela casa, Aldo dá por si a relembrar o que aconteceu no seu casamento, que dura há cinquenta e dois anos, «um longo fio de tempo encolhido», e relembra o tempo em que era um «assistente sem futuro de Gramática Grega» e se apaixona por Lidia, uma estudante de Economia (p. 32).
Este livro, publicado pela Alfaguara, reflecte sobre os frágeis laços de família e heranças que se transmitem ou inventam, como forma de confortar e aproximar entes tão distintos, mesmo quando partilham o mesmo sangue. Um retrato sublime de uma história banalizada, quando um homem sai de casa para se juntar com uma mulher, ao mesmo tempo que traça uma história do casamento e do adultério ao longo das últimas décadas, e do que se tornou comum ou aceitável, mesmo quando contra a norma: «Estar casado, ter família própria numa idade novíssima, tornara-se um sinal não de autonomia, mas de atraso. Com menos de trinta anos, sentia-me velho, e parte – à minha revelia – de um mundo, de um estilo que, no ambiente político e cultural a que aderia, era considerado iminentemente acabado. Pelo que, embora tivesse uma relação forte com a minha mulher e as duas crianças, depressa me deixei fascinar por modos de vida que programaticamente suprimiam todos os vínculos tradicionais.» (p. 63) Ver artigo
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